_
_
_
_
_

Ursos d’água sobrevivem até quando disparados, mas não ao impacto de um acidente lunar

Astrobióloga espanhola projeta um experimento com tardígrados para verificar se eles poderiam ter sobrevivido ao choque de uma sonda israelense ocorrido em 2019

Tardígrados são frequentemente encontrados em musgos, onde comem células vegetais ou pequenos invertebrados.
Tardígrados são frequentemente encontrados em musgos, onde comem células vegetais ou pequenos invertebrados.
Javier Salas
Mais informações
Imagem colorida de um tardígrado captada com microscópio eletrônico.
Não há asteroide que consiga acabar com esse bichinho
Los tardígrados pueden sobrevivir sin agua, en estado de hibernación, durante una década
A rocambolesca história dos ursos d’água enviados à Lua para preservar a civilização
Una ilustración del aspecto del cometa 2I/Borisov.
Primeiro cometa interestelar identificado guarda o material mais antigo conhecido

Tardígrados, também chamados de ursos d’água, são seres microscópicos capazes de sobreviver a quase tudo: congelamento, água fervente, inanição durante décadas. Até mesmo se forem disparados. Mas uma viagem entre planetas que termine em acidente são palavras de maior envergadura mesmo para esses seres minúsculos, dos quais até se diz que poderiam herdar a Terra em caso de extinção em massa, dada sua assombrosa resistência. Um estudo submeteu alguns ursinhos d’água a uma verdadeira prova de fogo: atirá-los em velocidades altíssimas e verificar se aguentavam o golpe.

A pergunta não era teórica: dois anos atrás, um milionário norte-americano decidiu enviar uma população de milhares de tardígrados em uma sonda israelense que acabou caindo na Lua. Os tardígrados, que não chegam a medir meio milímetro, foram mandados em estado de desidratação, em que permanecem quase mortos, a um ritmo metabólico de 0,01% do normal. Lá eles permaneceram após o acidente, sem planos para tentar resgatá-los ou ver se poderiam se reidratar e ressuscitar após o impacto. O assunto foi um pequeno escândalo, mais uma amostra dos perigos da contaminação biológica do sistema solar pela negligência dos novos atores espaciais. Mas a cientista madrilenha Alejandra Traspas, que estava escrevendo sua proposta de dissertação de mestrado na Universidade de Kent, se perguntou o que teria acontecido com eles depois daquele acidente: “Eu pensei: ‘Pobrezinhos, terão sobrevivido?”, explica por telefone.

Dessa forma, projetou um experimento para fazer disparos com esses ursinhos, que costumam viver em condições de umidade, nas velocidades brutais do impacto lunar. Colocaram um alvo de areia em uma câmara de vácuo para simular as condições espaciais e do impacto na superfície de um planeta rochoso. E dispararam nos ursos d’água em pequenos grupos de dois ou três com um “megacanhão de cerca de três metros”, explica Traspas, colocando-os congelados nos projéteis, naquele estado de hibernação induzida. Os testes começaram no final de 2019 e, exceto por uma interrupção repentina, continuaram durante as restrições causadas pela pandemia.

Uma micrografia de luz de um tardígrado.
Uma micrografia de luz de um tardígrado.

O resultado, publicado na revista Astrobiology, mais uma vez nos lembra da extraordinária capacidade de resistência dos tardígrados, mas traz más notícias para aqueles que se tornaram astronautas lunares. Quando disparados em velocidades gigantescas, acima da aceleração de um tiro de pistola, os ursos resistiam ao impacto e conseguiam se recuperar do estado de congelamento, embora mais lentamente do que o grupo de controle (outros ursos que hibernaram e foram usados para se comparar seu comportamento com os disparados). A quase 1 quilômetro por segundo, os tardígrados sobreviviam. Mas acima desse limite, os animaizinhos se desintegravam. E é isso que deve ter acontecido com os viajantes lunares. “Podemos confirmar que não sobreviveram”, explica a astrobióloga, “porque a velocidade do impacto com a Lua não foi tão alta, mas a pressão do choque, por causa do material da nave, é tão elevada que é impossível que eles resistam”.

Traspas, que agora está fazendo seu doutorado na Queen Mary University, em Londres, vai continuar disparando tardígrados para responder a uma pergunta que surgiu durante o estudo. Os tardígrados que sobreviveram a esses impactos pararam de se reproduzir e a razão é desconhecida. “Vamos repetir os experimentos, mas com análise genética, para ver se se trata de seleção natural, estresse ou se há dano genético”, diz a cientista.

Para além da resistência anedótica desses ursos d’água ao colidir com a Lua, o estudo de Traspas propicia uma leitura importante para a compreensão da origem da vida. Para explicar o surgimento dos seres vivos, existe a hipótese de que a vida existe no universo e viaja em asteroides e outros corpos celestes até encontrar planetas como a Terra. Mas os dados do Traspas desafiam essa ideia se o impacto pode ser tão destrutivo mesmo para seres tão minúsculos. “A possibilidade se complica, mas não é impossível. É preciso levar em consideração o ângulo de impacto e outras condições.” Os cálculos de seu estudo permitem imaginar a transferência de microrganismos entre a Terra e a Lua ou entre Marte e seu satélite Fobos. E abrem uma porta muito interessante para a busca de vida em Encélado, uma lua de Saturno na qual se suspeita que possa haver organismos habitando seus oceanos. Uma nave que cruze em alta velocidade um de seus gêiseres quilométricos poderia coletar amostras sem que o impacto fosse fatal.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_