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Ciência tenta responder ao maior enigma sobre o coronavírus: a imunidade

Pesquisadores querem descobrir quanto tempo dura a proteção contra o vírus depois de uma infecção e se ela pode ser reativada

Nuño Domínguez
Una mujer llora después de una extracción de sangre durante una prueba de coronavirus en Lima (Perú).
Mulher chora depois de coleta de sangue durante um teste de coronavírus em Lima, Peru.Rodrigo Abd (AP)
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Nesta semana, um dos países que melhor está contendo a pandemia do coronavírus forneceu um dado preocupante. O Centro de Controle de Doenças da Coreia do Sul informou que até 116 pacientes que eram considerados curados voltaram a dar positivo alguns dias depois. O país está analisando esses casos e não deu mais dados.

Algo relacionado com isso está acontecendo em hospitais espanhóis, onde um bom número de pacientes apresenta resultados negativos no principal teste de diagnóstico, o PCR, embora já tenham sinais da doença, segundo dados da Sociedade Espanhola de Imunologia coletados em vários centros hospitalares.

Essas observações levam a uma pergunta que ainda não tem resposta: qual é a reação do sistema imunológico ao novo coronavírus? Duas outras incógnitas fundamentais derivam dela. Uma pessoa pode se contagiar duas vezes? Durante quanto tempo ficará imune ao vírus depois que tiver superado a infecção?

Os coronavírus humanos mais parecidos com o SARS-CoV-2 são o SARS que surgiu em 2002 e o MERS de 2012. Um estudo mostrou em 2006 que pessoas que tiveram SARS e foram curadas tinham anticorpos contra o vírus no sangue dois anos depois. No caso do MERS, eram até três anos. A dúvida é se esses anticorpos continuam sendo capazes de localizar e eliminar o vírus.

Não se sabe quanto tempo dura a imunidade de uma pessoa ao SARS-CoV-2. A razão fundamental é que a China lançou o primeiro alerta sobre a epidemia há apenas três meses e meio, não passou tempo suficiente. Além disso, muitos países estão tendo complicações para desenvolver os testes sorológicos necessários.

Por que existem pacientes com lesões pulmonares e sintomas que dão negativo e outros curados que dão positivo? Existem muitas explicações mais prováveis do que a reinfecção, explica África González, presidenta da Sociedade Espanhola de Imunologia. “Existem estudos recentes na China que indicam que a sensibilidade do PCR é de cerca de 67%”, aponta. Essa sensibilidade, de acordo com esse estudo realizado com 173 pacientes, cai para 54% a partir do oitavo dia depois do início dos sintomas e para 45,5% entre o 15º e o 39º dia.

“As cargas virais em amostras do trato respiratório superior são muito mais baixas do que as das amostras inferiores, a liberação de cargas virais de pacientes em diferentes etapas de infecção tem ampla variação, a coleta de amostras em cotonetes de alta qualidade requer pessoal qualificado, os reagentes do PCR de diferentes fontes apresentam alta variabilidade”, detalha. “Os casos de reinfecção podem ser possíveis, mas certamente anedóticos. O mais provável é que se trate apenas da persistência do vírus em alguns pacientes, que pode ser superior a 25 dias”, acrescenta. A maneira de evitar esses falsos positivos seria realizar um teste de anticorpos complementar que permitisse elevar a sensibilidade do teste para 100% depois de 15 dias de doença.

Na Espanha, no momento não há registros de casos de reinfecção, segundo técnicos do Ministério da Saúde, que esperam que isso não seja possível devido à geração de anticorpos.

Quando qualquer vírus entra no corpo, duas linhas de defesa do sistema imunológico são ativadas. A primeira é inata, nós a temos desde que nascemos e consiste principalmente de macrófagos, células devoradoras que se lançam às cegas contra qualquer invasor, o engolem e o desmembram. Ao mesmo tempo é ativada a segunda linha de defesa, a adaptativa, que é específica para cada patógeno. Nessa tropa de elite estão os anticorpos, proteínas que receberam um retrato falado do vírus: um fragmento da sequência de seu genoma chamado antígeno. Quando encontram esse fragmento, que pode ser uma das proteínas que recobrem o vírus, se ligam a ela e evitam assim que a partícula viral contagie outra célula e iniciam o processo para destruí-la.

Contra o coronavírus são produzidos primeiramente os anticorpos IgM –sigla de imunoglobulina M– que são os primeiros a chegar, mas também os menos específicos. Uma segunda onda chega com os IgG, cujo conhecimento e afinidade pelo vírus são maiores. “De acordo com os estudos publicados até agora, sabemos que os IgM aparecem entre sete e 12 dias depois do surgimento dos primeiros sintomas da covid-19”, explica Francisco Borrego, chefe de imunopatologia do Hospital Cruces, em Baracaldo. “Enquanto isso, os anticorpos IgG começam a ser detectáveis a partir do 14º dia”, acrescenta.

É muito cedo para saber durante quanto tempo esses anticorpos permanecem no sangue e são funcionais. De acordo com um estudo de 173 pacientes realizado na China e publicado no final de março, os IgM e IgG permanecem presentes por até 39 dias após o início dos sintomas. É o máximo observado até agora.

A chave da imunidade pode estar em outro tipo de célula imunológica: os linfócitos T, outro componente da resposta imune adaptativa. Um linfócito pode identificar e destruir uma célula infectada, reconhecer o vírus e matá-lo, lembrar-se de uma ou várias de suas proteínas para que depois de meses, anos e inclusive até a vida inteira, possa voltar a identificá-lo e matá-lo. Por enquanto, as informações sobre os linfócitos T na covid-19 são praticamente inexistentes.

“Em geral, podemos dizer que se foram gerados anticorpos IgG também foram criados linfócitos T contra o vírus”, explica Manel Juan, imunologista do Hospital Clínico de Barcelona. “Estudar os linfócitos é complicado metodologicamente porque você precisa isolá-los do sangue e mantê-los vivos, confrontá-los com um antígeno do vírus, incubar a mistura e observar a resposta. Até agora estivemos sobrecarregados com o dia a dia e era impossível fazer isso. Esperamos que na próxima semana, se não houver um aumento no número de casos, possamos obter os primeiros dados de pacientes sobre isso”, explica.

Algo semelhante acontece com os anticorpos. “Detectá-los no sangue não significa que sejam protetores, nem todos bloqueiam a entrada do vírus”, adverte África González. “Estudar se um anticorpo é neutralizante é algo complexo; você precisa de células infectadas com o vírus e trabalhar com o vírus vivo, algo ao alcance de poucos laboratórios na Espanha”, destaca. Nesse sentido, os testes rápidos não valem muito, pois apenas indicam se há ou não anticorpos, não se são ativos e funcionais.

Existem observações preliminares de que o vírus pode atacar e desativar os linfócitos T. Um dos marcadores que podem indicar que um paciente desenvolverá covid-19 grave é a queda de linfócitos. “Esta doença é um desafio porque vemos que o vírus é capaz de inibir a resposta imune adaptativa”, diz May Villar, chefe de imunologia do Hospital Ramón y Cajal, em Madri. “Por isso é importante usar com muito cuidado alguns tratamentos imunossupressores que podem piorar as coisas, como já se viu com o interferon”, destaca.

“Se você foi infectado e passou a infecção, sua memória imunológica provavelmente durará, embora sempre vá se desvanecendo”, explica a virologista Margarita del Val, do Centro de Biologia Molecular Severo Ochoa (CBMSO-CSIC). Seu laboratório é um dos que iniciará testes com vírus vivos para avaliar a eficácia dos anticorpos e linfócitos extraídos dos pacientes. “O fator mais importante é que, se se desvanece pouco ou muito, mas inclusive se for pouco e uma segunda infecção for possível, esta seria mais benigna”, diz. A exceção a isso são alguns flavivírus, como a dengue, que em poucas pessoas causam uma segunda infecção mais intensa, “mas não há razão para pensar que este coronavírus seja assim”, detalha. A pesquisadora espera ter resultados até o fim do ano, embora em relação a esse assunto não seja possível encurtar o tempo: é preciso acompanhar os pacientes recuperados durante meses, ou anos.

Esses estudos são essenciais para explicar se todos os infectados pelo coronavírus, inclusive os assintomáticos, desenvolvem linfócitos de memória que dariam imunidade a longo prazo. No momento, com base em estudos com outros patógenos, a resposta é sim, aventura Juan. “Sabemos que quando você dá uma vacina a uma pessoa, ela não gera a doença, mas produz linfócitos T”, destaca, mas acrescenta que, geralmente, a resposta imune é mais forte e duradoura quanto mais grave for a infecção.

Ainda existe outra pergunta crucial: quantas pessoas foram infectadas? É impossível saber sem realizar um teste sorológico para anticorpos. Segundo Juan, o ideal seria fazer esse teste em toda a população espanhola ou pelo menos em uma grande proporção. Esse não é o plano do Governo, que no momento considera fazer um estudo aleatório em cerca de 30.000 famílias.

“Tecnologicamente, poderíamos ter feito um teste em quase todo mundo se tivessem nos avisado com um mês de antecedência”, afirma Juan. “Se não foi feito, foi devido a uma questão regulatória e política. Preferiu-se comprar os testes de uma empresa homologada que oferecesse o melhor preço. Isso não funcionou em um contexto como o atual, porque os países fabricantes preferiram manter seus estoques. Em nosso hospital, tínhamos comprado testes da Alemanha, mas eles ficaram com os testes. Agora estamos desenvolvendo o nosso”, acrescenta.

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