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Partículas de coronavírus já estavam no esgoto de Florianópolis em novembro, diz pesquisa da UFSC

Até o momento, trata-se da amostra mais antiga do SARS-CoV-2 nas Américas, destaca pesquisadora. O resultado ainda será publicado em revista científica após revisão de pares

Família passa por um grafite que mostra profissional da saúde pulverizando coronavírus no rosto do presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de junho.
Família passa por um grafite que mostra profissional da saúde pulverizando coronavírus no rosto do presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de junho.Antonio Lacerda (EFE)
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Ainda há dúvidas sobre quando o novo coronavírus deixou o território chinês, onde foram feitos os primeiros registros de sua existência, e começou a se espalhar pelo mundo, atingindo com gravidade Europa, Estados Unidos e Brasil. Contudo, uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) divulgada nesta quinta-feira coloca mais uma peça no quebra-cabeças da pandemia. Pesquisadores encontraram partículas de SARS-CoV-2 em amostras do esgoto de Florianópolis colhidas em 27 de novembro. Trata-se da amostra mais antiga do novo coronavírus encontrada nas Américas até o momento, explicou em coletiva de imprensa a pesquisadora Gislaine Fongaro, do Laboratório de Virologia Aplicada da UFSC. O artigo, resultado da parceria entre vários laboratórios e departamentos da universidade, foi publicado no portal de artigos científicos medRxiv. Na última sexta-feira foi enviado para uma revista científica e se encontra em revisão por outros pesquisadores da área.

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De acordo com Fongaro, os pesquisadores tiveram acesso ao esgoto bruto congelado —isto é, o que sai da residência das pessoas e vai direto para a rede de saneamento— que havia sido coletado mensalmente para outros estudos em virologia. O principal objetivo é o de tentar detectar desde quando o vírus estava circulando entre a população. No material recolhido até o final de outubro não houve sinais do SARS-CoV-2. O resultado positivo começa a partir de 27 de novembro, quando foram encontradas 100.000 partículas por litro de esgoto. “[No esgoto recolhido] em 4 de março encontramos um milhão de partículas por litro de esgoto, o que é explicado pelo aumento da circulação na população”, explica a virologista.

Ela ainda explicou que as partículas do vírus são excretadas do corpo humano após já terem circulado pelo organismo, o que leva cerca de 20 dias. Dessa forma, o estudo indica que o coronavírus já estava entre a população de Florianópolis no início de novembro, “antes mesmo de termos ciência de sua rotina em pacientes, sejam assintomáticos ou sintomáticos”. O primeiro caso confirmado de coronavírus na China foi em 17 de novembro.

Para identificar a presença de partículas de coronavírus no esgoto, a virologista destaca que foram feitos testes RT-PCR, que quantifica a quantidade de cópias do genoma viral. Depois, testes interlaboratoriais independentes confirmaram a assinatura genética do Sars-CoV-2. Fongaro sublinha ainda que o estudo dessas partículas nos sistemas de esgoto e o sequenciamento do genoma do vírus podem ajudar a fazer sua “história evolutiva”, identificando sua origem, rotas e possíveis mutações. A pesquisa só foi possível por causa da preocupação em preservar de forma adequada o material recolhido para outros estudos da universidade, acrescenta.

Fongaro ainda explica que é o primeiro registro do Sars-CoV-2 nas Américas porque não há registros de outro estudo no continente a partir de amostras de esgoto coletadas meses antes da pandemia. Porém, pesquisas similares feitas na China, na Espanha e na Itália apontaram que o coronavírus já circulava entre a população antes dos primeiros casos serem diagnosticados.

No Brasil, um estudo feito recentemente na rede de esgoto de Belo Horizonte pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Agência Nacional de Águas concluiu que o número de infectados na capital mineira é 10 vezes maior que o registrado pelas autoridades. Além disso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem realizando estudos em Niterói para identificar a presença do material genético no sistema de saneamento e acompanhar o comportamento do vírus durante a pandemia.

Histórico do coronavírus no Brasil

O primeiro caso notificado de coronavírus no Brasil ocorreu em 26 de fevereiro, com o diagnóstico positivo em São Paulo de um empresário de 61 anos recém retornado da Itália ―país que começava a enfrentar uma rápida expansão de casos de covid-19. Em 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo vivia uma pandemia. Pouco depois, no dia 17 de março, a primeira morte no Brasil foi confirmada pelo Ministério da Saúde —nesta semana, o órgão afirmou que a primeira morte ocorreu, de fato, em 12 de março.

Porém, mesmo antes da pesquisa da UFSC já havia indícios de que o novo vírus já circulava em território brasileiro antes do Carnaval. Essas conclusões são feitas a partir da análise do aumento dos registros de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no país, assim como das descobertas mais recentes sobre a origem do novo vírus e da apuração de casos suspeitos que foram encaminhados ao Ministério da Saúde. Além disso, análises feitas por pesquisadores da Fiocruz mostraram que o coronavírus circulou pela Europa e pelas Américas sem ser identificado durante semanas, ao longo dos primeiros meses do ano. Os contágios entre pessoas dentro do território brasileiro teriam começado a partir da primeira semana de fevereiro, segundo os pesquisadores.

Pesquisadores e laboratórios envolvidos

Assinam o pré-print do artigo Gislaine Fongaro (Laboratório de Virologia Aplicada – LVA/UFSC), Patrícia Hermes Stoco (Laboratório de Protozoologia/UFSC), Dóris Sobral Marques Souza (LVA-UFSC), Edmundo Carlos Grisard (Laboratório de Protozoologia/UFSC), Maria Elisa Magri (Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental), Paula Rogovski (LVA/UFSC), Marcos André Schörner (Laboratório de Biologia Molecular, Microbiologia e Sorologia/LBMMS/UFSC), Fernando Hartmann Barazzetti (LBMMS/UFSC), Ana Paula Christoff (BiomeHub), Luiz Felipe Valter de Oliveira (BiomeHub), Maria Luiza Bazzo (LBMMS/UFSC), Glauber Wagner (Laboratório de Bioinformática/UFSC), Marta Hernández (Seção de Microbiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Burgos) e David Rodriguez-Lázaro (Seção de Microbiologia/Burgos).


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