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Plácido Domingo: “Em alguns lugares você já não pode mais dizer nada a uma mulher”

Tenor retorna à Espanha e fala da sua carreira e do seu futuro após ser acusado de assédio sexual

Plácido Domingo, na última terça-feira em Valência (Espanha).
Plácido Domingo, na última terça-feira em Valência (Espanha).Mónica Torres
Jesús Ruiz Mantilla

Plácido Domingo, de 78 anos, acaba de sair ovacionado na segunda-feira em Valência da sua primeira aparição na Espanha depois do escândalo de agosto passado. Naquela ocasião, 20 mulheres o acusaram através da agência Associated Press (AP) de tê-las assediado. “Foram meses muito difíceis, você precisa seguir a vida como puder, mas sabendo que tanto as acusações de assédio, como as de abuso de poder, não se deram absolutamente”, afirma em entrevista ao EL PAÍS.

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Pergunta. Depois do ocorrido, entra no palco com medo?

Resposta. Não. Em Salzburgo [sua primeira atuação após as reportagens da AP] entrei com raiva, o caso estava muito recente. Com vontade de dizer: “Aqui estou, isto é o que tenho feito toda a minha vida”. Foi uma ofensa. As acusações que me fazem não têm sentido. O que quero é deixar de falar disso tudo.

P. Mas terá que falar.

R. Claro que sim.

P. Diante dessas acusações, moveu alguma ação judicial?

R. Você sabe que é inútil. Contra um meio de comunicação você tem toda a chance de perder, e quanto às acusadoras, não penso em adotar represálias contra ninguém. Como já disse, não fui acusado de nenhum crime e não penso em processar ninguém.

P. Veja, não. O senhor poderia processar, sim.

R. Existe uma investigação na Ópera de Los Angeles em que estão sendo ouvidos os depoimentos de muitíssima gente com quem trabalhei ao longo de décadas. Quero respeitar o curso desta investigação interna, da qual continuo à inteira disposição. Insisto, não penso em resolver isto nos tribunais. Não é um caso judicial, nem o transformarei em um.

P. Já falaram com o senhor?

R. Sim, já dei minha versão.

P. Como é possível que 20 mulheres de diferentes lugares e em diferentes situações digam o mesmo?

R. É muito fácil hoje em dia pegar alguém com quem você não simpatize e que se divulguem falsidades. “Se você tiver algo contra esta pessoa, comunique-nos”. E se urde uma trama.

P. O senhor entrou em contato com as pessoas que o acusam?

R. Não, absolutamente. Sou totalmente a favor da defesa da mulher. Nunca ataquei uma mulher, nunca passei dos limites, não é compatível com minha educação e com minha maneira de ser. Tampouco abusei do meu poder em nenhum teatro. Tomamos as decisões de contratação em equipe. Pude sugerir nomes para elencos principais, mas para papéis secundários, de onde vêm algumas acusações, nem me lembro quais podiam ter sido. É que nem sequer era eu quem as decidia. Tanto em Washington como em Los Angeles, teatros onde cumpri meu trabalho com uma força e uma determinação tremendas, nunca, nunca, nunca na minha vida.

P. A coordenadora da ópera de Los Angeles diz que evitava colocar o senhor para ensaiar numa sala com mulheres jovens. O que tem a dizer? Sabia disso?

R. Esta é a infâmia maior de todas!

P. Mas sabia ou não?

R. Não, não, nunca na minha vida, nem nos anos em que andei por aí, nunca soube nem vi tal disparate. E olhe que passei horas e horas nos teatros e nas salas de ensaios com inúmeras colegas.

P. O senhor era um homem poderoso nesse âmbito.

R. Por favor, deixe de conjeturas, o que é isto? Se tivesse havido alguma queixa, teriam protestado. Não faz sentido. Há suficientes prova em contrário. Sempre apoiei a carreira de muitos cantores, tanto mulheres como homens. Isso não é poder, isso é paixão pela arte, pela música, pela ópera e por seu futuro.

P. Quando o senhor fala que as regras e os padrões não eram iguais aos atuais, a que se refere?

R. A isso me refiro, ao assédio. Deve ser castigado em cada momento e em todas as épocas. Ao que eu me referia, como espanhol, é que o uso do galanteio, por exemplo, “que linda a sua roupa”, “que linda você está”, isso era algo que você podia dizer há 30 anos, ou mesmo há dois. É que não se pode dizer nada a uma mulher. Aqui não é assim, mas em outras partes, e concretamente nestes grupos de onde saem as acusações, é assim. A mulher é o ser mais extraordinário que Deus criou. Todos viemos de uma, somos filhos de uma mãe. Isso é o melhor que se pode dizer de uma mulher.

P. O primeiro comunicado dava a impressão de estar redigido muito rapidamente, parecia uma má tradução com problemas gramaticais.

R. Foi mal interpretado, sobretudo na Espanha. Em inglês se captava melhor.

P. Como isso caiu para sua família? O que sua esposa lhe disse?

R. Estivemos muito unidos e com uma grande força. Logicamente doeu-nos, mas, bom, tudo vai passar. E se você me ajudar agora a falar da minha carreira, também.

P. A raiva que diz tê-lo ajudado a se apresentar em Salzburgo também se notava nesta segunda-feira em Valência...

R. Olhe, eu como artista me apresento com a mesma vontade de dar o melhor. Você é humano. Não pode estar sempre no máximo. Também o público e a crítica mudam, segundo o lugar e a magia.

P. Voltará a cantar nos Estados Unidos?

R. Se a oportunidade surgir, claro que sim. Há algumas ofertas. Nem tudo é Los Angeles ou o Metropolitan. Não tinha escolhido outros teatros para poder cantar mais na Europa, na Ásia e na América do Sul. Tenho contratos até a temporada 2021-2022, completo 80 anos dentro de 13 meses. Estaremos em Madri, se Deus quiser. E canto em Viena logo antes. Só penso em chegar lá, o resto, não sei. Não tem nada a ver cantar um concerto e se meter na produção de uma ópera. É muito mais exigente. Não sei se depois de completar 80 continuarei nas produções. Não sei. Se eu me encontrar bem então, por que parar antes?

P. O senhor disse em alguma ocasião que se sentir que vai fazer o ridículo, para. Mas isso pode chegar também com situações extraoperísticas, como agora.

R. Estou forte, muito forte. Mais do que nunca. Sobretudo porque você vê como tudo pode mudar em poucas horas, e isso exige um entusiasmo, um amor muito profundo pelo que você faz. Qualquer um poderá lhe falar sobre como me sinto num teatro, algo muito profundo, que sinto desde pequeno, quando me apresentava com meus pais como figurante ou me punha a preencher com o piano se algum músico faltava. Minha vida sempre foi a música. O entusiasmo agora é maior do que nunca. Inclusive quero estrear papéis, como farei em Salzburgo com As Vésperas Sicilianas, por exemplo, e Belisário, de Donizetti, em Bérgamo. O público continua reagindo de uma maneira extraordinária, e enquanto isso continuar eu continuarei tranquilo e seguro.

P. Ou agora no La Scala de Milão, onde o espera uma homenagem pelos 50 anos de sua estreia. Por que o homenageiam mais na Europa que em outros lugares?

R. Eu quero continuar sendo o artista que sou, não quero reivindicar nada, quero continuar cantando, na minha. Não sou rancoroso, nem nada. Tudo segue adiante. Aí vamos nós, com entusiasmo e integridade. Desejo chegar ao La Scala e sentir a energia de um teatro onde estrearam Verdi, Rossini, Puccini, os veristas. Você sente que eles o veem, o escutam e se alegram de que tantos anos depois alguém continue defendendo sua música.

P. Deseja que este ano acabe logo?

R. Rapaz, a vida passa tão rápido que quero que os anos sejam lentos. Agora noto a velocidade com que a vida passa. Quando você está no limiar dos 80, tudo vai muito rápido. Só desejo que os dias bons sejam possivelmente mais longos, e os ruins, mais curtos.

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