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Em seis meses de busca por uma solução para o coronavírus, 23 vacinas já são testadas em humanos

A comunidade científica desenvolveu em tempo recorde mais de duas dezenas de protótipos, mas a OMS alerta que “o sucesso não está garantido”

Manuel Ansede
Voluntária recebe vacina ainda no primeiro estágio de um estudo clínico nos Estados Unidos, em 16 de março.
Voluntária recebe vacina ainda no primeiro estágio de um estudo clínico nos Estados Unidos, em 16 de março.Ted S. Warren (AP)

Em 12 de janeiro, quando se supunha que só havia 41 pessoas infectadas por um misterioso coronavírus na cidade chinesa de Wuhan, vários grupos de cientistas iniciaram uma corrida contra o relógio para desenvolver a vacina contra uma doença que nem nome tinha àquela altura. Seis meses depois, já existem 163 vacinas experimentais contra a covid-19, e 23 delas estão sendo testadas em humanos, segundo o registro da Organização Mundial da Saúde. Nunca se viu nada igual.

A última boa noticia é a confirmação, nesta terça-feira, de que a vacina experimental dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e da empresa farmacêutica Moderna passou com sucesso por seu primeiro teste em 45 pessoas. Os participantes vacinados com duas doses geraram níveis altos de anticorpos neutralizantes ― as defesas específicas do organismo humano que bloqueiam o vírus ― e não mostraram efeitos adversos graves, apenas sintomas leves, como cansaço, dor de cabeça e calafrios. Os resultados são “incríveis”, segundo o farmacêutico espanhol Juan Andrés, diretor técnico da Moderna, uma empresa biotecnológica com sede em Cambridge (EUA). “A segurança e magnífica eficácia continuam dando grandes esperanças para uma vacina em breve”, opina Andrés, cuja companhia dispara na Bolsa a cada anúncio.

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A Moderna detalhou em entrevista coletiva nesta quarta os seus planos para iniciar, em 27 de julho, um ensaio final com 30.000 voluntários saudáveis. A empresa norte-americana, para ganhar tempo, trabalha assumindo que a vacina funcionará e será segura, algo ainda longe de ser garantido. Em 9 de julho, os Laboratórios Farmacêuticos Rovi, de Madri, anunciaram um acordo com a Moderna para colaborar nas últimas etapas da produção de “centenas de milhões de doses” para abastecer outros países além dos EUA. O objetivo da empresa de Cambridge é fabricar entre 500 milhões e um bilhão de doses por ano em suas instalações norte-americanas a partir de 2021. Se for preciso vacinar a toda a humanidade duas vezes, seria necessário mais de uma década nesse ritmo.

Tudo indica que em 2021 haverá várias vacinas diferentes, desenvolvidas em regime de urgência e com uma eficácia melhorável. A imunização da Moderna é como uma receita escrita em uma linguagem genética, o RNA, com as instruções para que as próprias células humanas saibam fabricar as proteínas da espícula do coronavírus ― responsáveis por sua forma de maça medieval ―, de modo a treinar o organismo sem risco ao sistema imunológico. Outras quatro instituições já começaram a testar em humanos suas vacinas experimentais de RNA, similares à norte-americana: o Imperial College de Londres, a empresa alemã CureVac, a biotecnológica chinesa Walvax e um consórcio formado pela alemã BioNTech, a norte-americana Pfizer e a chinesa Fosun Pharma.

A vacina experimental mais avançada, desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório britânico AstraZeneca, utiliza outra estratégia: é um adenovírus do resfriado comum dos chimpanzés, modificado para transportar as instruções genéticas para a fabricação da proteína da espícula do coronavírus. A AstraZeneca chegou a um acordo com a UE para administrar 400 milhões de doses a partir do final deste ano, mesmo reconhecendo que talvez a vacina não funcione. A empresa farmacêutica e a Universidade de Oxford já iniciaram um ensaio com mais de 15.000 voluntários no Reino Unido, Brasil e África do Sul para averiguar se a vacina é realmente segura e eficaz.

A empresa chinesa Lento Biologics e a Academia de Ciências Militares do país asiático empregam uma estratégia semelhante: um vírus do resfriado comum, modificado geneticamente. O regime chinês aprovou há algumas semanas o uso militar desta vacina experimental, que ainda precisa demonstrar sua eficácia em ensaios com milhares de pessoas. O Instituto de Pesquisas Gamaleya, de Moscou (Rússia), também iniciou testes em humanos de uma vacina experimental parecida.

A OMS, a União Europeia e outras organizações internacionais lançaram em abril um consórcio internacional, denominado Acelerador ACT, para obter vacinas e tratamentos contra a covid-19 “em tempo recorde”. Seu objetivo é dispor de dois bilhões de doses até o final de 2021 para distribuir de maneira racional às pessoas sob maior risco, onde quer que estejam. Metade das doses seria reservada para países de renda baixa ou média. O consórcio pediu aos doadores internacionais 12 bilhões de euros (73,4 bilhões de reais) de maneira urgente para impulsionar a pesquisa de vacinas e tratamentos, mas apenas um terço deste valor foi alcançado até o momento, conforme alertou a OMS em 26 de junho.

Um dos principais impulsores do Acelerador ACT é a Coalizão para as Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI), fundada pelos Governos da Noruega e Índia, a Fundação Bill & Melinda Gates, o Wellcome Trust e o Fórum Econômico Mundial. A CEPI financiou parcialmente o desenvolvimento de sete vacinas experimentais, que já estão sendo testadas em humanos, incluindo a de Oxford, a da Moderna e a da empresa alemã CureVac.

A coalizão também pôs dinheiro na vacina experimental da empresa norte-americana Inovio, apoiada em outra linguagem genética, o DNA. O médico espanhol Pablo Tebas iniciou em maio os testes em humanos dessa vacina na Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia. Outras três entidades iniciaram ensaios de vacinas de DNA similares: a Universidade de Osaka (Japão), a empresa sul-coreana Genexine e a farmacêutica indiana Cadila Healthcare.

As outras três vacinas financiadas pela CEPI são de outro tipo, dito “de subunidades”, porque emprega fragmentos do próprio vírus. São as vacinas experimentais desenvolvidas pela empresa norte-americana Novavax, pela chinesa Clover Biopharmaceuticals e pela Universidade de Queensland (Austrália).

Nesta semana, a OMS começou a recrutar especialistas internacionais para integrar um grupo de trabalho encarregado de escolher as vacinas experimentais mais promissoras, para priorizar sua produção. O consórcio do Acelerador ACT, entretanto, é muito realista: “Embora haja uma carteira muito grande com 200 candidatos a vacina, seu desenvolvimento está ainda em uma fase prematura e muitos podem fracassar. Os desafios são consideráveis, e o sucesso não está garantido”.

O presidente norte-americano, Donald Trump, decidiu em maio dar um pontapé na OMS e travar a guerra ao coronavírus por sua conta, com uma iniciativa batizada Operação Warp Speed. O Governo dos EUA se concentra em financiar cinco vacinas experimentais, entre elas a da Universidade de Oxford, a da Moderna e a do consórcio BioNTech/Pfizer/Fosun Pharma. Trump prometeu uma vacina em tempo “recorde, recorde, recorde”. É uma de suas melhores promessas eleitorais. As eleições presidenciais dos EUA são em 3 de novembro.

As outras duas vacinas experimentais impulsionadas pela Operação Warp Speed ainda estão sendo testadas em animais. Uma é a da multinacional norte-americana Johnson & Johnson, baseada também em um adenovírus do resfriado comum e financiada com o equivalente a quase 2,5 bilhões de reais pelo Governo dos EUA. O início dos testes em humanos é iminente, segundo a companhia. A segunda é o protótipo da farmacêutica norte-americana Merck Sharp & Dohme (MSD). Sua vacina experimental é similar à que a empresa já fabrica contra o ebola, chamada Ervebo. Se desenvolver uma vacina historicamente leva em média 10 anos, o Ervebo passou apenas cinco nessa lista. Esse é o recorde a ser pulverizado pelos 163 projetos que estão mais perto de encontrar uma solução definitiva para a peste da covid-19.

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