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Chomsky, Rushdie, Steinem e outros 150 intelectuais reivindicam o direito de discordar nos EUA

Autores e acadêmicos como Ian Buruma, Margaret Atwood, Mark Lilla e Martin Amis assinam uma carta contra a “intolerância” de certo ativismo progressista

Amanda Mars
Manifestante da marcha Roll4Justice no dia 4 de julho em Minneapolis, Minnesota, um protesto que criticou a comemoração da data.
Manifestante da marcha Roll4Justice no dia 4 de julho em Minneapolis, Minnesota, um protesto que criticou a comemoração da data.Stephen Maturen (AFP)
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A era do ‘vale-tudo’ nas redes sociais está acabando

Mais de 150 escritores, acadêmicos e intelectuais ―entre os quais figuram Noam Chomsky, Salman Rushdie, Gloria Steinem, Margaret Atwood e Martin Amis― assinaram uma carta aberta denunciando uma crescente “intolerância” por parte do ativismo progressista norte-americano em relação a ideias discordantes. Conforme o texto, eles consideram que isso está afetando os ambientes acadêmicos e culturais, onde há acusação e boicote, “punições desproporcionais” e uma consequente “aversão ao risco” ou autocensura que empobrece o debate público. “Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa fé, sem consequências profissionais funestas”, destacam.

O texto, publicado terça-feira na revista Harper’s, com o título Uma Carta sobre a Justiça e o Debate Aberto, aplaude os protestos pela justiça racial e social, por maior igualdade e inclusão, mas alerta que esse “necessário ajuste de contas” também intensificou “um novo conjunto de atitudes morais e compromissos políticos que tendem a enfraquecer nossas normas de debate aberto e de tolerância às diferenças em favor de uma conformidade ideológica”. “As forças do iliberalismo estão ganhando terreno no mundo e têm um poderoso aliado em Donald Trump, que representa uma verdadeira ameaça à democracia, mas não se pode permitir que a resistência imponha seu próprio estilo de dogma e coerção”, apontam os autores.

Entre os signatários

Além dos já mencionados Noam Chomsky, Gloria Steinem, Ian Buruma, Mark Lilla, Margaret Atwood e Martin Amis, figuram romancistas como John Banville, Jeffrey Eugenides, J. K. Rowling e Salman Rushdie; ensaístas (Paul Berman, Anne Applebaum, David Brooks, Francis Fukuyama, Malcolm Gladwell, Atul Gawande, Enrique Krauze, Arlie Russell Hochschild, Michael Ignatieff, Greil Marcus, Fareed Zakaria, George Packer e Andrew Salomon); músicos (Wynton Marsalis) e até ex-enxadristas (Garry Kasparov).

O texto aborda uma polêmica candente nos Estados Unidos, sobre se o novo limiar de tolerância zero em relação a desigualdades como racismo, sexismo e homofobia também está alimentando alguns excessos que buscam silenciar qualquer dissidência. Os críticos costumam se referir a isso como cancel culture, cuja tradução literal seria “cultura do cancelamento” e que faz referência aos vetos e às acusações contra criadores ou professores por qualquer desvio da norma; ou woke culture (derivado do inglês despertar), que se refere a uma atitude de alerta permanente.

“A livre troca de informações e ideias, a força vital de uma sociedade liberal, está se tornando cada vez mais limitada. Era algo esperado por parte da direita radical, mas a atitude censora está se expandindo em nossa cultura”, diz a carta, que não menciona diretamente recentes polêmicas concretas com nomes e sobrenomes, mas se estende em descrever situações. “Os responsáveis por instituições, em uma atitude de pânico e controle de riscos, estão aplicando punições duras e desproporcionais em vez de aplicar reformas ponderadas. Editores foram demitidos por publicar artigos controvertidos; livros foram recolhidos por suposta pouca autenticidade; jornalistas foram proibidos de escrever sobre certos assuntos; professores foram investigados por citar determinados trabalhos”, descreve o texto, entre outros exemplos.

Uma das recentes polêmicas foi a demissão de James Bennet como editor de opinião do The New York Times no início deste mês. O motivo foi a publicação de um artigo do senador republicano Tom Cotton, em que o político pedia uma resposta militar aos protestos e distúrbios pela morte do afro-americano George Floyd. A enxurrada de críticas dentro e fora da redação levou Bennet a pedir demissão e a pedir desculpas. O jornal admitiu que não deveria ter publicado esse artigo e que não havia sido editado com suficiente rigor.

Em decorrência do mesmo conflito, em 10 de junho a Poetry Foundation anunciou a demissão de dois de seus dirigentes depois uma carta de protesto de 30 autores que consideraram tímido o comunicado de denúncia da violência policial. O presidente do Círculo Nacional de Críticos de Livros e cinco outros membros também se demitiram em meio a críticas de racismo e violações de privacidade por uma ruidosa discussão nas redes sociais. Um analista eleitoral, David Shor, foi despedido da plataforma Civis Analytics depois da tempestade provocada por ter tuitado o estudo acadêmico de um professor de Princeton que alertava sobre os efeitos perversos dos protestos violentos. Segundo a The New York Magazine, alguns funcionários da empresa consideraram que o tuíte de Shor “colocava sua segurança em risco”.

Guerra cultural

O debate sobre onde termina a tolerância zero em relação aos abusos e onde a começa a se “cancelar” a divergência também se estende à atual revisão das estátuas e monumentos nacionais. O presidente Donald Trump, que abraçou a guerra cultural como um de seus argumentos de campanha, se concentrou nesse assunto em um longo discurso na noite de sexta-feira passada, véspera do feriado nacional de 4 de julho. “Nas nossas escolas, nossas redações, até em nossos conselhos de administração, há um novo fascismo de extrema esquerda que exige lealdade absoluta. Se você não fala a língua deles, pratica seus rituais, recita seus mantras e segue seus mandamentos, você será censurado, perseguido e punido”, afirmou.

Os intelectuais em sua carta qualificam o presidente de “ameaça à democracia”, mas alertam: “A restrição do debate é realizada por um Governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, prejudica os que não têm poder e reduz a capacidade de participação democrática. de todos”. “A maneira de derrotar as más ideias é a exposição, o argumento e a persuasão, não tentar silenciá-las ou querer expulsá-las. Como escritores, precisamos de uma cultura que nos deixe espaço para a experimentação, a tomada de riscos e inclusive os erros. Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa fé sem consequências profissionais funestas”, concluem.

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