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Nobel de Química 2021 vai para dupla que criou um novo jeito de construir moléculas

Real Academia de Ciências Sueca premia os autores da catálise orgânica assimétrica, que teve um grande impacto no desenvolvimento de medicamentos e produtos químicos menos poluentes

Nuño Domínguez
Benjamin List e David W.C. MacMillan, que dividem o Nobel de Química de 2021.
Benjamin List e David W.C. MacMillan, que dividem o Nobel de Química de 2021.

Benjamin List e David W.C. MacMillan ganharam o Prêmio Nobel de Química de 2021 pelo desenvolvimento da “organocatálise assimétrica”. O prêmio deste ano reconhece “uma maneira engenhosa de construir moléculas”, anunciou o porta-voz da Real Academia de Ciências da Suécia. A invenção teve um grande impacto no desenvolvimento de novos medicamentos e produtos químicos menos poluentes.

O alemão Benjamin List, de 53 anos, é o diretor do Instituto Max Planck para a Pesquisa do Carvão, instituição criada há mais de 100 anos e que atualmente se dedica à pesquisa da catálise. O britânico David MacMillan, também de 53 anos, é pesquisador da Universidade de Princeton, nos EUA.

“No início pensava que era o único no mundo pesquisando isto”, explicou List por telefone na conferência de imprensa que anunciou o prêmio. “Pensava que era uma ideia estúpida, mas quando fiz a experiência e funcionou percebi que podia ser algo muito importante”, acrescentou o químico alemão, que estava de férias com a família quando recebeu a chamada do comitê do Nobel. “Alegraram meu dia”, ressaltou.

No início dos anos 2000, List e MacMillan desenvolveram de forma independente uma terceira forma de criar novos compostos químicos. Até então, a forma de produzir substâncias de uso industrial ou médico dependia de dois tipos de ingredientes que aceleram uma reação química, conhecidos como catalisadores. Eram metais ou enzimas: proteínas ubíquas que, por exemplo, permitem fazer a digestão.

As enzimas são moléculas grandes, com muitíssimas protuberâncias, embora apenas uma pequena parte de sua estrutura participe da reação química. O que List tentou foi obter a mesma reação utilizando apenas a pequena parte da enzima envolvida no processo de catálise: um aminoácido chamado prolina. E funcionou.

Um dos exemplos mais claros da importância desta terceira forma de criar moléculas são as terríveis deformidades sofridas pelas pessoas afetadas pela talidomida, um medicamento para mulheres grávidas vendido no final dos anos cinquenta e início dos sessenta. Essa droga era uma molécula dupla, uma simétrica à outra, como se estivessem diante de um espelho. Enquanto uma versão da talidomida era inócua, a outra provocava terríveis malformações em bebês.

A organocatálise assimétrica permite produzir seletivamente uma única versão da molécula desejada e não sua imagem especular. MacMillan, por exemplo, descobriu vários catalisadores orgânicos capazes de produzir a versão correta em 90% dos casos. Foi o pesquisador britânico quem cunhou o nome dessa nova forma de catálise. MacMillan anunciou sua descoberta no ano 2000 em um trabalho realizado com Kateri Ahrendt e Christopher Borths,seus colegas da Universidade da Califórnia em Berkeley. List publicou a descoberta no mesmo ano com seus colegas do Instituto de Pesquisa Scripps – onde trabalhava na época – Richard Lerner e Carlos Barbas III.

“Os estudos destes dois cientistas deram origem a um campo totalmente novo para gerar moléculas orgânicas a partir de outras moléculas orgânicas”, diz Raquel Pérez, pesquisadora do Instituto de Síntese Química e Catálise Homogênea (ISQCH), em Zaragoza.

Esta catálise é fundamental para a chamada “química verde”, que visa reduzir o impacto ambiental da produção de substâncias essenciais como combustíveis ou produtos farmacêuticos. “Esta nova forma de catálise é muito mais sustentável do que a baseada em metais como platina ou ouro”, enfatiza Juan Mangas, pesquisador da Agência Aragonesa de Pesquisa e Desenvolvimento (Araid) no CSIC. “Graças a esta forma de sintetizar moléculas evita-se o impacto da extração destes metais e os custos são reduzidos”, destaca.

“Uma das aplicações desta técnica é o desenvolvimento de catalisadores orgânicos que permitem fabricar medicamentos de uso maciço de forma mais eficiente e barata. Estamos nos concentrando, por exemplo, na produção de varfarina [Sintron]”, um fármaco muito utilizado para evitar coágulos e trombos, explica Eugenia Marqués, pesquisadora da Universidade de Zaragoza.

No ano passado, a francesa Emmanuelle Charpentier e a norte-americana Jennifer Doudna receberam o Nobel de Química “pelo desenvolvimento de um método para a edição genômica”. As pesquisadoras desenvolveram a técnica de edição genética CRISPR/Cas9, que funciona como tesouras moleculares que permitem localizar (CRISPR) e cortar (Cas9) qualquer sequência do código genético de um animal, planta ou micróbio. Esta tecnologia é “revolucionária” para as ciências da vida, está contribuindo para desenvolver novas terapias contra o câncer e pode tornar realidade a cura de muitas doenças hereditárias de origem genética, destacou a Academia em 2020.

O prêmio é dotado de nove milhões de coroas suecas (5,6 milhões de reais). Seu anúncio dá sequência à semana de premiações do Nobel, que começou na segunda-feira com o prêmio de Medicina e prosseguiu na terça com o de Física. Em seguida serão anunciados os ganhadores do Nobel de Literatura (quinta-feira), Paz (sexta) e Economia (segunda-feira da semana que vem).

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