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‘Parasita’ é o reflexo do Oscar que sonha em ser global

Thriller de Bong Joon-ho é o primeiro filme em língua não inglesa a vencer o prêmio principal, um divisor de águas no processo de globalização do evento

Bong Joon Ho, o grande vencedor da noite. No vídeo, o diretor de 'Parasita' logo após a cerimônia.Vídeo: ERIC GAILLARD (REUTERS)| REUTERS
Pablo Ximénez de Sandoval

Um longa-metragem sul-coreano lançado com legendas nos Estados Unidos há dois meses fez história em Hollywood neste domingo, ao se tornar o primeiro filme falado em língua não inglesa a ganhar o Oscar de melhor filme. Parasita, de Bong Joon-ho, é o filme do ano. Raramente esse título é tão justificado em termos de qualidade, impacto no diálogo mundial sobre cinema e, finalmente, reconhecimento da indústria. O triunfo de Parasita na 92ª edição do Oscar (também ganhou melhor direção, roteiro original e melhor filme estrangeiro) marcará um antes e um depois na história desta cerimônia e no imparável processo de penetração internacional em Hollywood.

Parasita estreou em mais de 1.000 cinemas nos Estados Unidos, faturou mais de 30 milhões de dólares somente nas bilheterias deste país e até agora tinha a honra de ter colocado produções monumentais em apuros, com uma história coreana e falada em coreano. Apenas 11 longas na história foram indicados a melhor filme sem serem falados em inglês. Apenas seis haviam sido indicadas ao mesmo tempo como melhor filme em língua estrangeira. Nenhum deles ganhou o prêmio principal. Parasita deu o passo final que faltou a Roma, de Alfonso Cuarón, no ano passado, quando o público ficou com a sensação de que o melhor filme do ano não havia sido premiado.

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Parasita também se impõe em uma edição na qual Quentin Tarantino apresentou Era Uma Vez Em... Hollywood, um de seus melhores filmes e uma carta de amor a esta cidade; Martin Scorsese, O Irlandês, um trabalho que resume tudo o que o público de Scorsese espera; Todd Philips, Coringa, um novo ângulo do cinema, baseado em personagens de uma HQ muito impactante; e Sam Mendes, 1917, um drama de guerra de grande impacto visual que levou todos os prêmios até agora.

Há cinco anos, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas decidiu dar um caráter mais internacional ao seu eleitorado. Desde então, cerca de 1.500 novos membros não americanos entraram. “Cuidado com isso”, disse Antonio Banderas a repórteres no sábado. “A votação começa a se abrir de uma maneira incrível.” Banderas destacou o número de filmes internacionais incluídos nas indicações. “Eles estão se expandindo porque querem transformar o Oscar em um prêmio mundial. Isso está acontecendo mais rapidamente do que as pessoas pensam. ” Apenas 24 horas depois, o aviso de Banderas se materializou no palco do Oscar. Para explicar esse fenômeno, o próprio Bong disse na entrevista coletiva após a cerimônia que “o streaming e redes acostumaram o público a assistir conteúdo em outros idiomas”.

O único filme brasileiro na disputa, Democracia em Vertigem, de Petra Costa, ficou sem o prêmio de melhor documentário, dado a Indústria Americana (American Factory).

Quando o diretor Bong subiu ao palco para receber o prêmio de melhor filme em língua estrangeira, a ovação no Dolby Theatre superou o som da transmissão e deixou claro qual era o filme que mais havia surpreendido Hollywood. Foi o segundo Oscar da história da Coreia do Sul. O primeiro havia sido o de melhor roteiro original. O terceiro foi o de melhor direção. O quarto, de melhor filme.

Bong Joon-ho estava visivelmente emocionado ao receber o prêmio de melhor diretor. “Depois do prêmio de melhor filme estrangeiro, achei que a noite havia terminado e ja estava me preparado para relaxar”, disse ele. E então deu a medida exata da relevância do que acabava de acontecer. “Quando eu estava na faculdade, estudava os filmes de Martin Scorsese”, disse ele, apontando para o diretor de O Irlandês, sentado à sua frente. Scorsese é o diretor vivo com mais indicações, nove. Os outros rivais eram Quentin Tarantino, Todd Phillips e Sam Mendes. “Vou beber até amanhã”, disse Bong. Oito dos 10 ganhadores do prêmio de melhor direção nesta década que termina não são norte-americanos.

As esperanças de que Parasita fosse a zebra da noite – ou melhor, da história – começaram a tomar o teatro Dolby logo no começo. O quarto e o quinto prêmios a serem entregues foram os de roteiro. A plateia reagiu com entusiasmo quando Parasita levou o prêmio de roteiro original, batendo História de um Casamento, 1917, Era Uma Vez em... Hollywood e Entre Facas e Segredos. Alguns minutos depois, Taika Waititi subiu para receber o primeiro prêmio de sua carreira, pelo roteiro adaptado de Jojo Rabbit. Ele havia vencido O Irlandês, Coringa, Mulherzinhas e Dois Papas.

Se há categorias que geralmente carregam o peso do glamour e da emoção nesses prêmios são os de interpretação. No entanto, os mesmos quatro nomes foram repetidos em todas as premiações de Hollywood no último mês. As transformações surpreendentes de Joaquin Phoenix em Coringa e Renée Zellweger em Judy foram os principais . Brad Pitt e Laura Dern, dois dos atores mais queridos de Hollywood e que nunca receberam um Oscar, foram recompensados por, respectivamente, Era Uma Vez em... Hollywood e História de um Casamento.

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Dos quatro, apenas Phoenix sentiu-se compelido a fazer um grande discurso político, no qual misturou todas as causas, do veganismo às mudanças climáticas, sob o conceito geral de injustiça. Dern e Zellwegger dedicaram a seus heróis (no caso de Dern, seus pais, ambos os atores com indicações no currículo). Brad Pitt fez a única referência da noite à política partidária dos EUA: “Tenho 45 segundos. Isso é mais do que o que o Senado deu a John Bolton”. Dentro da sala de imprensa, ele foi perguntado sobre essa menção a algo tão específico. “É preciso levar isso muito a sério. Não se pode deixar passar.”

Nas seções técnicas, o prêmio de design de produção foi para Era Uma Vez em... Hollywood e sua recriação da Los Angeles de 1969, que funciona como uma máquina do tempo. Depois, melhor figurino foi para Mulherzinhas (a Academia tem fama de sempre premiar grandes saias). Uma hora de cerimônia e zero pistas. Os demais prêmios ditos técnicos foram distribuídos entre 1917 e Ford vs Ferrari. O mais comemorado foi o segundo Oscar de Roger Deakins, diretor de fotografia de 1917, indicado 15 vezes em toda a sua carreira. Nenhum outro prêmio foi tão claro. Em números, e somente em números, 1917 assumiu a dianteira com o troféu de melhores efeitos visuais. Nisso foi diferente: não era o favorito.

Para uma cerimônia sem apresentador, houve bons apresentadores. De Diane Keaton e Keanu Reeves a Maya Rudolph e Kirsten Wiig, a Academia organizou um show ágil e com boas risadas, mas na qual também sobrou algum número musical difícil de justificar . Janelle Monáe, uma mulher negra e homossexual, inaugurou a cerimônia vestindo o personagem mais clássico dessa cerimônia, o Mr. Rogers, de Tom Hanks. Ela fez o número musical inicial, revendo o ano no cinema. Depois, Dean Martin e Chris Rock tiveram cinco minutos de apresentação cômica para si. “Nós dois já apresentamos o Oscar antes, é uma degradação incrível”, brincou Martin.

Como Chris Rock no Oscar de 2016, o número cômico deles serviu para destacar os elefantes no teatro nesta edição. Por exemplo, a quase ausência de indicados não brancos entre os 20 atores que concorriam . “No primeiro Oscar, em 1928, não havia nenhum indicado negro”, disse Martin. “E em 2020 temos um. Grande progresso”, disse Rock. “Acho que falta algo na lista de indicados” ao Oscar de melhor diretor, disse Martin. “Vaginas?”, respondeu Rock. Pronto, problemas resolvidos. Hora da diversão.

A Academia havia prometido que este ano haveria apresentações musicais especiais. A música no Oscar geralmente é centrada nas cinco canções indicadas. A realidade é que é um espetáculo que normalmente não deixa performances memoráveis, daquelas que a gente vai rever no YouTube, uma virtude na qual os prêmios Grammy são os mestres.

O esforço musical deste ano ficou visível em vários momentos da cerimônia. Billie Eilish, a sensação musical do ano, tocou neste domingo no segmento in memoriam. Eminem apareceu para cantar ao vivo 8 Mile, a música do filme que estrelou em 2002 e pela qual ganhou um Oscar. Idina Menzel cantou Into the Unknown, a canção de Frozen II, com as vozes da princesa Elsa em todo o mundo, uma demonstração do poder global da Disney. Elton John apresentou pessoalmente, ao piano, I’m Going to Love Me Again, do filme sobre sua vida, Rocketman. Elton John e Bernie Taupin, parceiros há 53 anos, subiram ao palco para receber o prêmio de melhor canção. Foi o segundo Oscar de John, e o primeiro de Taupin, que disse: “Bom, isso não foi ruim”.

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