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Antonio Banderas é um homem branco? O debate racial no Oscar 2020

‘Vanity Fair’ descreve espanhol como um de dois atores não brancos que disputam a estatueta e evidencia fragilidade dos rótulos étnicos nos EUA

O ator espanhol Antonio Banderas, em um evento em novembro.
O ator espanhol Antonio Banderas, em um evento em novembro.Mario Anzuoni (REUTERS)
Antonia Laborde

Enquanto a Academia de Hollywood (68% homens; 84% brancos) era criticada na segunda-feira pela falta de diversidade nas indicações ao Oscar de 2020, alguns veículos de comunicação americanos afirmaram que Antonio Banderas é o único ator não branco que disputará a estatueta. Aí as críticas mudaram de direção. Na Espanha, país de origem do ator, o rótulo causou surpresa, e nas redes sociais a imprensa anglo-saxã foi tachada de “racista” e “ignorante” por não considerar que o protagonista de Dor e Glória é um ator europeu e branco.

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A revista Deadline, que publicou no Twitter que apenas dois atores não brancos tinham sido indicados —referindo-se a Banderas e à atriz afro-americana Cynthia Erivo—, eliminou a mensagem depois da enxurrada de críticas. A Vanity Fair —que mencionou os dois artistas como membros de uma mesma comunidade, ressalvando que “os espanhóis não são tecnicamente considerados pessoas ‘de cor’”— removeu a frase algumas horas depois. Em setembro, a cantora e compositora espanhola Rosalía, qualificada como latina, hispânica e europeia, protagonizou uma polêmica semelhante nos prêmios MTV.

Nos Estados Unidos, os rótulos étnicos têm há décadas um peso político, já que foram utilizados para lutar contra a discriminação e a favor da visibilidade de diferentes comunidades. Nos anos setenta, o censo incluiu a classificação “hispânico” para agrupar todas as pessoas originárias de países de língua espanhola: México, Porto Rico, Cuba... Anteriormente, os mexicano-americanos, por exemplo, deviam marcar que eram brancos, mas discordavam da classificação porque queriam ressaltar suas origens, e surgiram grupos de ativistas que lutaram para ter uma categoria própria. O termo “hispânico” também descontentou aqueles que não se sentiam identificados com a herança colonial espanhola. Surgiu então o “latino”, incluindo também indígenas e brasileiros.

A primeira coisa que a socióloga Clara Rodríguez, especialista em temas de classificações raciais e étnicas, pergunta a seus alunos na Universidade de Fordham (Nova York) é: “O que vocês são?”. Às vezes, um dominicano de pele muito escura não diz que é negro, e outras vezes uma afro-americana se define como mestiça. “A raça é uma construção social que varia dependendo de onde a pessoa cresce e do país em que vive. Eu em Porto Rico sou branca e nos EUA, não”, comenta. Sobre se Antonio Banderas é uma pessoa não brança, sua resposta é simples: “É preciso perguntar a ele”. “Ricky Martin não é moreno e se identifica como pessoa não branca por sua origem porto-riquenha”, conclui.

Nos Estados Unidos, os rótulos étnicos têm há décadas um peso político, já que foram utilizados para lutar contra a discriminação e a favor da visibilidade de diferentes comunidades

O escritor Ed Morales, autor de Latinx: The New Force in Politics and Culture (“latinx: a nova força na política e cultura”), esclarece que a linguagem também é um determinante racial muito importante nos EUA. “Se você for parado por um policial e tiver um sotaque espanhol muito acentuado, a percepção dele sobre sua raça, independentemente da sua aparência, pode mudar”, comenta por telefone. Acrescenta que antes da Segunda Guerra Mundial nenhum americano teria considerado Antonio Banderas —ou qualquer europeu do sul— branco. “Quando lutaram ao nosso lado, a definição de branco mudou”, assinala.

Uma ferramenta fundamental para entender a evolução da relação dos EUA com a raça ou a etnia é o censo. A pesquisa começou por volta de 1800 com apenas três opções: branco livre, outras pessoas livres ou escravos. A última versão, de 2010, permite distinguir entre hispânicos, latinos ou de origem espanhola, e depois especifica mexicanos, porto-riquenhos, cubanos, de origem distinta... “Há 30 anos, a maioria achava que era óbvio saber de que raça era cada um, que era algo genético e biológico; agora, muito mais gente acredita que é uma construção social. E isso é um avanço. Agora se entende melhor a ideia complexa de que a raça depende da percepção que cada um tem de si mesmo”, explica Morales, colaborador dos jornais The New York Times e The Washington Post.

Ramón A. Gutiérrez, professor de História da Universidade de Chicago, aponta uma ironia no caso: “Alguns veículos de comunicação usaram a foto de Banderas como exemplo de que Hollywood não é racista, mas o resultado foi racismo e exclusão”. Assim como a maioria dos especialistas no assunto, ele sustenta que a raça é subjetiva e cita o ativista afro-americano Malcolm X: “A ideia de raça nos Estados Unidos é como a marca Cadillac, há um novo modelo a cada ano, mas a discriminação continua”.

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