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Fito Páez: “Se você me mandar escolher um tema, escolheria o amor. É a única coisa que me interessa”

O músico fala sobre rock argentino, a proatividade durante a quarentena e o adiamento da turnê do seu novo álbum, ‘La Conquista del Espacio’, por conta da pandemia

O músico argentino Fito Páez no Carnegie Hall, em abril de 2019.
O músico argentino Fito Páez no Carnegie Hall, em abril de 2019.Sebastian Arpesella (Sony Music)

Quando Fito Páez compôs Maelström para seu disco La Conquista del Espacio, não imaginava a tormenta viral que atingiria o planeta poucos meses depois. Em 13 de março, dia em que completou 57 anos, o músico argentino pretendia lançar seu novo álbum em Rosario, sua cidade natal. Mas a pandemia da covid-19 obrigou a adiar aquele show e toda a turnê internacional que se seguiria.

“Estou muito feliz de poder fazer um grande desembarque na Espanha como há tantos anos estou sonhando. E agora seria o momento, mas vai demorar o tempo que for, porque o importante é preservar as vidas”, diz Páez por videochamada da sua casa, em Buenos Aires. Irreverente e de bom humor, veste uma malha branca com os dizeres “sem sinal” e conta que o isolamento lhe deu de presente o tempo necessário para compor novas músicas, terminar o roteiro de um filme e começar sua autobiografia.

Pergunta. Em La Conquista del Espacio destaca-se a ideia da música como liberadora ou transformadora dos horrores cotidianos. Isso se tornou ainda mais importante nesta pandemia?

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Resposta. A música é uma linguagem expressiva que atravessou milhares e milhares de anos em diferentes formas e acompanha a vida dos humanos, ocupa um lugar central em nossa educação sentimental. É parte de algo milenar se juntar em algumas noites e que venha o xamã e proponha uma festa pagã, luxuriosa, que depois se transformou nos shows, aonde as pessoas vão para se abraçar, cantar, compartilhar. Quem irá dizer que isso não tem um valor fundamental? Tem, pelo menos para mim, e espero poder transmitir esse prazer que me gera.

P. Como é tocar por streaming, sem esse contato direto com o público?

R. Estas coisas de streaming, pelo menos com o piano solo, na minha casa, foram muito estranhas. Fiz, e em alguns momentos gostei, em outros, não. A música é com o outro. A gente precisa do ouvido, do espírito e da energia do outro. Por mais que você saiba que estão lhe vendo ou escutando em uma infinidade de casas no mundo, tocar por streaming é uma situação muito marciana, antimusical eu diria, porque os momentos em solidão são quando você compõe e escreve.

P. Esta situação inédita lhe serviu como disparador de canções ou escritos?

R. Sou um homem afortunado. Tenho uma casa com água quente, posso comer duas ou três vezes por dia, tomo meus tragos quando estou um pouco louco, e a realidade é que grande parte do meu trabalho é em solidão. Nunca tive um ano sabático e por sorte ter este tempo ajudou a terminar o roteiro de um filme; depois fiz uma espécie de turnê virtual de imprensa; estou escrevendo a primeira parte de minha autobiografia, até os 30 anos, e estou produzindo um montão de músicas, porque a cada dia me sento ao piano por meia hora ou 40 minutos. Já juntei 20 peças, as quais certamente podem terminar em um álbum.

P. Que diferença do processo nômade de La Conquista del Espacio, que começou no Brasil e terminou em Los Angeles.

R. Sempre fiz os discos nas turnês, nos hotéis, nos aviões, em meio a outras atividades. E os filmes também escrevi assim. Esta é a primeira vez em muitos anos em que tenho tempo para compor tranquilo. A única coisa que me incomoda de tudo isto é não poder tocar ao vivo e tomar uma cerveja com meus amigos na esquina, não muito mais.

P. Você descobriu músicas que o surpreenderam durante a quarentena?

R. Não escutei muita música, embora para escrever ponha meus Haydns, meus Bachs, muito baixinho para que me acompanhem, sempre música sem baterias. Agora que estou prestando atenção a escrever e a fazer música, obriga-me a me afastar para escapar de possíveis influências, e para relaxar vi mais filmes e algumas séries. Mas antes da pandemia me impactou escutar Ca7riel e Paco Amoroso, com uma banda que se chama ATR, que botam fogo no trap com uma selvageria e uma quantidade de ideias que são a vanguarda do que escutei do trap em todos os idiomas. Isso eu desfrutei muito inclusive com minha filha, Margarita, que é muito fã.

Margarita, de 15 anos, é fruto da relação do músico com Romina Ricci e é cinco anos mais nova que Martín, o filho de Páez com a atriz Cecilia Roth. Alguns meses atrás, o roqueiro compartilhou um desafio viral de dança com eles nas redes, e hoje, embora diga que para seus filhos é “um fantasma”, se gaba de tê-los apresentado a Charly García, Luis Alberto Spinetta e Caetano Veloso, entre outros. “Eu também vou muito atrás do que eles curtem”, diz.

Páez começou a ser popular com sua música na Argentina nos anos oitenta. Desde então escreveu três livros, rodou três filmes, gravou 24 álbuns de estúdio e quatro ao vivo, entre eles El Amor Después del Amor (1992), o mais vendido na história do rock argentino, com mais de um milhão de cópias.

Em seu último disco participaram Abe Laboriel Jr. (baterista de Paul McCartney), Juanes, Ca7riel, Lali Espósito e Hernán Coronel, entre outros. Com este último divide os créditos da canção mais dançante, Ey, You, que dispara suas rimas contra a violência machista. “É um tema já instalado na sociedade desde que surge o [movimento feminista] Nenhuma a Menos. Sempre fomos grandes lutadores pela liberdade”, afirma. Coronel, líder da banda de cumbia Mala Fama, poliu o escrito de Páez até transformá-lo “no que você ouve aí, que levanta os mortos do cemitério”. “Pirei, o agradeci e lhe disse que é obvio íamos assinar juntos. Voltei a confirmar que Hernán é um dos grandes artistas argentinos do momento”, opina.

P. Há algum álbum de outro artista que você gostaria de ter feito?

R. Muitíssimos. De Litto Nebbia, de Charly García e Spinetta, todos. Eu me considero um músico que poderia estar como espectador na primeira fila de um momento de excelência da Argentina e consegui me vincular também em alguns momentos com heróis do passado, como Roberto Goyeneche. Tanto Spinetta como Charly e Litto me permitiram entrar em suas salas de ensaio e me transmitiram seus saberes. Claro, eu tenho uma obra e sei onde estou localizado na trama genética da música argentina, mas tive a sorte de ter sido recebido nesses lugares onde estava a sabedoria da música popular contemporânea.

P. Por que acredita que o rock argentino não é tão conhecido na Espanha?

R. Acho que deve ser uma soma de fatores. Os músicos que viveram lá, como Ariel Rot, Moris e Andrés Calamaro, fizeram sucesso. Talvez a música do Charly, do Luis, a minha, do Gustavo [Cerati] sejam também um pouco mais complexas, não tão realistas, e também a Espanha tem sua linguagem, não só vinculada à música popular. Fico com a impressão de que se desenvolveram estéticas diferentes, embora eu sempre tenha sido recebido como um rei e ame [Joaquín] Sabina e Serrat. Com Joan Manuel me formei, menciono-o em uma canção – “Como dizia um catalão, fui tratando de crescer e não de baixar a cabeça” –, e Joaquín foi um colega e um amigo extraordinário. Joaquín sabe impregnar o coração humano. Com maneiras musicais simples, mas sua pena tem uma potência impressionante e ele tem um carisma extraordinário.

P. O disco acaba com Todo se Olvida, um canto ao amor. Como o amor o marcou ao longo da sua vida?

R. O amor é a única coisa que me interessa. Se você me mandar escolher um tema para conversar, escolheria o amor. Os significantes, as perversões, os vínculos, suas formas curativas, os diferentes estágios do amor, com seus filhos, com sua namorada, com sua mãe, com sua tia, com seu irmão, isso é o que mais eu gosto de estar vivo. Por isso digo que amar é a palavra perfeita.

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