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Vacinas perdem eficácia contra a infecção, mas continuam evitando a covid-19 grave e a morte

Vários países detectam que a proteção dos imunizantes diminui com o tempo, mas os vacinados têm 29 vezes menos risco de hospitalização do que aqueles que ainda não receberam nenhuma dose. Brasil inicia aplicação da terceira dose em idosos e imunossuprimidos neste mês

Menina de 12 anos é vacinada contra o coronavírus em Pamplona, em agosto.
Menina de 12 anos é vacinada contra o coronavírus em Pamplona, em agosto.Eduardo Sanz (Europa Press)
Nuño Domínguez

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AME9498. RIO DE JANEIRO (BRASIL), 18/08/2021.- Personal médico prepara dosis de la vacuna contra covid-19 hoy, durante una jornada de inoculación en el Palácio Tiradentes, antigua sede de la Asamblea Legislativa, en Río de Janeiro (Brasil). Brasil volvió a registrar más de 1.000 muertes en un solo día asociadas al coronavirus, pero mantiene la desacelerada de la pandemia evidenciada en las últimas semanas con los promedios más bajos del año, mientras avanza la vacunación a la población, según las cifras divulgadas por el Ministerio de Salud. EFE / André Coelho
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A variante delta do coronavírus já é dominante em muitos países, e as estatísticas começam a mostrar sinais de que as vacinas estão perdendo algo de eficácia passados oito meses ou mais. Mas uma análise detalhada dos dados deixa claro que as vacinas são fundamentais para a luta contra a pandemia, uma vez que continuam evitando que os cidadãos sejam internados com a covid-19 e que possam morrer por causa disso.

Os dados mais preocupantes chegam de Israel. Há poucos dias, um trabalho preliminar e não revisado por especialistas independentes afirmou que as vacinas estão perdendo eficácia contra a infecção, de modo que quem foi vacinado em janeiro tem maior risco de se infectar do que quem o fez em março. Nesta semana, outro estudo preliminar, também de Israel, mostra que as pessoas que recebem uma terceira dose têm 11 vezes mais proteção contra a infecção. Em julho, o ministério da saúde do país alertou que a eficácia da vacina de RNA contra a infecção sintomática havia caído para 64%, longe dos 94% registrados nos testes clínicos realizados antes da chegada da variante delta.

No entanto, os especialistas explicam que há várias razões para continuar confiando nas vacinas. Para começar, é importante diferenciar entre eficácia e efetividade. Os testes clínicos controlados das vacinas tinham como objetivo principal evitar a infecção com ou sem sintomas. Com essa meta, as vacinas podem estar perdendo um pouco de eficácia, mas mantêm sua efetividade, que é a medida do seu impacto positivo no mundo real. Esta foi brutal, pois evitou a imensa maioria de casos graves e mortes.

No Reino Unido, Estados Unidos e outros países também foram encontradas evidências de que as vacinas parecem estar perdendo pouco a pouco a eficácia contra a infecção. Em muitos casos esta é assintomática, mas também há pessoas que registram algum sintoma. No entanto, nenhum desses países viu um declínio da efetividade das vacinas contra hospitalizações e mortes. As vacinas continuam salvando vidas.

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Nos EUA, o nível de proteção contra a internação por covid-19 antes da chegada da variante delta era de 86% e, depois do seu surgimento, de 84%, uma diferença que não é estatisticamente significativa, segundo estudo recente do Centro de Controle de Doenças. E o mais importante: a proteção é de 90% nas pessoas sem doenças prévias e chega a 63% mesmo nas mais expostas ao vírus apesar das vacinas, que são as pessoas imunossuprimidas (cujos sistemas imunológicos não funcionam corretamente devido a doenças congênitas ou tratamentos para transplantes ou câncer, entre outros).

Outro estudo recente demonstrou a efetividade das vacinas: no Reino Unido, foi analisada a quantidade de PCRs positivos em mais de mais de 700.000 pessoas antes e depois da chegada da variante delta. A incidência de infecções graves que exigiam hospitalização foi tão baixa que o trabalho não detectou qualquer mudança na efetividade das vacinas contra a covid-19 grave e a morte por essa causa.

A questão, explicam os especialistas, é que a ciência sobre o coronavírus mudou radicalmente desde janeiro deste ano. Os estudos de vacinas não são mais realizados com populações selecionadas e em ambientes controlados, mas são estudos observacionais que examinam sua implementação no mundo real. A maioria dessas análises tenta corrigir fatores que podem distorcer os resultados, como o estado de vacinação, a idade ou doenças anteriores. E é aqui que os estudos preocupantes de Israel acabam, talvez, não o sendo tanto. “Os dados de Israel são verdadeiros, mas dizer que provam que as vacinas perderam efetividade é falso e tendencioso”, alerta Jeffrey Morris, especialista em bioestatística da Universidade da Pensilvânia (EUA). “Os estudos observacionais podem ter muitos fatores de confusão que fazem com que uma simples porcentagem seja mal interpretada. A situação da vacinação em Israel nos traz uma tempestade perfeita desses fatores”, alerta o especialista.

Além disso, é preciso ter em conta que Israel chegou a um acordo especial com a Pfizer para receber a vacina mais cedo em troca do compartilhamento de dados sanitários. Por isso tornou-se uma referência para outros países, que agora tentam entender se o que acontece lá também acontecerá dentro de suas fronteiras. Israel é o maior defensor da terceira dose de reforço, que já recomenda para toda a sua população com mais de 12 anos. As empresas farmacêuticas observam com atenção, porque se o resto dos países desenvolvidos seguir Israel, elas terão uma nova rodada de faturamento milionário com as doses de reforço de vacinas de RNA, que têm uma venda complicada nos países em desenvolvimento, pois precisam de refrigeração. No entanto, a maioria dos especialistas concorda que não há dados suficientes para aprovar uma terceira dose em uma população saudável de qualquer idade.

Em Israel, cerca de 80% da população foi vacinada, mas a porcentagem é muito maior entre os mais velhos: mais de 90% dos maiores de 50 anos receberam as duas doses. Mas ser idoso é um dos principais fatores de risco para sofrer de covid-19 grave. Uma pessoa de mais de 50 anos vacinada continua tendo várias vezes mais risco de se infectar do que outra mais jovem. Morris corrigiu os dados de Israel levando em consideração o risco de infecção nos diferentes grupos de idade e a taxa de vacinação. O resultado é que em Israel as vacinas protegem 85% dos maiores de 50 anos da forma grave da doença, apenas alguns pontos abaixo dos menores dessa idade, com 91%. Com esse simples ajuste, os dados de proteção se parecem muito mais com os observados em outros países e questionam a necessidade de uma terceira dose. De qualquer forma, a vacina continua sendo a melhor forma de evitar a covid-19 grave: os imunizados têm 29 vezes menos risco de hospitalização do que os que ainda não receberam a vacina.

Os últimos dados israelenses sobre a terceira dose “são sólidos”, diz Morris, mas adverte que há fatores que também podem fazer com que sejam melhores do que aparentam. “Só contemplaram 12 dias de observação depois da terceira dose, um tempo demasiado curto”, explica a este jornal. Outra limitação importante: não contemplam o nível de proteção das pessoas que só receberam duas doses. “Se este grupo já tem uma proteção de até 90%, reduzir seu risco 10 vezes aumentaria sua proteção até 98%”, calcula o pesquisador.

Brasil inicia terceira dose neste mês

Vários países no mundo começam a adotar a estratégia da terceira dose, seja para grupos específicos mais vulneráveis à covid-19 ou à população em geral. O Brasil, por exemplo, deve iniciar neste mês de setembro a aplicação da dose de reforço em idosos com 70 anos ou mais e pacientes imunossuprimidos. O ministro Marcelo Queiroga anunciou a estratégia e a justificou sob os argumentos de que a delta começa a avançar no país e estes grupos já podem estar mais vulneráveis. Os Estados Unidos também anunciaram que pretendem começar a vacinar com a terceira dose os imunossuprimidos neste mês. Mas há uma discussão grande em torno de estratégias como estas diante da desigualdade global de acesso à vacina.

Em um mundo com um número limitado de vacinas em que a maioria do planeta ainda não recebeu nem uma dose, faz mais sentido evitar alguns poucos casos adicionais dentro das fronteiras ou garantir que a maioria do mundo receba ao menos as duas doses? “É evidente que a prioridade é dar duas doses a todo mundo, porque evitará muito mais infecções graves e mortes do que dar uma terceira dose aos já vacinados”, diz Morris. Esta também é a posição da Organização Mundial da Saúde.

Seja como for, a taxa de infecções em vacinados parece extremamente baixa. Nos EUA está entre 0,01% e 0,54%, segundo levantamento da Fundação Kaiser divulgado no final de julho. A porcentagem de internação ou morte é de 0,06% e 0,01%, respectivamente, e isso no pior dos casos, já que em vários Estados a porcentagem é de 0,00%. A incidência de hospitalizados vacinados nos Estados Unidos é semelhante à registrada em Israel (0,02%). Neste país, os dados mais recentes mostram que os casos de infecção entre vacinados começaram a diminuir.

As pessoas vacinadas que são infectadas pela variante delta têm cargas virais semelhantes às de pessoas infectadas não vacinadas. O problema é que não se sabe se essa carga viral os torna mais vulneráveis à covid-19 ou se podem propagar mais o vírus. “É possível que os vacinados tenham mais cópias do vírus que não são viáveis [não são contagiosas] e é possível que a quantidade de vírus em seu organismo diminua muito mais rápido”, destacam os autores do estudo britânico. Este mesmo trabalho traz outro ponto importante: “Como as vacinas continuam protegendo contra a hospitalização e a morte por covid-19, é possível que as doses de reforço não sejam necessárias, especialmente porque as infecções em pessoas vacinadas proporcionam um aumento natural dos anticorpos”, escrevem. É uma espécie de terceira dose natural graças a um contágio que na maioria dos casos quase não terá sintomas.

“Nosso estudo é o maior já feito no mundo analisando infecções de forma aleatória na população em geral”, explica a este jornal Koen Pouwels, pesquisador da Universidade de Oxford e coautor do estudo. “Os dados mostram que é importante continuar comprovando a efetividade das vacinas contra a covid-19 grave, mas por enquanto parece que é muito boa”, acrescenta.

O epidemiologista Miguel Hernán, assessor do Governo durante a pandemia, explica outro fator que dificulta a compreensão do que está acontecendo exatamente com a variante delta. “Como vacinamos primeiro os idosos, é possível que a maior redução de efetividade que agora parece existir neste grupo se deva ao fato de estarem vacinados há mais tempo, e não porque a idade aumenta a redução da efetividade”, explica. “Precisamos de estudos específicos sobre a efetividade da terceira dose e é exatamente isso que o nosso grupo e outros estão fazendo em Israel”, acrescenta.

Hernán traz uma visão fatalista sobre a terceira dose. “Tudo indica que a decisão já foi tomada e será aprovada para a população em geral. Suspeito que os livros de história se referirão a isso como um exemplo óbvio da hipocrisia dos países ocidentais. Em todo caso, a decisão é fruto de uma visão de curto prazo. Sem vacinar o resto do mundo corremos o risco de que novas variantes continuem aparecendo até que o alfabeto grego acabe. Se uma dessas variantes escapar da proteção da vacina, teremos um problema sério apesar das três doses”, alerta.

Em janeiro deste ano, um estudo baseado em modelos epidemiológicos previu que a covid-19 terá se transformado em um resfriado leve em um prazo entre um e 10 anos. O SARS-CoV-2 se tornaria um vírus endêmico: nunca será erradicado, mas só causará no máximo resfriados leves. “Acredito que o que estamos vendo é o início desse processo”, explica a este jornal Jennie Lavine, pesquisadora da Universidade Emory (EUA) e primeira autora daquele estudo. De qualquer forma, alerta que a nova tendência de infecções entre vacinados e a chegada do inverno ―quando há mais transmissão de vírus respiratórios–―sugere que será uma temporada complicada com um alto número de infecções. “Embora acredite que nos dirigimos para o cenário previsto, ainda não chegamos”, destaca.

O nível de expectativa é semelhante ao que já vivemos com a chegada de outras variantes ameaçadoras. Até o momento, todas as versões do vírus que se tornaram dominantes foram as mais transmissíveis ―a britânica ou a delta― e não as que melhor escapavam do sistema imunológico e que, portanto, podiam agravar a doença ―a brasileira ou a sul-africana. A lógica convida a pensar que se novas variantes surgirem, serão mais transmissíveis e menos virulentas ainda, diz Morris. É possível que aconteça o contrário, e que a pressão evolutiva favoreça de repente uma variante mais virulenta, mas não é provável. “Acredito que a possibilidade de uma variante mais transmissível e letal esteja sendo exagerada por pessoas que brandem o medo de que voltemos ao ponto de partida. É extremamente improvável que apareça uma variante capaz de escapar completamente do nosso sistema imunológico. Claro, há possibilidades de que escape o suficiente para nos causar mais problemas do que já temos “, adverte.

IMUNOSSUPRIMIDOS RECEBERÃO TERCEIRA DOSE

Desde o início da pandemia, a maioria dos estudos se baseou em um único indicador de imunidade: o nível de anticorpos, proteínas produzidas pelo sistema imunológico capazes de bloquear a entrada de vírus nas células. É um erro. O sistema imunológico fabrica essas proteínas quando detecta a presença de um vírus e é normal que depois de seis meses ou mais, com o patógeno completamente eliminado, os níveis de anticorpos baixem. Isso não significa que as pessoas não estejam mais protegidas. Vários estudos, inclusive alguns com pacientes imunossuprimidos, mostraram que a imunidade celular baseada em linfócitos e outras células do sistema imunológico que têm memória se mantém por ao menos um ano e provavelmente pelo resto de sua vida.

No momento, o único grupo em que uma terceira dose poderia ser útil são os imunossuprimidos, afirma Carmen Cámara, da Sociedade Espanhola de Imunologia. “Na Espanha, a proteção da vacina contra casos graves mal caiu de 95% com a variante alfa para 90% com a delta. O problema é que isso deixa outros 10% de pessoas que podem ter complicações. A imensa maioria é de pessoas com mais de 80 anos e, sobretudo, imunossuprimidos”, explica a imunologista. “Entre os meus pacientes há cerca de 30% de imunossuprimidos, nos quais a efetividade da vacina é zero. Este é o grupo em que devemos nos concentrar para explorar se precisam de uma terceira dose. Sou da opinião de que talvez seja necessário vaciná-los de novo e possivelmente com uma vacina diferente. Para o resto da população, inclusive aqueles com mais de 80 anos, não há dados que sustentem uma dose de reforço”, acrescenta. O Brasil decidiu revacinar idosos e imunossuprimidos com uma dose de reforço a partir deste mês. A Espanha, por sua vez, acaba de aprovar a terceira dose apenas para os imunossuprimidos.

Nas últimas semanas também chegaram os primeiros tratamentos capazes de evitar formas graves de covid-19 se administrados logo após a infecção. São anticorpos monoclonais baseados em proteínas extraídas de pacientes que dominaram bem a infecção. Acaba de ser aprovado nos EUA um desses tratamentos para imunossuprimidos, o que reduz em 81% as infecções graves e outro da Astrazeneca muito semelhante está em desenvolvimento. Esse tipo de droga seria apenas para aqueles em que a vacina não funciona. O problema é que esse tipo de fármaco está entre os mais caros do mercado.

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