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Moro e Dallagnol levam a Lava Jato às urnas

Os dois pilares da operação que chacoalhou o Brasil, ex-juiz e ex-procurador se apresentam para o jogo político, desta vez em busca de votos. “A sensação é de que o que nós fizemos está sendo desfeito”, diz Dallagnol ao deixar o Ministério Público

Deltan Dallagnol apresenta em 2015, no auge da Lava Jato, as propostas do Ministério Público para combater a corrupção, em palestra no Mato Grosso.
Deltan Dallagnol apresenta em 2015, no auge da Lava Jato, as propostas do Ministério Público para combater a corrupção, em palestra no Mato Grosso.Mayke Toscano/GCOM-MT
Rodolfo Borges

A Operação Lava Jato vai às urnas. Depois de encarcerar os maiores empreiteiros do país, recuperar bilhões de reais desviados em esquemas de corrupção e ver boa parte de suas condenações serem revertidas pelo Supremo Tribunal Federal, os dois pilares da operação se apresentam para o jogo político —desta vez em busca de votos. “A sensação é de que o que nós fizemos está sendo desfeito”, resume Deltan Dallagnol no vídeo em que anuncia seu desligamento do Ministério Público, nesta quinta-feira. O chefe da força-tarefa que agitou a política brasileira como um terremoto por cinco anos não disse com todas as letras que será candidato, mas o discurso que divulgou nas redes sociais soa como o de um. A expectativa é de que ele se una ao ex-juiz Sergio Moro no Podemos. O ex-procurador disputaria uma vaga na Câmara, enquanto o ex-magistrado concorreria à presidência da República ou ao Senado.

Responsáveis por transformar a Lava Jato na maior operação contra a corrupção da história do Brasil, Moro e Dallagnol foram também os pivôs de sua queda em desgraça. O vazamento das comunicações entre os dois, no episódio que ficou conhecido como Vaza Jato, sugeriu combinações para prejudicar réus e enfraqueceu principalmente os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na esteira da anulação das condenações do petista, outros dos acossados pelos esforços da operação conseguiram reverter decisões judiciais. A impetuosa Lava Jato foi perdendo vigor, e o mundo político aproveitou para contra-atacar.

Depois de o Congresso Nacional aprovar mudanças na lei da improbidade administrativa e afrouxar as regras para punir gestores públicos, a Câmara dos Deputados se empenhou durante semanas para avançar com um projeto de lei que limitaria os poderes de investigação do Ministério Público. Sem sucesso neste último intento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avisou que pode voltar a pautar a proposta que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Os nossos instrumentos de trabalho para alcançar a justiça têm sido enfraquecidos, destruídos, e nós temos sido impedidos até mesmo de se comunicar a sociedade, envolver a sociedade nesse debate, por meio da opinião e da crítica”, reclama Dallagnol. em referência à punição que de recebeu do CNMP no ano passado por criticar em seu perfil no Twitter o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Por tudo isso, o ex-procurador diz que agora acha que pode “fazer mais pelo país fora do Ministério Público, lutando com mais liberdade” pelas causas em que acredita. Sua plataforma de campanha já está lançada. “Quando a Lava Jato estava nas ruas, alcançamos algo inédito no Brasil: bilhões foram recuperados e, por um momento, aqueles que nos roubam há décadas foram punidos pelos seus crimes. A Lava Jato trouxe esperança de que podemos construir um país mais justo e melhor, em que a lei vale pra todos, em todos os momentos”, diz Dallagnol no vídeo, acrescentando que, agora, “passamos a sofrer muitos retrocessos no combate à corrupção”. “Vemos notícias cada vez piores, sobre processos anulados, leis desfiguradas e corruptos alcançando a impunidade. A sensação é de que o que nós fizemos está sendo desfeito”, finaliza.

Moro

Caso se candidate mesmo a um posto de deputado, é bem provável que Dallagnol se eleja, pela notoriedade conquistada nos anos como procurador. Já a meta de Moro parece bem mais difícil. O ex-juiz, que deixou a magistratura em 2019 para liderar o Ministério da Justiça de Bolsonaro por pouco mais de um ano, alimenta a expectativa de disputar a presidência da República —a alternativa menos pretensiosa é se eleger senador. Ele voltou ao Brasil nesta semana, após passar meses atuando como consultor de uma empresa nos Estados Unidos, para se filiar ao Podemos. A adesão ao partido está marcada para a próxima quarta-feira, em Brasília. Moro tem ainda agendada participação no congresso do Movimento Brasil Livre (MBL), no fim do mês, e o lançamento de um livro (Contra o sistema de corrupção, ed. Primeira Pessoa) no início de dezembro.

As últimas postagens do ex-juiz nas redes sociais mostram uma ampliação de seus interesses. Acostumado a comentar temas ligados ao combate à corrupção, Moro se aventurou nesta semana a criticar a falta de responsabilidade fiscal do Governo do qual saiu atirando contra o presidente. “Aumentar o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é ótimo. Furar o teto de gastos, aumentar os juros e a inflação, dar calote em professores, tudo isso é péssimo. É preciso ter responsabilidade fiscal”, comentou.

Buscando o ocupar o espaço da terceira via, que o mundo político brasileiro enxerga espremida entre os favoritos Jair Bolsonaro e Lula, Moro também não perde oportunidade de marcar distância dos dois adversários. “Hoje foi publicada a lei que, na prática, acaba com as punições de políticos por improbidade administrativa. As mudanças relatadas por deputado do PT retiram de cena mais um instrumento contra à corrupção. O Presidente da República poderia ter vetado, mas preferiu o retrocesso”, destacou na semana passada.

Críticas

Ao mesmo tempo em que enchem de esperança os entusiastas da Lava Jato, as possíveis candidaturas de Moro e Dallagnol são usadas pelos detratores da operação para reforçar as críticas sobre a parcialidade das investigações conduzidas pelos dois. “Não causou nenhum espanto. Sempre se valeu de motivações políticas enquanto chefiava a Lava Jato, tanto é que perseguiu o Lula para tirá-lo da disputa eleitoral, fazendo-se valer de um PowerPoint ridículo. Ele e Moro nunca tiveram imparcialidade”, escreveu Paulo Rocha, líder do PT no Senado, numa postagem replicada quase que integralmente pelos petistas nas redes sociais.

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