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75 anos sem H. G. Wells, pioneiro contra o entusiasmo tecnológico

O autor de ‘A Guerra dos Mundos’ e ‘A Máquina do Tempo’ foi um dos primeiros a se opor à visão idílica que se tinha da ciência e da tecnologia no final do século XIX

H. G. Wells em 1929.
H. G. Wells em 1929.ullstein bild Dtl. (ullstein bild via Getty Images)
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Setenta e cinco anos após sua morte, restam de Herbert George Wells as ideias de seus livros à frente de seu tempo. Tanto é verdade que a realidade ainda não as alcançou. O escritor britânico, considerado um dos pais da ficção científica e famoso por títulos como A máquina do tempo e O homem invisível, morreu em 13 de agosto de 1946. Foi pioneiro em dar um tom pessimista a suas histórias sobre progresso, ciência e tecnologia, contra o entusiasmo que então imperava sobre o futuro.

Mesmo assim, o que mais se conhece de sua carreira é apenas indiretamente relacionado a ele. Enquanto H. G. Wells ainda era vivo, o jovem Orson Welles fez um programa de rádio em que adaptou seu romance A guerra dos mundos. Era 1938 e milhares de norte-americanos saíram às ruas para expressar sua ansiedade porque acreditaram que a Terra estava sofrendo um ataque alienígena.

H. G. Wells tirava suas ideias do exagero e da extrapolação de seu tempo. Nascido em 21 de setembro de 1866, cresceu em um mundo fascinado pelo progresso. A Segunda Revolução Industrial trouxe a magia da eletricidade, do carro motorizado —os primeiros automóveis Benz e Daimler— e do telefone. Era também a época das invenções e de seus inventores, com Thomas Alva Edison à frente na lista. Parecia que tudo era possível com ciência, com engenharia e com tecnologia.

Toda essa efervescência se cristaliza em um sentimento de exaltação que salpica a literatura. Com Júlio Verne, outro dos precursores da ficção científica, os avanços técnicos e as máquinas espantosas assumiram um papel fundamental nos romances. Costumavam ter um componente de deslumbramento, como em Da Terra à Lua ou A ilha misteriosa. Aqui, a tecnologia e a ciência aparecem como vetores do progresso.

Os romances de H. G. Wells, porém, têm um foco diferente. Neles, o progresso oferecia um lado sombrio que o autor mostra de forma ostensiva, tanto que muitas vezes se torna o tema principal da obra. Curiosamente, ele publicou seus textos de ficção científica mais conhecidos em poucos anos, no final do século XIX. A máquina do tempo (1895), A ilha do doutor Moreau (1896), O homem invisível (1897) e A guerra dos mundos (1898) aparecem num período de apenas quatro anos. Seu sucesso neste curto espaço de tempo lhe permitiria viver confortavelmente como escritor pelo resto de seus dias.

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Em A máquina do tempo, publicado quando tinha 29 anos, Wells faz um exercício de antecipação. Algo que era comum na época. Mas, no caso dele, tem um ponto de originalidade. Um exemplo da visão futurista do momento são os cartões-postais que Jean Marc Côté e outros artistas desenharam por ocasião da Exposição Universal de Paris, em 1900. As ilustrações mostram máquinas voadoras trafegando rotineiramente nas cidades, a mecanização do campo ou máquinas que cortam cabelo ou varrem e esfregam a casa. As imagens, agora revestidas de nostalgia, projetam o que seria o ano 2000.

Já o romance de Wells não está apenas um século à frente. A máquina do tempo chega à Inglaterra do ano 802701. E sua visão da humanidade não é tão animadora como a dos cartões-postais da Exposição Universal de Paris. O progresso tão amplamente enaltecido na época teria levado a civilização humana a um estado calamitoso.

Wells mostra esse lado execrável da tecnologia e da ciência também em O homem invisível. Uma história em que as consequências de um experimento científico levam o protagonista a sofrer um delírio de poder que o aliena completamente. O autor deixa sensação parecida em A ilha do doutor Moreau, onde antecipa a questão da engenharia genética e os problemas que os avanços neste campo podem trazer. A ilusão das viagens espaciais é fulminada por Wells com A guerra dos mundos, sem a necessidade de viajar para lugar algum. Em vez de a humanidade sair para o universo, este vai para o planeta Terra. O encontro entre ambos os mundos é um desastre.

Cartaz do filme de George Pal sobre 'A máquina do tempo’, de H. G. Wells.
Cartaz do filme de George Pal sobre 'A máquina do tempo’, de H. G. Wells.

O entusiasmo pela tecnologia e a ciência continuaria muito depois desses títulos. Hugo Gernsback, criador em 1926 da revista Amazing Stories, onde Asimov, Ray Bradbury e muitos outros publicariam, é um desses apóstolos. No início do século XX, ele já publicava histórias que eram uma ode a trastes futuristas e aos tempos vindouros. Sua influência nos primeiros passos da ficção científica foi tamanha que o Prêmio Hugo, para romances deste gênero e do fantástico, levam seu nome em sua homenagem.

Décadas se passariam antes que surgissem as primeiras grandes distopias, como Admirável mundo novo (1932) de Aldous Huxley, que temperou o entusiasmo pelo futuro. O checo Karel Čapek, com sua peça R.U.R. (Rossumovi Univerzální Roboti, que significa Robôs Universais de Rossum), de 1920, também mostrou suas reservas com a tecnologia, no caso com os autômatos, que ele batizou de robota, o que deu origem ao termo robô.

Mas de Wells pode-se dizer que foi o primeiro escritor que fez de sua desconfiança do progresso, entendido como avanços técnicos e científicos, um sucesso editorial. E o fez em uma época em que havia a sensação de que todos os problemas da humanidade poderiam ser resolvidos com os avanços da tecnologia. Um sentimento que de alguma forma também impera hoje, quando grandes empresas de tecnologia falam de seus produtos como soluções para conectar pessoas, para capacitar, em última instância, para mudar o mundo. “Mas, sério, em que direção?”, se perguntaria Wells.

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