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De olho na reeleição, Bolsonaro se filia a um dos partidos que prometia combater

Presidente se une ao PL e põe de lado o discurso antipolítica que o levou ao poder para enfrentar o ex-presidente Lula e o ex-juiz Sergio Moro nas urnas daqui a 11 meses

El presidente Bolsonaro saluda a sus seguidores
Bolsonaro cumprimenta seus seguidores em Brasília após o ato em que se filiou ao Partido Liberal, nesta terça-feira.EVARISTO SA (AFP)
Naiara Galarraga Gortázar

O presidente Jair Bolsonaro deu nesta terça-feira o primeiro passo formal para concorrer à reeleição em 2022. Sem partido desde 2019, o ultradireitista, de 66 anos, afinal se filiou a uma sigla da velha política, presidida por um corrupto sentenciado, depois de fracassar na tentativa de criar uma formação sob medida para si, mais ideológica. É o nono partido onde milita. Nem Bolsonaro nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 76 anos, formalizaram suas candidaturas até agora, mas estão todos em plena campanha eleitoral. E a incorporação do ex-juiz Sérgio Moro, de 49 anos, torna a disputa ainda mais interessante.

Faltam 11 meses para as eleições —os dois turnos estão marcados para outubro—, e a classe política brasileira está em efervescência. Tudo é lido em chave eleitoral: Lula multiplica os contatos em busca de aliados de centro-direita, enquanto tuita sobre os feitos dos quatro mandatos do PT na presidência; Bolsonaro modera o tom e vai pulando de inauguração em inauguração; Moro acaba de lançar um livro no qual relata sua versão sobre o que o levou a entrar e sair do Governo do ex-capitão.

O ato de filiação de Bolsonaro ao Partido Liberal (PL) aconteceu em Brasília. “Tiramos o Brasil da esquerda. O verde-amarelo prepondera sobre o vermelho”, declarou Bolsonaro em seu discurso. Os aplausos foram mornos. Seu filho Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, que também tomou a palavra como novo afiliado do PL, fez o papel de pitbull do clã. Exibiu as credenciais conservadoras da família, defendeu as armas e atacou os principais adversários de seu pai: “Vamos vencer o vírus, vencer qualquer traidor e qualquer ladrão de nove dedos”, proclamou, em referência ao ex-ministro Moro e a Lula, que perdeu o dedo mínimo da mão esquerda quando era torneiro mecânico. Flávio Bolsonaro investiu muito mais contra o ex-magistrado do que contra o petista. Moro, afinal, é um rival direto que corteja os bolsonaristas arrependidos.

Pela primeira vez, uma pesquisa do Atlas Político mediu o impacto da entrada do ex-juiz da Lava Jato na disputa. Na simulação de primeiro turno, Lula continua na frente (42% das intenções de voto), seguido de Bolsonaro (31%) e Moro (13%), e derrotaria qualquer um deles no segundo turno, segundo o levantamento do instituto divulgado nesta terça-feira. De todos os modos, sempre cabem surpresas. Que o diga Bolsonaro, que viu Lula ser afastado pelos juízes na eleição anterior, ou o próprio Lula, cujas condenações foram posteriormente anuladas.

O ex-capitão disputou as eleições de 2018 com um discurso antipolítica, atacando as elites dirigentes e os corruptos que zelam por seus próprios interesses e não os do povo. Com sua filiação ao PL, Bolsonaro enterra aquela retórica e retorna de vez ao centrão, uma constelação de formações sem ideologia, lideradas por caciques que dão apoio parlamentar em troca de cargos públicos com suculentos orçamentos. Ao lado do Bolsonaro no evento estava o presidente do PL, um símbolo da classe política que ele prometeu eliminar: o deputado Valdemar da Costa Neto, condenado e encarcerado no escândalo do mensalão, uma trama na qual o PT fazia pagamentos a parlamentares em troca de votos.

Perante o crescente desgaste pela pandemia e a crise econômica, Bolsonaro teve que renunciar à ala mais radical e ideológica de seu Governo, substituindo-a por representantes do centrão. Estes sócios, além de abrirem o caminho aos seus projetos legislativos, fecham as portas a um impeachment. O centrão sempre esteve aí, preparado a ajudar o presidente da vez e a cobrar pelo favor.

Com os olhos voltados aos seus seguidores mais fiéis, Bolsonaro dedicou seu discurso a justificar esse contorcionismo político: “Ninguém faz nada sozinho, e tudo é possível. O futuro pertence só a Deus”. O núcleo duro dos bolsonaristas, que lhe perdoa até o caos na gestão da pandemia, costuma se refugiar em teorias conspiratórias. Seu argumento é que Bolsonaro tem vontade de sanear a política, mas forças ocultas o impedem.

O próximo presidente receberá um país em crise profunda. A inflação (10,7%) supera os dois dígitos pela primeira vez em um quarto de século, a renda dos trabalhadores caiu, e o desemprego retrocede (12%), mas ainda há mais de 13 milhões de desempregados. O Auxílio Brasil, novo programa de Bolsonaro contra a pobreza, que substitui o Bolsa Família, já começou a ser pago. A intenção é aumentar o bônus e que chegue a milhões de novos beneficiários, mas ainda não está claro como isso vai se encaixar nas contas públicas. Bolsonaro dedica o maior empenho ao Auxílio Brasil porque é sua principal cartada para conseguir votos no Nordeste, a região pobre onde o PT manteve sua primazia inclusive nos piores momentos.

O ódio ao ex-presidente Lula se moderou, e tanto Bolsonaro como Moro têm hoje mais detratores. É provável que as próximas eleições presidenciais sejam decididas no Brasil mais por rejeição que por afinidade.

No flanco da política externa, a questão ambiental aumenta a pressão sobre Bolsonaro. E o recente aumento do desmatamento em 22% complica ainda mais o tortuoso processo de ratificar o acordo comercial assinado entre o Mercosul e a União Europeia.

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