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Como o novo coronavírus se propaga?

Cientistas investigam a possível transmissão aérea do vírus, que permanece horas nas moedas e dias sobre superfícies como torneiras

Manuel Ansede
Repórter entrevista a distância um motorista na fila de um 'drive-through' de testes da Covid-19, nesta sexta-feira, no Doris Ison Health Center em Miami.
Repórter entrevista a distância um motorista na fila de um 'drive-through' de testes da Covid-19, nesta sexta-feira, no Doris Ison Health Center em Miami.Wilfredo Lee (AP)
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17/03/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
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Quando os Beatles lançaram sua canção Love me do, o sarampo causava epidemias que matavam cerca de dois milhões de pessoas por ano. Pouco depois, em 1963, chegou a primeira vacina contra essa doença. Era e é o pior pesadelo de um epidemiologista: um vírus grave que se propaga pelo ar. Cada pessoa com sarampo pode contagiar outras 15, através da tosse e espirros que deixam o vírus flutuando por algumas horas. Qualquer um pode se contagiar ao atravessar essa nuvem invisível. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defendeu até agora que esse não parece ser o caso do novo coronavírus, que flutuaria menos por ser mais pesado que o sarampo.

O atual agente patogênico, porém, é suficientemente contagioso para passar de um punhado de casos em dezembro a uma pandemia mundial em março. Calcula-se que cada pessoa infectada transmita o vírus a outras duas ou três. Cientistas de todo o mundo trabalham para iluminar as vias de propagação do germe. Uma equipe do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA adverte que o novo coronavírus permanece três horas suspenso no ar, quatro horas no cobre das moedas, um dia inteiro no cartão bancário e de dois a três dias no plástico ou no aço inoxidável de uma torneira. O trabalho, cujos resultados preliminares foram divulgados há alguns dias, acaba de ser publicado na revista The New England Journal of Medicine.

As autoridades sanitárias insistem em que essa permanência de três horas em aerossóis não implica que o novo coronavírus se propague como o sarampo. O acompanhamento dos primeiros pacientes nos EUA incluiu a investigação de todo o seu entorno. Os resultados mostraram que a taxa de infecções sintomáticas entre pessoas que moravam no mesmo apartamento mal superava 10%, como também se está vendo na Espanha, onde, por exemplo, o presidente do Governo (primeiro-ministro) Pedro Sánchez não deu positivo, apesar de sua esposa, Begoña Gómez, ter adoecido. O estudo norte-americano, publicado pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), mostra também uma taxa de contágio de 0,45% entre outros contatos próximos fora do lar.

Um relatório da OMS sobre a situação na China em 24 de fevereiro não confirmava nenhum caso de transmissão aérea. Lugares como os elevadores não parecem ser uma das principais vias de propagação do vírus. Já o último relatório técnico do Ministério da Saúde da Espanha, atualizado nesta terça-feira, afirma que “acredita-se” que a transmissão aérea ou por aerossóis, a mais de dois metros, “poderia ocorrer durante a realização de procedimentos médicos invasivos do espaço respiratório”. Durante a epidemia da primeira síndrome respiratória aguda grave (SARS), em 2003, já havia sido constatada a presença do vírus no ar dos quartos dos doentes hospitalizados. Nesta terça-feira, Fernando Simón, diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, reconheceu que 455 dos 11.178 casos confirmados naquele dia na Espanha (4%) eram profissionais da saúde.

A OMS continua defendendo que “o vírus causador da Covid-19 é transmitido principalmente por contato com gotículas respiratórias, mais do que pelo ar”. Estas gotas, lançadas por uma pessoa infectada ao tossir, respirar ou falar, aterrissam rapidamente sobre os objetos do entorno, onde são recolhidas pelas mãos por outras pessoas, que se contagiam ao tocar os próprios olhos, nariz ou boca. Esse mecanismo e a possibilidade de inalar no ar uma gota recém-lançada justificam as principais recomendações sanitárias: lavar as mãos frequentemente, tossir no cotovelo, não tocar o rosto e manter-se a uma distância de um a dois metros de outras pessoas.

Alguns especialistas, como o epidemiologista britânico Paul Hunter, pedem cautela na hora de interpretar o tempo que o novo coronavírus passa suspenso no ar. Os cientistas do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA utilizaram um nebulizador para gerar aerossóis― partículas diminutas suspensas no ar― do vírus, mas Hunter insiste que no mundo real o agente patogênico viaja em gotas maiores. “As gotas caem do ar com bastante rapidez comparadas com os aerossóis, de modo que o risco continua sendo permanecer a aproximadamente um metro de uma pessoa infectada ou tocar superfícies onde gotas tenham caído”, explicou Hunter, da Universidade de East Anglia (Reino Unido), ao site especializado Science Media Centre.

Há mais motivos para otimismo. Uma análise dos quartos de dois pacientes com Covid-19 hospitalizados em Singapura não detectou o vírus no ar nem nas superfícies após uma limpeza rotineira. O quarto de um terceiro infectado, onde foram colhidas amostras antes da faxina, estava salpicado de vírus, mas não no ar. O trabalho, assinado por cientistas do Centro Nacional de Doenças Infecciosas de Singapura, saiu no começo deste mês na revista médica JAMA.

Outra equipe de pesquisadores da Universidade de Wuhan, cidade chinesa que foi a origem da pandemia, também analisou 35 amostras colhidas nos boxes de UTI e quartos ocupados por doentes com Covid-19 em dois hospitais, sem encontrar o vírus no ar, exceto numa enigmática amostra aérea do banheiro de um dos pacientes. O novo coronavírus foi detectado em fezes de pessoas infectadas, mas nada indica que a contaminação fecal esteja sendo uma via relevante de propagação.

“Com os estudos disponíveis até o momento, temos confiança de que nossas orientações são as adequadas”, tranquilizou nesta segunda-feira a epidemiologista Maria van Kerkhove, da OMS. Conforme insiste a organização, as pessoas saudáveis não precisam usar máscara para andar na rua.

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