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Por que sabemos que se conseguirá a vacina contra a covid-19, se nunca conseguimos contra a Aids?

O coronavírus tem uma taxa de mutação muito mais baixa que o HIV, mas só dentro de alguns meses conheceremos a eficácia das vacinas que estão sendo criadas

Um pesquisador do laboratório norte-americano Verndari, que trabalha em uma vacina para o coronavírus.


07/05/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
Um pesquisador do laboratório norte-americano Verndari, que trabalha em uma vacina para o coronavírus. 07/05/2020 ONLY FOR USE IN SPAINPaul Chinn (Europa Press)

Haverá vacinas? Isto é certeza. Serão eficazes? Isto não sabemos. Por exemplo, para o HIV (o vírus que causa a Aids) também foi feita uma vacina, o que nunca se conseguiu é que fossem eficazes. Em relação às vacinas para o SARS-Cov-2 (o vírus que provoca a covid-19), já estão sendo feitas e, quando forem testadas, saberemos se funcionam ou não. O que sabemos hoje em dia é que nenhuma pessoa infectada pelo HIV se curou de forma natural graças ao seu sistema imunológico, e, entretanto, no caso da infecção por coronavírus, muita gente o superou graças à ação de seu próprio sistema imunológico, que é justamente o mecanismo que as vacinas utilizam para combater os vírus.

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Por que, do ponto de vista científico, podemos pensar que as vacinas contra o SARS-Cov-2 serão eficazes quando, por exemplo, as vacinas contra o HIV não funcionaram? A razão fundamental para o otimismo dos cientistas é que este vírus, diferentemente do que ocorre com o HIV, tem uma taxa de mutação muito, muito, muito mais baixa. O vírus que provoca a Aids muda tanto que se fala que uma pessoa infectada com ele que não estiver sob tratamento tem milhões e milhões de vírus diferentes, porque cada vírus no corpo dessa pessoa incorpora variações. Não falamos de um tipo de vírus, falamos de múltiplos vírus muito parecidos, mas com pequenas diferenças. E uma vacina teria que ser eficaz contra cada uma dessas pequenas variações, que além disso vão mudando ainda mais ao longo do tempo. Como sua taxa de mutação é tão alta, a realidade é que necessitamos de uma vacina para milhões e milhões de vírus diferentes.

Com o coronavírus, essas variações são menores porque sua taxa de introdução de erros ao se replicar é muito menor. E como é um vírus geneticamente muito mais estável, achamos que será mais fácil. Isto não impede que com o tempo não possa mudar. É algo que desconhecemos. Mas, dito isto, não parece que o coronavírus venha a ter jamais as taxas de mutação do HIV, porque são famílias de vírus diferentes, que têm mecanismos de replicação diferentes. O HIV produz muitos erros porque precisa se retrotranscrever, do RNA passa a DNA para se integrar no genoma da célula. A retrotranscrição é um passo que não está presente no coronavírus, que é um vírus de RNA que não se integra no genoma da célula. A retrotranscrição é fundamentalmente o que provoca a aparição de tantas mutações no caso do HIV. O mecanismo que o coronavírus usa para se replicar não tem esse passo e introduz muitíssimo menos erros. Por isso uma vacina preventiva contra o HIV acabou sendo um dos maiores desafios da ciência, mas no caso do coronavírus somos mais otimistas.

Que produza menos erros que o HIV ao se replicar não quer dizer que o coronavírus não mude, porque está mudando, mas essas mudanças são mais lentas e mais previsíveis. E quando você pode predizer como um vírus vai mudar tem mais probabilidades de desenhar vacinas e tratamentos que possam ser úteis não só para o vírus que estamos vendo agora, mas também para os que pensamos que poderão vir no futuro.

Mas o otimismo não significa certeza. É claro que haverá vacinas, mas não sabemos se serão eficazes. Quando saberemos? Levará meses.

Primeiro, temos que provar seu efeito em modelos animais. Necessitamos desses dados pré-clínicos antes de saltar à clínica, ou seja, ao seu teste em humanos. Na melhor das hipóteses, se supusermos que as pesquisas foram iniciadas no começo deste ano, será preciso levar em conta que o tempo mínimo necessário para provar a eficácia e a segurança de uma vacina são dois anos, no mínimo. E isto é um tempo recorde, pois normalmente as vacinas demoram de cinco a dez anos para chegar ao mercado e serem utilizadas. É verdade que neste caso se está falando em um ano ou um ano e meio, mas eu sou mais conservadora, parece-me que antes de um ano e meio ou dois anos é praticamente impossível. Em alguns casos, com vacinas com as quais já se trabalhou antes em modelos pré-clínicos e se sabe que são seguras, alguns passos estão sendo saltados, mas há uma fase que são a 1 e a 2, as fases em que se testa a segurança e a eficácia em humanos, que exige um estudo em uma série de pessoas com o passar do tempo para saber com certeza que são seguras. E não há forma de fazê-lo a não ser deixar passar esse tempo de segurança. Pode-se reduzir, mas isso tem seus riscos. Podemos como sociedade assumir esse risco, entendo que estamos em uma situação muito complicada e provavelmente o faremos, mas estas fases foram concebidas para que os tratamentos e vacinas que cheguem às pessoas sejam os mais seguros possíveis, e eu acredito que seja muito importante respeitar essa ordem e esse ritmo, dentro do qual será preciso fazer o possível para ter uma solução o quanto antes. Mas há tempos que não podem ser reduzidos, e fazê-lo não seria uma boa ideia.

Nuria Izquierdo-Useros é doutora em biologia, chefa do grupo de agentes patogênicos emergentes da IrsiCaixa.

Pergunta envida via e-mail por Paula Martín.

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