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Pixar viaja ao verão mais feliz da infância com ‘Luca’

O italiano Enrico Casarosa, primeiro cineasta não norte-americano a dirigir sozinho um filme para o estúdio, evoca suas memórias estivais com a animação ‘Luca’. “A baliza é muito alta”, afirma

Uma imagem do filme 'Luca', da Pixar.
Tommaso Koch
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ACOMPAÑA CRÓNICA: PIXAR SOUL***USA6389. LOS ÁNGELES (ESTADOS UNIDOS), 23/12/2020.- Fotograma cedido hoy por Disney Pixar donde aparece el personaje Joe Gardner, durante una escena de la película de animación "Soul" que se iba a presentar en la gran pantalla el 20 de noviembre (después de haber retrasado su estreno original del 19 de junio), pero finalmente se lanzará en la plataforma Disney+ el 25 de diciembre. El alma, la parte más profunda del ser humano, es la protagonista de "Soul", la nueva película de los estudios Pixar que se adentrará en el porqué de nuestra personalidad de una manera muy similar a la que "Inside Out" (2015) exploró nuestras emociones. EFE/Disney/Pixar /SOLO USO EDITORIAL /NO VENTAS
Em que momento a Pixar esqueceu que seus filmes, às vezes, também são vistos por crianças?
Un fotograma de 'Soul', la película de Pixar.
Obrigada, Pixar, por criar ‘Soul’ e mostrar que há vida além de um “propósito” para o mercado
Imagen de 'Soul', de Pixar.
‘Soul’ e ‘Wolfwalkers’, animação rica e animação pobre

Certo verão, muitos anos atrás, Enrico cruzou com Alberto. Ele era um menino tímido, introvertido. O tipo de adolescente que, numa festa, prefere se esconder num canto. Já aquele outro garoto não parecia ter medo de nada. E logo se tornaram amigos inseparáveis. Compartilharam aventuras, meteram-se em mil apuros e viveram dias inesquecíveis sob o sol das Cinque Terre, no norte da Itália. O tempo passou, os verões passaram, a vida passou. Mas o vínculo deles resistiu. Quando cresceu, Alberto se tornou coronel-aviador. Afinal de contas, sempre teve asas. Enrico Casarosa, mais dado à reflexão, acabou no cinema. Partiu para os EUA, entrou na produtora Pixar e um dia disse que havia tido a ideia para um filme. “A âncora era a relação com meu melhor amigo”, explica agora, com 49 anos e um sorriso. E embora Luca, que estreia nesta sexta-feira no Disney +, nasça da memória do cineasta, ele celebra uma lembrança universal: o verão mais feliz da infância.

Pela primeira vez, um diretor não norte-americano assume sozinho as rédeas de um filme da Pixar ―embora o genovês diga que não sentiu mais pressão por causa disso. Já bastava o currículo da companhia: “O peso você nota mais, eu diria até, por tantos filmes que põem uma baliza muito elevada”. Ele mesmo colaborou em animações como Ratatouille, Up e Viva, além de obter uma indicação ao Oscar com o curta A Lua. Agora, para o maior desafio de sua carreira, Casarosa levou a Pixar ao seu terreno. Luca segue uma jovem criatura marinha que emerge do mar da Ligúria para descobrir tudo o que o mundo exterior oferece. No povoado pesqueiro de Portorosso encontra amici, gelati, risos e bicicletas. Mas também lágrimas, decepções e as primeiras decisões complicadas.

“Talvez eu pense mais nas crianças que outros diretores da Pixar. E também na criança que há dentro dos adultos. Quero viajar com nostalgia ao mundo da infância. A esse sentimento do deslumbramento, da brincadeira. Não faço a equação ‘Isto não é suficientemente complexo para um público mais velho’, como Soul [o filme anterior da produtora] não se preocupava com que os pequenos tivessem que entender tudo. Espero que os sentimentos sejam fortes: traição, vergonha, remorso, tristeza. Mas quero que pareça agridoce, que a emoção chegue com dolcezza”, explica Casarosa. Adorador de Hayao Miyazaki e do estúdio de animação Ghibli, o cineasta pintou uma aquarela de vielas banhadas pelo mar, onde idosas passeiam devagar, os pescadores recolhem suas redes e o dia começa e termina na piazza.

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No fundo, aquela era a sua casa. Mas mesmo assim o diretor decidiu checar as suas lembranças. “Em princípio, a memória era só minha. Mas entendi que tinha que verificar certos aspectos, porque faz muito tempo que não vivo na Itália, e além disso ficava muito subjetivo”, conta Casarosa. Por isso recebeu ajuda de vários colaboradores no seu país. Também foi perguntar diretamente aos habitantes de Luca: em 2016, viajou com sua equipe às Cinque Terre com uma caderneta cheia de dúvidas. A receita do pesto que se vê no filme, por exemplo, passou pelo filtro das avós locais; e houve até “um simpósio” com os membros da Disney Itália (a Disney é dona da Pixar) sobre como os personagens deviam gesticular, no qual cada um dava sua opinião e se descartavam as recriações mais estereotipadas.

Assim, no filme há lambretas, macarrão, um aceno a Marcello Mastroianni e uma trilha com canções familiares para qualquer italiano. As vozes originais do filme, entretanto, falam inglês. “Queria manter o sabor do idioma, mas os subtítulos constantes são uma barreira para muitas crianças”, explica o diretor. Mesmo assim, de vez em quando alguém exclama “Santa mozzarella!” ou se apresenta com um “piacere”.

As referências a um mundo tão concreto serviam também para outro objetivo. A Disney já contou a curiosidade da jovem Ariel por emergir da água e descobrir os humanos. E a própria Pixar mergulhou no oceano com Nemo e Dory. Casarosa estava consciente dos riscos: “Certos aspectos podiam evocar a sereiazinha. Tivemos que voltar a ver o filme dela, porque você pode inclusive criar um momento parecido sem perceber. Mas também sabíamos que Luca era muito diferente. E queria mostrar especificamente o mar da Ligúria, com suas pedras e suas cores”.

Enrico Casarosa em 13 de junho, em Gênova.
Enrico Casarosa em 13 de junho, em Gênova. SIMONE ARVEDA (EFE)

Luca era também inédita, como Soul e Dois Irmãos, as produções anteriores da Pixar. Após várias sequências, a companhia volta a apostar em ideias novas. Mas Casarosa não vê muita diferença “Se um diretor tiver uma ideia que solte faísca, segue-se adiante. Até mesmo os chefões são um pouco cineastas, e se houver algo elétrico, eles apoiam. É verdade que a continuação de uma história torna o sucesso mais provável e facilita o marketing. Mas muitos dos diretores mais recentes propõem coisas novas. E quando você cria não é diferente.” Assim ele defendeu seu projeto nas reuniões artísticas da Pixar―cada filme que a companhia lança passa por múltiplos filtros, onde outros criadores e diretores da casa oferecem sugestões, dúvidas e críticas.

Mas, na verdade, os avais mais importantes para Luca chegaram recentemente. Antes de mostrar o filme à sua família, Casarosa se justificou no carro: “Estou tenso, faz cinco anos que estou falando disto para eles”. Sua filha em seguida o tranquilizou. E, depois da projeção, reafirmou: “Viu, papai, que não tinha por que se preocupar?”. Alberto também viu o filme. Aparentemente, sua mulher precisou lhe dar vários tapinhas para ajudá-lo a superar a emoção. Além disso, os dois amigos se encontraram durante a divulgação do filme na Itália: “Foi lindo. Ele me disse: ‘Bello, belíssimo!’. E no meio disso também enfiou um palavrão. Coisas do Alberto”.

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