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Dave Grohl fala de Nirvana, Foo Fighters e dias ruins: “Fiz este caminho ferrado e sobrevivi”

Músico lança seu 10º disco para comemorar 25 anos com sua banda, período em que virou um astro do rock para todos os públicos

Dave Grohl durante um show on-line com o Foo Fighters em 28 de janeiro.
Dave Grohl durante um show on-line com o Foo Fighters em 28 de janeiro.Kevin Winter (Getty Images for iHeartMedia)
Carlos Marcos
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No dia em que Kurt Cobain acabou com sua vida (5 de abril de 1994), Dave Grohl, aquele baterista magricelo e fibroso que levava as canções do Nirvana a outra dimensão com sua pegada tenaz, decidiu que a música havia acabado para ele. Passou meses sem tocar um instrumento, deprimido. Um jovem de 25 anos que atuava em uma das bandas mais admiradas por mundo então se mostrava emocionalmente aniquilado. “Deixei de ouvir música, guardei a guitarra num armário e joguei a chave fora. Era doloroso inclusive ouvir canções de fundo, então não ligava nem o rádio”, recorda por telefone da sua casa, em Los Angeles. “Quando o Nirvana se popularizou, tudo aconteceu depressa. Ficou difícil conduzir essa nave emocionalmente, porque eu era muito jovem. E essa experiência foi dramática. Foi todo um desafio emocional mais do que musical ou profissional. Quando Kurt morreu foi difícil, duro. Havia tocado música até então e representava algo maravilhoso para mim. Mas nesse momento representava coisas que me rompiam o coração e me angustiavam”, diz.

Conta como superou isso: “Passados alguns meses percebi que a música sempre tinha salvado a minha vida. Pensei: ‘Isso é justamente o que preciso, preciso da música, preciso dela para sobreviver, vai me ajudar a virar a página”. Assim começou o Foo Fighters, 25 anos atrás. Hoje, aquele angustiado jovem dá shows para 50.000 pessoas, toca na Casa Branca (para Barack Obama e recentemente para Joe Biden no Capitólio), compartilhou palco com o Led Zeppelin, Motörhead e Kiss e acaba de lançar seu 10º disco com o Foo Fighters, Medicine at Midnight. David Grohl tem 52 anos: nenhum astro do rock tão jovem é tão grande.

Um delírio chamado Foo Fighters

O líder do Foo Fighters deve ser a única pessoa otimista nestes tempos desventurados. Demonstra isso ao longo da conversa. “As coisas estão péssimas, mas estou otimista”, repete, enquanto se vê obrigado a adiar shows por causa da pandemia de coronavírus. Reconhece que esta propensão a se agarrar ao lado positivo o salvou em situações delicadas. Quando superou o luto pela morte de Cobain, seu telefone tocou para lhe indicar o caminho: Tom Petty lhe propôs ser o baterista da sua banda. E ele disse não. “Quando desliguei, pensei: rejeitei uma oferta do Tom Petty, um dos meus ídolos. Não pode ser!”, explica entre risos.

Grohl finalmente tocou para Petty uma vez, no programa Saturday Night Live, mas seu instinto lhe indicava outro caminho. “Uma parte de mim me dizia que entrasse para uma banda como baterista, como tinha feito no Nirvana. Mas outra parte me recomendava: ‘Isso você já vez, Dave, você precisa experimentar’. Queria tocar guitarra e cantar. Precisava me mexer e começar com minha própria banda”. O Foo Fighters já estava rolando: de ver as coisas do fundo do palco, entrincheirado entre pratos e bumbos, a compor, tocar guitarra e cantar.

Nestes 25 anos, Grohl conseguiu se tornar uma estrela oferecendo uma imagem de antiestrela. Sua calorosa amizade com Lemmy Kilmister, do Motörhead; sua humildade ao montar uma superbanda (Them Crooked Vultures, com Josh Homme, do Queens of the Stone Age, e John Paul Jones, baixista do Led Zeppelin) e conformar-se com a bateria; o respeito pelos clássicos; a adorável batalha de bateristas que organizou durante a pandemia com uma menina de 10 anos; como prepara ótimas lasanhas no programa de Mary McCartney… Grohl é um seguidor da música, um dos nossos, mas com uma conta bancária inalcançável.

Também passou momentos duros, como quando, em 2007, precisou ir para a terapia para aprender a canalizar a pressão que sentia, devido à magnitude que o Foo Fighters tomava. O mesmo ocorreu com o Nirvana. Mas agora tinha 38 anos. “Claro, há períodos em que você está com o moral baixo, quando a vida leva você a situações infelizes. O mais importante é trabalhar nisso para deixar para trás. E tratar de encontrar a felicidade”, afirma.

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“Nunca vou largar, nunca vou me render”

Atualmente, o músico se levanta pela manhã e faz esta reflexão: “Quando me olho no espelho vejo as rugas no meu rosto, os cabelos brancos e os dentes quebrados pelo contato com o microfone… E eu gosto. Estou orgulhoso disso. Encontro bandas jovens em festivais e eu tenho o mesmo entusiasmo que eles. Mas ao mesmo tempo estou orgulhoso de não ser jovem outra vez, porque para mim representa a sobrevivência e a tenacidade. Nunca vou largar, nunca vou me render, vou continuar… É doloroso às vezes, mas fiz este caminho ferrado e sobrevivi”.

Os pais de Grohl (Warren, Ohio, 52 anos) se divorciaram quando ele tinha sete anos. Viveu com sua mãe, Virginia, a quem sempre cita como exemplo: “Foi professora de um colégio e trabalhou muito duro todos os dias para poder manter à minha irmã e a mim. Isso me faz apreciar a situação em que estou”. Em Washington D.C., começou a frequentar a cena punk-rock, participando de diversas bandas como baterista. O projeto mais sério foi o Scream. Kurt Cobain e Krist Novoselic ficaram impressionados com sua pegada e lhe ofereceram as baquetas do Nirvana logo antes de o trio explodir. Grohl chegou a tempo de gravar Nervermind (1991), o pilar daquele que foi certamente o movimento mais relevante do rock, o grunge.

Medicine at Midnight, o décimo trabalho do Foo Fighters, consolida-os como uma banda de rock para todos os públicos. Soam o suficientemente agressivos para convencer o núcleo roqueiro, mas ao mesmo tempo são acessíveis até para as crianças. “São canções para cantar num estádio lotado”, admite o músico, acrescentando: “Queríamos um disco de rock dançante. Escutei toda a música que fizemos durante 25 anos. Está bem, fizemos isto, aquilo e aquilo outro. Mas nunca um álbum com elementos dançantes. Na verdade, cresci com rock and roll que faz você dançar, como Little Richard, Elvis, Beatles, David Bowie… São artistas que incorporam o boogie em suas canções. Isso é o que quisemos fazer”. Grohl cita Bowie, cuja presença é percebida na faixa que dá título ao disco. Sobretudo o Bowie oitentista de Let’s Dance.

Grohl se despede para atender outro jornalista. Amanhã, às seis, já estará em pé, preparando o café para suas três filhas e sua mulher. Não se cansa de ser a antiestrela.

SHOWS em SUSPENSO E A ESPERANÇA EM JOE BIDEN

O Foo Fighters tem um show marcado para 17 de junho deste ano na Cidade das Artes e Letras, em Valência, no leste da Espanha. Devido à crise sanitária, é muito complicado que venha a ocorrer. Dave Grohl é da mesma opinião: “Recebo toda semana um telefonema do meu representante que diz: ‘Temos uma oferta para tocar em tal lugar’. E eu respondo sempre: ‘Sim, quero tocar, mas podemos?’”. O festival inglês de Glastonbury, um dos mais importantes de pop e rock, decidiu há algumas semanas que a edição de 2021 não acontecerá. Um precedente sombrio. “Temos que nos sentar e esperar. No dia em que pudermos fazer de forma segura faremos. Se não puser ninguém em risco faremos. Mas, infelizmente, não temos o controle desta pandemia. É preciso ser responsáveis. Estamos preparados. Caramba, mal posso esperar. Estou ansioso”, diz o músico.

Grohl se mostra feliz pela derrota de Donald Trump: “Biden representa a esperança. Os últimos quatro anos foram muito estranhos. Espero que voltemos a ter um pouco de calma, que não haja uma crise todos os dias, como foi nos últimos tempos. Temos um monte de problemas nos Estados Unidos atualmente. Somos uma nação muito dividida e precisamos que alguém nos ponha juntos outra vez. Espero que Biden consiga”.

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