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EUA iniciam sua missão para encontrar sinais de vida em Marte

Veículo ‘Perseverance’, da NASA, explorará um antigo lago do planeta vermelho onde seres vivos podem ter existido

Veículo ‘Perseverance’ é lançado da estação do cabo Canaveral, na Flórida, nesta quinta.
Veículo ‘Perseverance’ é lançado da estação do cabo Canaveral, na Flórida, nesta quinta.NASA/Joel Kowsky (Reuters)
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Há muito, muito tempo, o planeta vermelho era azul. Marte teve rios e oceanos com água suficiente para cobrir todo o planeta. Também havia uma atmosfera densa, parecida com a da Terra, o cenário perfeito para que a vida aparecesse. E houve tempo suficiente, pois Marte foi úmido durante 1,5 bilhão de anos. Depois, por razões que não estão claras, o ar marciano começou a se tornar cada vez mais rarefeito, a atmosfera praticamente desapareceu, e com ela a água líquida. Só restaram calotas polares e placas de gelo enterrado num planeta desértico e gélido. Sim, existe a possibilidade de que a vida marciana tenha surgido em algum momento e inclusive que tenha sobrevivido até agora.

Os EUA lançaram às 8h50 de hoje (hora de Brasília) a primeira missão espacial a ser concebida especificamente para encontrar sinais de vida passada no planeta vermelho. O robô de exploração Perseverance, do tamanho e peso de um carro médio, é o veículo de exploração extraterrestre mais completo a pisar até hoje na superfície de outro planeta.

O lançamento perdeu um pouco da graça habitual porque nenhum membro das equipes científicas dos diferentes instrumentos estará lá para ver o foguete Atlas rugir ao decolar. A pandemia da covid-19 complicou as coisas a tal ponto que a NASA chegou a cogitar um adiamento da missão até a próxima vez em que Marte e a Terra estiverem alinhados da forma ideal, como agora, o que seria daqui a dois anos. Mas os responsáveis pelo programa pisaram no acelerador, em parte porque o mundo viu há apenas uma semana como a China lançava com sucesso sua primeira missão ao planeta vermelho, um projeto de enorme ambição que inclui uma sonda orbital, um veículo de pouso e um rover, o primeiro na história que poderá fazer concorrência aos EUA, que até agora continuam sendo o único país a levar com sucesso veículos capazes de se deslocarem em Marte.

“Quem não quer enxergar que existe uma competição entre os dois países é porque está cego”, reconhece Jorge Pla-García, membro da equipe científica do instrumento MEDA, um dos sete instalados no Perseverance. O MEDA será “o primeiro instrumento a estudar o grande protagonista da atmosfera de Marte: o pó, equiparável em abundância ao vapor de água na atmosfera terrestre”, explica Pla-García, pesquisador do Centro de Astrobiologia da Espanha, que já desenvolveu instrumentos similares para veículos anteriores. “O pó em suspensão muda o comportamento da atmosfera e adere a todas as partes, inclusive aos trajes dos astronautas. Além disso, há em Marte tempestades de poeira locais, regionais e até mesmo, a cada seis anos, globais. Elas cobrem todo o planeta, algo impensável na Terra, e não temos nem ideia de como isso pode acontecer”, diz o engenheiro. O instrumento MEDA também aferirá a temperatura do ar e do solo, a velocidade do vento e a radiação ultravioleta.

Depois de sua decolagem, a nave passará 200 dias viajando a 21.000 quilômetros por hora até chegar a Marte em 18 de fevereiro, mesmo mês previsto para a missão chinesa e o veículo orbital dos Emirados Árabes lançado dias atrás.

O destino do Perseverance é a cratera Jezero, formada pelo impacto de um meteorito milhões de anos atrás e que contém as rochas mais antigas que podem ser encontradas atualmente na superfície de Marte. Esta é a primeira vez que o rover incorpora um sistema de inteligência artificial que analisará o terreno e decidirá se deve pousar no ponto previamente determinado ou se deslocar para evitar rochas e outros perigos. Pela primeira vez também há câmeras e microfones que apontam para a superfície e nos permitirão ver e escutar uma aterrissagem em Marte como se estivéssemos a bordo da nave.

Representação do veículo ‘Perseverance' na superfície de Marte.
Representação do veículo ‘Perseverance' na superfície de Marte.Cortesía (EFE)

Os veículos anteriores da NASA —Spirit, Opportunity e Curiosity— demonstraram que Marte já teve as condições adequadas para abrigar vida. Agora o Perseverance vai procurar os rastros dela. Jezero, no hemisfério norte, mas perto do equador, é um dos melhores lugares para isso, pois há 3,5 bilhões de anos corria por ali um rio que foi enchendo a cratera com água até transformá-la num grande lago. Bem nessa época, já havia formas de vida microbianas na Terra, cujos fósseis foram estudados detalhadamente. O que em nosso planeta era o início de uma corrida desenfreada rumo a formas de vida cada vez mais diversas e complexas, em Marte ficou como um processo truncado, sem que saibamos muito bem o motivo.

O Perseverance explorará por dois anos os meandros, margens e praias arenosas daquela massa de água, hoje transformada em um deserto de dunas e falésias de 500 metros. Esta é a zona onde é mais provável encontrar minerais que possam conter restos orgânicos produzidos por micróbios. Os sete instrumentos do rover foram especialmente desenhados para identificar esses materiais, que provavelmente estarão em argilas e carbonatos.

Será a primeira vez que uma missão aplicará em Marte uma nova tecnologia de análise que permite conhecer detalhadamente a essência e estrutura dos compostos e determinar se foram produzidos por micróbios. Trata-se da espectroscopia de Raman, uma das tecnologias incluídas no instrumento Supercam. “Mais que um instrumento, é como um laboratório que permite aplicar até seis técnicas diferentes de análise, algo que nunca foi feito antes”, diz Fernando Rull, físico da Universidade de Valladolid (Espanha) e membro da equipe científica do Supercam. Todas estas técnicas ajudarão a “conhecer a história geoquímica dos compostos analisados e verificar se têm origem orgânica”, ressalta Rull. O custo total da missão foi de 2,4 bilhões de dólares (12,5 bilhões de reais).

Seja como for, o Perseverance só poderá ficar a um passo de descobrir vida, pois seus instrumentos são capazes apenas de encontrar seus indícios. Para levar a pesquisa um passo além, o veículo robótico irá guardando as amostras mais interessantes em tubos de metal, que deixará na superfície marciana para serem recolhidos numa futura missão dos EUA e Europa. Assim essas amostras poderão ser trazidas de volta à Terra e analisadas de forma mais detalhada. Trata-se de uma façanha científica em que também compete à China, pois sua missão marciana Tianwen-1 pretende algo muito parecido.

Além de procurar vida, o Perseverance é uma missão robótica preliminar ao eventual desembarque de astronautas no planeta vermelho. O robô incorpora um pequeno helicóptero capaz de voar a até 10 metros de altura, primeiro protótipo de drone marciano com o qual futuros astronautas poderiam saber, por exemplo, o que há do outro lado de uma colina.

Um dos instrumentos do rover vai ensaiar a produção de oxigênio a partir do asfixiante dióxido de carbono, o gás mais abundante na atmosfera de Marte. É o primeiro teste dos futuros geradores que gerarão oxigênio para os astronautas e combustível para foguetes movidos a oxigênio e metano. O veículo também porta um radar capaz de penetrar até 10 metros no subsolo e que procurará reservas de água gelada que, num futuro, poderia abastecer uma base marciana para beber, regar e produzir metano. Nisto os EUA competem —e muito— com a China, cuja missão robótica também incorpora um radar semelhante, cujo destino é outra cratera onde existe uma reserva de água gelada no subsolo.

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