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Moro se lança à presidência com discurso quatro anos atrasado

Ex-ministro de Bolsonaro e ex-juiz da Lava Jato tenta se viabilizar como terceira via com mais foco no combate à corrupção do que na economia ou na fome, temas que se tornaram prioritários nas agendas política e social

O ex-ministro Sergio Moro em discurso durante seu ato de filiação ao Podemos.
O ex-ministro Sergio Moro em discurso durante seu ato de filiação ao Podemos.ADRIANO MACHADO (Reuters)

O ex-juiz Sergio Moro lançou sua pré-candidatura à Presidência da República nesta quarta-feira com um discurso velho, que serviria a um Brasil de quatro anos atrás. Na fala durante seu ato de filiação ao partido Podemos, o ex-juiz da operação Lava Jato deu maior destaque ao combate à corrupção do que a outros temas que, atualmente, preocupam mais a população brasileira. Acabar com os desvios da classe política foi um dos principais motes de campanha de Jair Bolsonaro em 2018, que resultaram na ida de Moro para o Ministério da Justiça. Ele se desligou do cargo no ano passado após acusar o mandatário de interferência na Polícia Federal em prol dos filhos e depois de ter visto de perto a desarticulação mecanismos de controle da corrupção, incluindo o esvaziamento da própria operação que o fez famoso.

Em 50 minutos de discurso, Moro citou 19 vezes as palavras corrupção ou anticorrupção. Enquanto que outros temas que são preocupações prementes dos cidadãos foram muito menos abordados. O ex-ministro falou da pobreza oito vezes. Economia apareceu quatro vezes em sua fala. Saúde e inflação, 3 vezes cada. E fome, apenas duas. As falas vão no sentido contrário do que esperam os eleitores. Pesquisa Genial Quaest divulgada nesta quarta-feira mostra que para 48% da população, o principal problema do país é a economia. Na sequência aparecem a pandemia de coronavírus (17%), problemas sociais (13%) e só então vem a corrupção (9%).

“Precisamos falar sobre corrupção. Muitos me aconselharam a não falar sobre o assunto, mas isso é impossível”, declarou. O ex-ministro também defendeu temas polêmicos para a classe política, como a extinção da reeleição para cargos no Poder Executivo e do foro privilegiado para políticos com mandatos. “O foro privilegiado tem blindado políticos e autoridades da apuração de suas responsabilidades”, declarou. “Devemos admitir que [a reeleição é uma experiência que não funcionou em nosso país. O presidente, assim que eleito, começa, desde o primeiro dia, a se preocupar mais com a reeleição do que com a população, está em permanente campanha política. E ainda tem o risco de gerar caudilhos, populistas ou ditadores, de esquerda ou de direita”, completou, emulando o discurso do próprio Bolsonaro, quando candidato —o presidente agora tentará seu segundo mandato.

Ainda reafirmou que é a favor da prisão após a condenação em segunda instância. Este, é, ao lado do pacote anticrimes e das dez medidas contra a corrupção, um dos temas que Moro não conseguiu avançar no período em que foi ministro, entre janeiro de 2019 e abril de 2020. “Meu nome sempre estará à disposição do povo brasileiro. Não fugirei dessa luta, embora saiba que será difícil”, afirmou.

Em nenhum momento, o ex-juiz da Lava Jato tratou na sua fala o fato de ter sido considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal para julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e retirá-lo das eleições de 2018. Tampouco tratou das denúncias reveladas pela Vaza Jato, que mostram uma ação articulada entre ele, enquanto magistrado, e os procuradores que atuavam na operação.

Ele tenta se viabilizar como um nome de uma congestionada terceira via que já tem ao menos outros dez postulantes. Nas últimas pesquisas, ele aparece como o mais bem colocado neste campo. Varia de 7% a 8% das intenções de voto a depender do cenário, conforme mediram a Genial Quaest e a Poder Data. Todos os cenários têm o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como líder, girando em torno de 35% a 48%, e Bolsonaro em segundo, de 21% a 28%.

O objetivo é que Moro navegue nesse meio termo, conforme explicou a maior liderança do Podemos no Congresso, o senador Álvaro Dias. “Aqui estamos para dizer não à beligerância política, para rejeitar o ódio, para abraçar a construção de um futuro melhor. Estamos para dizer que o confronto da extrema esquerda com a extrema direita dá a vitória ao caos”.

Mirando o terreno que disputará no próximo ano, caso confirme sua candidatura, o ex-ministro preferiu centrar suas críticas a Bolsonaro do que a Lula. É no eleitor de centro-direita que ele está de olho. Ele lembrou que as propostas anticorrupção feitas pelo atual presidente foram deixadas de lado. E sem citar nomes, enviou recados ao seu antigo chefe, um defensor do armamentismo e um negacionista da ciência. Disse que suas “únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça”. E prometeu tratar bem a imprensa, ao contrário do que faz Bolsonaro. “Chega de ofender ou intimidar jornalistas. Eles são essenciais para o bom funcionamento da democracia”.

As referências indiretas à Lula e apareceram quando ele falou que não pretende impor nenhum controle aos meios de comunicação e quando tratou dos desvios de recursos na Petrobras. Moro usou um bordão que costumava ser usado por Lula: “‘nunca antes na história deste País” a petroleira foi tão saqueada. Também disse que o alto índice de desemprego começou já na época do Governo do PT.

A filiação de Moro ao Podemos ocorreu em um auditório ocupado por cerca de 700 pessoas no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. Aparentemente, a maioria dos presentes era de classe média, branca e estava bem dividido entre homens e mulheres. Poucos negros ocupavam o auditório. Entre representantes da classe política, estava a linha de frente de antigos bolsonaristas, como os deputados Joice Hasselmann (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP), Junior Bozella (PSL-SP), os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), e o ex-candidato ao Governo do Distrito Federal o general Paulo Chagas. Também estava neste grupo o empresário Paulo Marinho (PSDB-RJ), suplente do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ)

Durante todo o momento, ele leu o seu discurso em um teleprompter. Só escapou do roteiro uma vez, quando foi provocado pelo público, após dizer que era necessário dar um basta em mensalões, petrolões e rachadinhas. E emendou: “Chega de orçamento secreto!”. Era uma referência às emendas ao Orçamento geral da União em que parlamentares indicam anonimamente onde o recurso público deve ser investido. O ex-ministro não concedeu entrevista coletiva. Ao final do encontro, assinou sua ficha de filiação e posou para fotos com dezenas de pessoas que o cercavam.

Algumas das imagens feitas para o material de campanha mostram um Moro com feições sérias e olhando para o alto, como se buscasse uma luz divina. No vídeo apresentado pouco antes de seu discurso, ele caminha pela Praça dos Três Poderes. Uma hora mira o prédio do Supremo Tribunal Federal, outra, o Palácio do Planalto. Os passos são tão rígidos quanto um forçado sorriso, que demonstra sua dificuldade em ser carismático. Essa questão, aliás, foi abordada pela presidente do Podemos, a deputada Renata Abreu. “Não adianta mais escolher um presidente só porque ele é simpático ou carismático. E o próprio ministro tentou minimizar este tema. “Não tenho uma carreira política e não sou treinado em discursos. Alguns até dizem que não sou eloquente e não gostam da minha voz (...). O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam e atendam a voz do povo brasileiro.”, afirmou ele.

Por ora, levando em conta o que falou na sua filiação, ele não será tão ouvido assim. Se sua candidatura não vingar, não obtiver os apoios esperados da classe política, Moro poderá concorrer ao Senado Federal pelo Paraná. Isso ainda estaria pendente de um acordo com o senador Álvaro Dias, que, a princípio, concorreria à reeleição.

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