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As razões pelas quais deveríamos comer insetos

Trecho do livro ‘Um Cientista no Supermercado’, do pesquisador José Manuel López Nicolás

Degustação de insetos em Boston (EUA), em 2015.
Degustação de insetos em Boston (EUA), em 2015.Getty Images

Empurrei o carrinho para atravessar o tempo e nos plantarmos no futuro da alimentação. Desta vez, o responsável pela seção era um velho conhecido meu, que ficou famoso na adolescência por retornar ao futuro graças à ajuda de um cientista um tanto excêntrico, que tinha transformado um automóvel em uma máquina do tempo. Apresentei-o à minha mãe, que não estava muito convencida, e conversamos por alguns momentos.

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– Querem que lhes mostre nossa gama de alimentos do futuro? Nós os chamamos assim embora muitos deles já possam ser adquiridos hoje em dia. Outros ainda não. Mas não pensem que estou falando de bagas de goji, chlorella, quinoa, sementes de chia e outros produtos que chamam absurdamente de superalimentos. Refiro-me a outras coisas com mais rigor científico e que não prometem tantíssimos milagres. Comecemos pelos insetos: grilos, larvas, baratas, vermes etc..

– Poxa, filho, isso está me dando ânsias – disse ela, tentando se afastar, mas não me movi, disposto a continuar escutando.

– Uma grande parte da sociedade associa os insetos a sujeira ou doenças, e nem lhe passa pela cabeça comer estes seres vivos. Entretanto, o primeiro que devo lhes dizer é que os insetos podem ser criados em ambientes perfeitamente higiênicos e, cumprindo as normativas europeias de inocuidade alimentar, não representam nenhum risco à saúde. Mas eu entendo. É normal que a primeira cosa que expressem, ao ouvir falar de insetos comestíveis, seja nojo e rejeição.

Comida é cultura

Isto ocorre porque a aceitação dos alimentos não é só um termo relacionado ao seu valor nutricional, mas também o resultado da interação entre o alimento e o consumidor num momento determinado. Por um lado, intervêm as características do alimento (composição química e nutritiva, estrutura e propriedades físicas); por outro, as de cada consumidor (genéticas, de idade, estado fisiológico e psicológico); e, por último, as do entorno que o cerca (hábitos familiares e geográficos, religião, educação, moda, preço e/ou conveniência de uso). Todas elas influem em sua atitude no momento de aceitar ou rejeitar um alimento. Portanto, a consideração de um determinado produto como alimento tem um marcado caráter cultural, e isto poderia explicar por que algumas espécies de animais (insetos, caracóis, rãs, cães) são ou não consideradas comestíveis em diferentes culturas.

– Continua sem me convencer – defendeu-se minha mãe. – Talvez, se você me mostrar os seus insetos...

– Impossível, eles ainda não são encontrados nos supermercados. Explico-lhes a situação sobre o consumo de insetos porque muita gente não está bem informada. Até recentemente, sua comercialização na Espanha era totalmente proibida. Entretanto, a entrada em vigor do Regulamento Europeu 2015/2283, relativo aos novos alimentos, admite que os insetos inteiros e/ou suas partes possam ser incluídos em novas categorias de alimentos. Isto não quer dizer que seja permitido vender qualquer inseto, mas sim que as empresas já podem solicitar autorização da UE para incluí-los na lista de novos alimentos. Depois que os organismos pertinentes comprovarem que essas solicitações cumprem o que a legislação exige, incluindo, obviamente, tudo o que diz respeito à segurança alimentar dos insetos, será concedida sua autorização. Não pensem que esses trâmites são muito complicados. A Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) considera que, em geral, os riscos de comer insetos são similares aos de qualquer outra fonte proteica, por isso não parece que haverá muitos empecilhos à sua aprovação. Além disso, esse Regulamento abre a possibilidade de acelerar os trâmites de autorização caso se considere que os insetos avaliados são tidos como alimentos tradicionais em terceiros países. Para isso, é preciso que tenham sido consumidos sem problemas durante pelo menos 25 anos como parte da dieta habitual de um número significativo de pessoas. E, como vocês sabem, os insetos são consumidos há muitos anos em países não pertencentes à UE, principalmente da África, América, Ásia e Oriente Médio.

– Continuo intrigada. Que propriedades os insetos oferecem para que pensemos em incluí-los na dieta ocidental?

– Segundo a FAO – respondeu o antigo viajante no tempo – há várias razões principais pelas quais deveríamos comer insetos. A primeira são os aspectos nutricionais. Os insetos são uma boa fonte de nutrientes e uma alternativa a alimentos básicos como o frango, o porco, a carne bovina e inclusive o peixe.

O valor nutritivo dos insetos

Em linhas gerais, os insetos são uma boa fonte de energia e proteína de alta qualidade, atendem às necessidades de aminoácidos, têm altas quantidades de ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados e, além disso, são ricos em minerais (como cobre, ferro, magnésio, manganês, fósforo, selênio e zinco) e vitaminas (riboflavina, ácido pantotênico, biotina e às vezes ácido fólico). Há insetos cujo conteúdo em proteínas é semelhante ao de carnes “convencionais”, tanto em quantidade como em qualidade, já que contêm altíssima percentagem de aminoácidos essenciais. Porém, esse valor nutricional dos insetos depende não somente da espécie, mas também do momento da vida do inseto a ser consumido e da sua preparação culinária. Além disso, essas proteínas têm alta capacidade de formar géis, uma propriedade tecnológica muito importante na indústria alimentar.

– Há mais razões além das nutricionais para consumir insetos? – perguntei.

– Sim, as ambientais. Se tomarmos como referência os alimentos de origem animal, a produção de insetos necessita menos terreno e água, produz menos quantidade de amônia e emissões de metano, é eficaz na hora de transformar os alimentos em proteína... A título de exemplo, digo a vocês que, segundo a FAO, as vacas consomem 12 vezes mais alimentos que grilos para gerar a mesma quantidade de proteínas; as ovelhas consomem quatro vezes mais alimentos que os insetos, enquanto porcos e frangos consomem o dobro. Do meu humilde ponto de vista, os benefícios ambientais oferecidos pela inclusão dos insetos na alimentação ocidental são sua maior vantagem.

– Alguma razão a mais?

– Também os fatores econômicos e sociais são importantes, Toñi. Os insetos como nova fonte de alimentação podem ser uma oportunidade de desenvolvimento de algumas comunidades e uma linha de negócio.

– Quais você acha que serão os primeiros a serem autorizados?

– Atualmente foram documentadas quase 2.000 espécies diferentes aptas para o consumo humano. Se eu tivesse que apostar, apostaria na mosca, nos vermes da farinha, nos bichos-da-seda e nos grilos. Além disso, não é preciso comer os insetos de um em um – eles podem ser servidos em farofas, molhos ou sopas. Se quiserem, eu os anoto na lista para quando forem autorizados.

– Você me convenceu– respondi –, mas minha mãe ainda está em choque.

– Acompanhem-me. Nesta outra ala tenho as algas e as águas-vivas.

– Uffff... – Minha mãe começava a empalidecer.

– Por que essa cara de nojo? As algas são muito usadas na gastronomia oriental, e hoje em dia, devido à globalização, à popularização da comida japonesa e à disponibilidade cada vez maior de produtos nas lojas, abriram espaço nos supermercados espanhóis. São vendidas tanto de forma individual como na composição de sucos, barrinhas de proteínas, chips e outros alimentos. Sua principal propriedade é que têm uma textura e sabor especiais, que as tornam ideais como ingredientes para novas preparações gastronômicas. São habitualmente empregadas em molhos, caldos, liquidificados etc.. aliás, estou vendendo-as muitíssimo. Só que, no mundo das algas, nem tudo o que reluz é ouro. Muito já se escreveu a respeito de seus benefícios nutricionais, e nem tudo é verdade. Como exemplo, conto a vocês que as algas são a principal fonte de DHA (um ácido graxo ômega-3) vegetal. Entretanto, não é verdade que sejam uma boa fonte de vitamina B12 para os humanos (nem sequer no caso da espirulina); tampouco são ricas em proteínas. (a wakame tem apenas 3 g por cada 100 g, enquanto a nori possui o dobro); nem são recomendáveis para curar a anemia (não são ricas em ferro). Além disso, seu alto conteúdo em iodo pode ser perigoso para pessoas com problemas de tireoide ou para crianças e grávidas. De modo que minha opinião é que comprem as algas que lhes ofereço na minha seção, mas sem procurar nelas uma solução para suas necessidades nutricionais, e sim complemento para seus gostos culinários.

– Você me convenceu – reconheceu minha mãe –. Mas das águas-vivas não quero nem ouvir falar.

– Como não? Nas nossas costas mediterrâneas temos um grave problema com as águas-vivas, e não somente por dificultarem o banho dos que lá veraneamos. Nos últimos anos, a proliferação destes animais marinhos pertencentes ao filo Cnidária, mais conhecidos como celenterados, tornou-se um problema para a pesca. Por isso a FAO recomendou desenvolver produtos alimentícios à base de águas-vivas para frear sua repentina aparição e a redução das populações de peixes observada no Mediterrâneo e no mar Negro. O consumo de águas-vivas, que apareceram há 500 milhões de anos, não é nada de novo em muitos países. São habitualmente consumidos na China, Indonésia, Coreia, Japão e Tailândia, países onde são incorporados a aperitivos, saladas ou sopas. As espécies asiáticas se parecem bastante com alguns tipos das encontradas no Mediterrâneo (corpo gelatinoso com forma de sino, do qual pende um apêndice tubular, com a boca no extremo inferior, às vezes prolongado por longos tentáculos carregados com células urticantes), por isso seria possível obter águas-vivas comestíveis em águas espanholas. Eu as provei e adoro seu gosto de mar e sua textura suave e crocante. Inclusive há restaurantes que em seu menu têm várias opções: salada com água-viva, chorão-do-mar e wakame; rabada de boi com água-viva de guarnição; tempurá de água-viva; licor de água-viva...

– Nem louca.

JOSÉ MANUEL LÓPEZ NICOLÁS é catedrático de Bioquímica e Biologia Molecular pela Universidade de Múrcia e autor do blog Scientia e do recém-lançado livro ‘Un Científico en el Supermercado’, inédito no Brasil.

Bibliografia:

‘Edible Insects. Future Prospects for Food and Feed Security’. FAO 2013.

'Insectos en Tu Plato, una Realidad Cada Vez Más Cercana’. Blog de Beatriz Robles. 2018.

‘El Peligro de que nos Gusten los Gusanos’. Planeta Futuro. Carlos Laorden.

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