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Marisa Monte: “É mais fácil que os músicos brasileiros façam sucesso se forem para os EUA, mas eu quis ficar”

Em seu novo disco solo, ‘Portas’, a artista recorre ao jazz, ao pop e ao soul como armas para enfrentar um mundo abatido pela pandemia

A cantora Marisa Monte em uma imagem promocional do seu novo disco, ‘Portas’
A cantora Marisa Monte em uma imagem promocional do seu novo disco, ‘Portas’Elisa Mendes

Marisa Monte amansa as feras que rondam por um mundo pós-pandemia.” Eu não tenho medo do escuro / Sei que logo vem a alvorada / Deixa a luz do sol bater na estrada”, canta em Calma, uma canção de Portas, seu primeiro disco solo em 10 anos, que já pode ser ouvido ha algumas semanas nas plataformas digitais e deve ganhar formato físico no próximo trimestre. O pop, o jazz e o soul lhe servem como arma para enfrentar um planeta abatido pela covid-19 e para consolar o seu país, profundamente ferido. “Depois deste ano tão duro em todo o mundo, mas principalmente no Brasil, onde vivemos momentos históricos muito trágicos, fico feliz de contribuir através da arte e da música para ajudar a processar toda a dor e todas as perdas e dificuldades. Espero que possam trazer algo de esperança no futuro”, comenta por videochamada, no Brasil.

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Na faixa-título do álbum, a artista carioca, de 54 anos, fala sobre a ansiedade de precisar tomar decisões sabendo que, por trás de cada porta, há um caminho que levará a algum lugar ―e que o pior de tudo é o imobilismo. Esse desejo de avançar lhe chegou no processo de criação. Houve parcerias via Zoom com artistas no Rio, Lisboa, Los Angeles e Nova York. “O futuro se acelerou. E mudou completamente os métodos de produção, mas no bom sentido, porque era um desafio, mas nos pôs à prova”, reconhece, mostrando sua alegria por ter podido trabalhar neste período.

Marisa abraça a cultura internacional; em seus mais de 30 anos de carreira, ganhou quatro prêmios Grammy Latinos, gravou um dueto com o líder dos Talking Heads, David Byrne, e vendeu mais de 15 milhões de discos no mundo todo. E embora fosse tentador viver em outros lugares, manteve-se ancorada ao seu país. “Acho que é mais fácil para os músicos brasileiros fazerem sucesso se viverem nos Estados Unidos. Todos os artistas que foram muito relevantes em nível internacional estavam lá, como João Gilberto. É importante estar fisicamente, construir uma carreira lá; pode-se chegar a todas partes. Mas ir embora não era a melhor opção para mim. Estou muito contente com o que conquistei com meu trabalho, por viver no Brasil e por cantar em português”, diz ela, em inglês perfeito. Este idioma lhe parece, em parte, uma barreira, porque a maioria dos brasileiros não o fala. Mas o ouve nas canções. “A música em si mesma é uma linguagem, podemos nos comunicar através do ritmo. Há outras formas de se conectar”, acrescenta.

Com essa trajetória nas costas, a artista considera que a maior mudança do setor industrial foi passar do físico ao abstrato: “Nos últimos 20 anos, a música deixou de ser um produto que alguém compra, leva para casa e ouve, para se transformar em um serviço”. Ela nota isso na forma como as pessoas a consomem, que é mais individual, com fones de ouvido, “e está muito mais disponível”. “Sou uma artista que começou no mundo físico. E tive que fazer essa mudança para o mundo digital”, reconhece. Nunca se adaptou à ideia de se expor nas redes sociais, que só usa para falar de sua música. “Sempre fui assim. Não dou muitas entrevistas, a música esteve sempre em primeiro lugar. Sinto respeito por meu setor, por meu público e por seu tempo, que estão perdendo ao navegar pela internet sem verem nada”, observa. Mesmo assim, está conectada ao mundo atual, e não demora nem um segundo em disparar uma fila de nomes de músicos do panorama atual brasileiro: BaianaSystem, Mallu Magalhães, Ana Frango Elétrico e Ava Rocha. “Há artistas muito interessantes”, comenta.

O fundo do cômodo onde Marisa se encontra é singelo, apenas dois violões a cercam, e responde com um enorme sorriso a cada pergunta. Sua imagem através da tela é compatível com sua última criação; uma ode à contemplação e à vida aprazível. Quando canta algo de amor, o tom é positivo. “Em Calma, quem canta está dizendo ao outro que tudo vai ficar bem, que vamos lutar contra todos os problemas e haverá uma situação melhor no futuro”, diz ela sobre essa parceria com Chico Brown. Marisa adora trabalhar em companhia, tanto que participa do trio Tribalistas, junto com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown: “Compartilhamos tudo. Todas as decisões, todas as dúvidas, todas as respostas, todas as perguntas. Aprendi com eles, e é um alívio para mim, como artista solo durante 30 anos, estar com eles. Temos uma história muito bonita em comum”.

As vacinas começam a devolver a liberdade ao mundo, mas nos tempos de confinamento a única janela era a criação artística. O reconhecido cineasta Fernando Trueba deixou isso claro: em suas recomendações ao EL PAÍS para passar o confinamento, fez uma lista de canções de Marisa Monte: “Ela sempre me transmitiu alegria de viver, beleza, gosto, musicalidade...”, comentava. O rosto dela se ilumina ao escutar essa frase. “Ele é muito agradável, um grande amante da música. São palavras muito bonitas e eu sou uma grande fã dele também”, responde. “Pessoalmente, espero poder voltar à Espanha o quanto antes para rever meus amigos espanhóis. Muito obrigada. Muito obrigada. Muito obrigada”, repete, como um mantra.

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