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Quando Preta Gil foi salva por um ‘xodó'

Cantora e empresária, que ficou deprimida durante a pandemia e após a perda de entes queridos, celebra “ressurgimento” ao lado do filho, graças a quem voltou a cantar

A cantora Preta Gil durante a gravação do clipe 'Meu xodó'.
A cantora Preta Gil durante a gravação do clipe 'Meu xodó'.Divulgação

Preta Gil (Rio de Janeiro, 47 anos) sempre ouviu da mãe, Sandra Gadelha, que “o fundo do poço tem mola”. No último ano e meio, no entanto, a cantora e empresária custou a encontrar o impulso necessário para romper com a letargia na qual as tristezas individuais e coletivas da pandemia de covid-19 mergulharam-na. Em fevereiro do ano passado, logo após o carnaval, ela própria contraiu a doença em um compromisso de trabalho. Em maio deste ano, perdeu um dos melhores amigos, o humorista Paulo Gustavo, mais uma vítima do coronavírus no país. Duas semanas antes, sua avó materna também havia falecido (de causas não divulgadas). “Fui muito contagiada, contaminada mesmo, com toda essa loucura e tristeza. Estava muito mal, muito triste e preocupada em como eu iria continuar, porque nada me dava prazer”, conta ao EL PAÍS.

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Como aconteceu com outros artistas nesse período, Preta sofreu um bloqueio emocional e criativo que não lhe permitiu produzir nada. “Não conseguia ter vontade de gravar, de pensar artisticamente, de planejar... Via meus amigos lançando coisas e pensava: ‘Que vontade de ter vontade de fazer o mesmo’, mas não conseguia, então decidi viver minha tristeza.” Até que seu filho, o também cantor Francisco Gil —para ela, apenas Fran— chegou com a luz no fim do túnel. Quando ele informou que ia gravar a canção Meu xodó, composta por ele como um presente para a mãe meses antes, Preta saiu do abatimento: “Não! Essa música é minha, ninguém toca!”

Em um mês e meio, mãe e filho produziram, gravaram e filmaram o clipe da música, no qual também aparecem outros xodós da cantora, como seu marido, Rodrigo Godoy, e a neta, Sol de Maria. “Essa canção foi a mola do fundo do meu poço. Depois de dois anos sem lançar nada, sinto como um ressurgimento artístico também”, celebra Preta. Fran já tinha escrito para ela, aos 15 anos, Mulher carioca, faixa gravada no álbum Sou como sou (2012), mas Meu xodó foi uma entrega especial: “Meu renascimento é um presente do meu filho. Eu pari ele e agora é ele que está me dando esse novo fôlego de viver.”

A letra, que reverencia o “canto doce” e a alegria que ele leva às pessoas virou o talismã da artista que viu-se obrigada a ficar longe dos palcos pela primeira vez em 20 anos, uma distância que também cobrou um preço emocional. “Tive minha profissão literalmente arrancada de mim, fomos os primeiros a parar e não sabemos quando vamos voltar. Espero que a vacina avance para que meu ofício e o de tantas outras pessoas retorne, há toda uma indústria do entretenimento parada”, lamenta.

Apesar das muitas saudades, Preta segue em distanciamento social e realiza testes de covid-19 sempre que precisa sair para algum compromisso, o que, segundo ela, inviabiliza muitos trabalhos. “Eu só vou voltar para os palcos quando a OMS [Organização Mundial da Saúde] disser que é completamente seguro. Sou muito descrente com essas coisas antecipadas, com as autoridades querendo liberar tudo... Só coloco minha equipe na estrada de novo quando todo mundo estiver vacinado, não só quem trabalha comigo, mas todo o país mesmo”, diz. No momento do ano em que muitos começam a questioná-la sobre os planos para o verão, a cantora é taxativa: “Meu único plano é esperar tudo melhorar para voltar a trabalhar.”

Enquanto isso, encontra conforto na convivência familiar: além da companhia do marido, filho e neta, tem visto muito o pai, Gilberto Gil. “Apesar de sermos muito grudados, a pandemia nos uniu ainda mais, nunca tinha convivido tanto com os meus. Depois da perda de minha avó, senti vontade de eternizar nossa família no clipe da música nova”, conta. Nele, Gil, patriarca e mestre, define com sua voz inconfundível que “xodó é dengo, é apego, é carinho, é chamego”.

Dona da internet

Ainda que esteja longe dos palcos, Preta Gil não deixou de “colocar a mão na massa”, como gosta de dizer. Sócia-fundadora da Mynd, agência de marketing de influência e entretenimento, o rol de clientes da empresária vai de nomes como Pabllo Vittar e Alcione aos ex-BBBs Camilla de Lucas e Gil do Vigor e, de acordo com os piadistas da internet, qualquer pessoa que viralize nas redes e demonstre um mínimo potencial de influenciadora. Não são poucos os memes com a imagem dela batendo na porta de alguém com um contrato na mão. “Eu amo esses memes! Morri de rir com a montagem minha na porta do COB [Comitê Olímpico Brasileiro] para contratar os atletas”, gargalha. Por enquanto, o único com papéis assinados na agência é o jogador de vôlei Douglas Souza, celebrado pelo bom humor nas redes e por ser mais um representante LGBTQIA+ no esporte brasileiro. “Fechamos com ele algumas semanas antes das Olímpiadas de Tóquio 2020, porque o empresário dele sacou que ele poderia ter essa visibilidade e nos procurou”, conta Preta.

Parece que para ela, atacada desde os primórdios dos blogs de fofoca e alvo constante de gordofobia e outras violências machistas, o jogo virou. Sua empresa trabalha com micro e macro influenciadores que associam seus nomes e imagens às maiores marcas do país e conta com um núcleo de análise de dados voltado para atender às novas demandas de números e projeções nas redes sociais. “Eu estou na boca do povo há 20 anos, já passei por tudo, então sei que o burburinho sobre a agência é positivo”, diz.

Preta começou a trabalhar numa agência de publicidade aos 16 anos e, quando decidiu ser cantora, nunca abandonou a vocação para produzir e empreender. Quando decidiu criar seu próprio bloco de carnaval, em 2009, tirou dinheiro do bolso para fazer acontecer. Ela conta que, apesar de carregar um dos maiores sobrenomes da história música popular brasileira, nem tudo foi fácil. “Eu não fui endossada por grandes gravadoras, nunca fui eleita artista do ano, sempre tive que correr atrás.” Hoje, ela desempenha outro de seus talentos, o de jogar holofotes sobre os demais. “Desde que me entendo por gente, uma das coisas que mais me dá prazer é ver os outros fazendo e se realizando artisticamente”, afirma.

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