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“O vírus vai parar quando houver imunidade populacional”

O chefe de microbiologia do hospital Vall d’Hebron de Barcelona teme que, no longo prazo, o coronavírus sofra mutações e escape da pressão imunológica

O médico Tomàs Pumarola, chefe de microbiologia do hospital Vall d’Hebron de Barcelona.
O médico Tomàs Pumarola, chefe de microbiologia do hospital Vall d’Hebron de Barcelona.MASSIMILIANO MINOCRI
Jessica Mouzo

A pandemia do coronavírus obrigou a população a fazer um mestrado intensivo em microbiologia. Antígenos, anticorpos e reação em cadeia de polimerase (PCR) foram incorporados ao vocabulário comum. Tudo isso para entender quais e quantos testes de detecção existem para a Covid-19 e como funcionam. Conhecer a dimensão real da pandemia e o nível de imunização da população é o que mobiliza a comunidade científica. E também encontrar uma vacina e continuar desvendando os segredos desse microrganismo com forma de coroa.

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Esses são os desafios de Tomàs Pumarola, chefe do serviço de microbiologia do hospital Vall d’Hebron de Barcelona, (Barcelona, 62 anos). Nesta crise sanitária, mais de 15.000 PCR passaram por suas mãos. E ele estuda de perto as possibilidades de outros testes de detecção no mercado. “Existem três técnicas, uma lenta e duas rápidas: a PCR, o teste de antígenos e o teste de anticorpos”, afirma.

A PCR, o teste “de referência”, é a mais lenta (o resultado demora cinco horas) e exige equipes técnicas e profissionais especializados, mas também é a mais confiável. O teste de antígenos é mais rápido (15 minutos) e não demanda grandes recursos humanos e técnicos, mas sua sensibilidade é baixa: entre 30% e 40% nos primeiros dias de infecção, o que significa que, se der negativo, é necessária uma PCR para confirmação. Os testes de anticorpos são ágeis e têm uma sensibilidade de 80%, mas apenas seis ou sete dias após a pessoa desenvolver o quadro clínico.

Pergunta. Qual é a melhor técnica?

Resposta. Depende da pergunta que você tiver. Para fazer o diagnóstico do paciente que chega na emergência do hospital, o melhor é a PCR. Se não disponho de um laboratório para fazer a PCR e [o paciente] chega nos três primeiros dias, posso ter uma técnica mais simples, que é o teste de antígenos. Se o teste de antígenos der negativo, posso encaminhar essa amostra a um laboratório que faça PCR. Outra utilidade da PCR, além do diagnóstico, é saber quantas pessoas sem sintomas são portadoras do vírus no aparelho respiratório. Onde o anticorpo terá utilidade é em saber quem passou à infecção e quem não, quem está protegido e quem não está.

“Se o vírus contagiar apenas 10% das pessoas, após o desconfinamento continuará infectando”

P. Nesta situação de pandemia, o que é mais urgente saber?

R. Neste momento, no desconfinamento, o que mais nos interessa saber é quantas pessoas foram infectadas pelo vírus. Isto permitirá estabelecer modelos de previsão sobre quanto tempo tudo isso ainda vai durar. O vírus vai parar quando tiver infectado um número determinado da população, quando houver imunidade populacional. Se detectamos que 30% da população está infectada, é provável que deixe de infectar durante um tempo. Se apenas 10% da população se infectou, é possível que, quando iniciarmos o desconfinamento, o vírus continue infectando.

P. Quanto dura a imunidade?

R. Ainda não sabemos. Não sabemos se a pessoa que tem anticorpos está protegida. Assumimos que sim, mas não sabemos, e tampouco durante quanto tempo. Há várias perguntas: esses anticorpos estão me protegendo? Quanto tempo vão durar no sangue? Será preciso esperar até que tenhamos meses de experiência. No entanto, imaginemos que estarei protegido durante dois anos. Nesse caso, o vírus vai mudar?

P. Os coronavírus sofrem muitas mutações?

R. São vírus de RNA, têm muita variabilidade. Têm diferentes graus de estabilidade. É preciso considerá-los com muita precaução. Temos as experiências do SARS e do MERS: o MERS não mudou e o SARS durou apenas seis meses. O que não podemos dizer é que não teremos este problema. O que é preciso fazer é vigiar o vírus e ver se, ao longo do tempo, ele será capaz de mudar.

Agora não vai mudar. Quando um vírus entra numa pessoa com anticorpos, estes o obrigam a sofrer mutação para sobreviver. Agora o coronavírus está entrando em pessoas que não têm anticorpos e não precisa mudar. Mas, quando começar a reinfectar as pessoas com anticorpos, estes vão pressioná-lo muito para que mude. É a pressão imunológica.

“A chave é a vacina: se ela nos proteger a todos, poderemos eliminar o vírus”

Quando tiver infectado um número importante da população e tiver dificuldade de infectar mais, [o vírus] desaparecerá e voltará a aparecer mais tarde. Se houver um nível alto da população com proteção, cada vez será mais difícil para ele, e é possível que desapareça ou não. A chave é a vacina. Se ela conseguir proteger 100% de nós de forma duradoura, conseguiremos eliminar o vírus definitivamente, como fizemos com a varíola. Mas se a vacina não for 100% efetiva e o vírus for mudando, teremos que conviver com ele, com uma malignidade muito menor.

P. O que chegará antes: a vacina ou a imunidade?

R. Ainda levaremos um ano para a vacina. Veremos. Dependerá da indústria e do vírus. De saber se as proteínas do vírus que estou usando para fazer a vacina serão suficientes para gerar uma resposta imunológica ou não. Há vacinas da proteína do microrganismo que induzem muito mal a resposta imunitária, como o meningococo B. Este pode ser o principal gargalo para conseguir a vacina. Com outros coronavírus, a resposta imune tem sido baixa. Também é certo que temos metodologias que nos permitem potencializar a resposta imune.

P. Quando começaremos a frear o vírus?

R. Não sabemos quando ele começará a ter dificuldades. Dependerá muito de vários fatores. Por exemplo, se os anticorpos das pessoas infectadas são muito protetores ou não. O coronavírus do SARS foi muito agressivo e desapareceu. O MERS é muito agressivo, mas sua transmissão é baixa. E há outros quatro coronavírus que nos afetam todo ano de uma forma leve e habitual. Existe muita variabilidade. Os vírus são imprevisíveis.

P. Mas este veio para ficar?

R. Depende dos anticorpos e da transmissibilidade. O vírus do SARS era transmitido quando a pessoa estava doente, e era fácil delimitar a infecção. Este é transmitido por pessoas doentes e sadias.

P. Este vírus afeta não apenas os pulmões, mas também os rins e o coração.

R. Este vírus é um disparador: o que gera uma lesão grave não é ele, mas o sistema imune, que reage de forma anômala ao vírus. É a hiperativação do sistema imune que nos leva à UTI.

Quando o vírus entra, ativamos uma resposta imune que o neutraliza: a sensação de mal-estar, cansaço e febre é a resposta imune. Controlamos o vírus, o eliminamos e saramos. Mas há um pequeno número de pessoas cuja resposta não é capaz de neutralizar o vírus, e este continua se multiplicando. Aí o organismo responde ativando mais a resposta imune, e cria-se um círculo que gera uma hiperativação do sistema imune, que nos leva à UTI.

P. O que falta saber sobre o coronavírus?

R. Muitas coisas. O que mais tira o nosso sono, como microbiologistas, é qual será a sua capacidade de variação. Se ele será capaz de escapar da pressão imunológica após ter infectado 80% da população e começar de novo e processo. Nos preocupa muito que o vírus acabe tendo um comportamento similar ao da gripe.

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