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Como os Estados cuidam da Amazônia, comparando dados de proteção, orçamento e desmatamento

Análise exclusiva do ((o))eco se debruça sobre dados ambientais dos nove Estados da Amazônia Legal para compreender diferenças e semelhanças nas políticas públicas regionais

Ilustração Julia Lima
Ilustração Julia Lima
Pedro Papini Fernanda Wenzel Naira Hofmeister (para ((o))eco)

Para quem olha de longe, a Amazônia pode parecer uma coisa só. Mas a dinâmica ambiental dos nove Estados brasileiros cobertos pela floresta é distinta em muitos aspectos. Eles têm tamanhos tão diferentes que o Acre inteiro caberia dentro das áreas protegidas estaduais do Pará. Os mesmos 3 milhões de hectares contidos em unidades de conservação estaduais representam 3,5% do território do Mato Grosso e quase um quarto do Amapá.

Ilustração: Julia Lima
Ilustração: Julia Lima

Em comum, todos têm a missão de cuidar da floresta —uma responsabilidade que aumentou ainda mais no governo de Jair Bolsonaro, com sua agenda anti-ambiental. “A gente vê que a chance de proteger a Amazônia hoje está muito nas mãos dos governos estaduais”, explica Angela Kuczach, bióloga e Diretora Executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação.

Não à toa, seus governadores estão solicitando a volta do Fundo Amazônia e criaram um consórcio interestadual para negociar com Noruega, Alemanha e outros potenciais investidores. O Banco Mundial também está apostando suas fichas nos Estados: em 2019, o Mato Grosso inaugurou uma modalidade nova de contratos de empréstimos, que alia o tradicional ajuste fiscal a metas ambiciosas de preservação ambiental. Em breve, o Amazonas deve assinar um acordo nos mesmos termos.

Para entender como cada estado está cuidando da floresta, ((o))eco se debruçou sobre bases de dados públicas que revelam as diferenças e semelhanças entre as nove unidades da federação que compartilham o bioma no país.

Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins já perderam mais de um quarto (25%) de sua vegetação nativa. É um dado relevante já que o Código Florestal impõe como limite para desmate na Amazônia a cota de 20% em propriedades privadas. Já o Pará, apesar de ser líder em área absoluta desmatada, tem, proporcionalmente ao território, 14% de perda florestal.

Maior estado entre os que integram a Amazônia Legal, o Amazonas segue com a maior parte de sua biodiversidade intacta. Ao lado de Acre e Roraima, forma o trio que menos perdeu florestas dentro de unidades de conservação (UC) estaduais. Junto com as Terras Indígenas, as Unidades de Conservação (UCs) são as principais barreiras ao avanço das lavouras, madeireiros, garimpeiros e mineradoras para dentro da floresta.

As UCs podem ser federais, estaduais ou municipais, e sua criação se dá através de decreto do poder Executivo.

A influência do agronegócio sobre os Estados se reflete na falta de transparência dos dados ambientais —como mostraremos em uma reportagem ainda esta semana— e também dificulta a destinação de áreas à preservação ambiental. “Em Estados em que sobrou pouca área livre de cultivos, não há força política para criar novas UCs”, lamenta Kuczach.

Possivelmente, essa é a explicação para o Mato Grosso, líder nacional em produção de carne e soja, possuir apenas 3,5% de seu território destinado a parques ou áreas de proteção —o pior índice entre todos os nove Estados amazônicos. Na outra ponta está o Amapá, com o maior percentual (quase 23%), embora em termos de área, ambas sejam quase iguais.

Em Rondônia, a pressão de pecuaristas para avançar sobre as áreas protegidas levou o governador Marcos Rocha (PSL) a aprovar uma lei que reduziu em cerca de 167 mil hectares duas UCs estaduais — uma medida que foi parar na Justiça por ação do Ministério Público. A UC mais afetada pelo projeto de lei, a Reserva Extrativista Jaci-Paraná, já perdeu metade da floresta para criadores de gado que ocupavam ilegalmente o território.

Já no Pará, o governo ignorou a pressão de prefeitos do estado vizinho, Mato Grosso, e, na última segunda-feira (18), criou o Refúgio de Vida Silvestre Rios São Benedito e Azul, nos municípios de Jacareacanga e Novo Progresso. Os prefeitos dizem que “a UC inviabilizaria economicamente a região” e ameaçam ir à justiça contra o decreto estadual.

Ilustração: Julia Lima
Ilustração: Julia Lima

Gasto é baixo, mas supera percentual federal

Além da floresta para cuidar, os nove Estados da Amazônia Legal compartilham uma estatística desanimadora: entre 2016 e 2020, os recursos destinados ao meio ambiente nos gastos estaduais representaram, em média, menos de 1% de toda a verba administrada pelos governadores. Essa conta inclui secretarias de meio ambiente e fundações ou institutos de proteção à fauna e flora dos Estados.

Ainda assim, com exceção do Amapá, todos os Estados investem proporcionalmente mais em meio ambiente do que o governo federal, onde o Ministério do Meio Ambiente representou, em média, apenas 0,09% dos gastos da União no mesmo período. A reportagem não conseguiu calcular o valor destinado por Roraima à área ambiental: apesar de ser um dado básico para qualquer órgão público, o consolidado de desembolsos anuais do Executivo não está disponível para consulta pública, e tampouco foi possível obtê-los via assessoria de imprensa.

O Mato Grosso afirma que o orçamento de 2022 na área ambiental deve crescer “cerca de 22%, compatível com o aumento previsto na arrecadação”, enquanto o Acre informa que busca complementar seus recursos para proteção ambiental com créditos de bancos internacionais de desenvolvimento e do Ministério do Meio Ambiente. O Amazonas destaca que desde o início da atual gestão, o orçamento da Secretaria de Estado do Meio Ambiente aumentou em 99%. A íntegra das respostas de todos os Estados pode ser lida aqui.

O fortalecimento da área ambiental é uma das contrapartidas ao empréstimo assinado com o Banco Mundial em 2019 pelo Mato Grosso e que deverá ser firmado em breve também pelo Amazonas.”A necessidade de reforçar as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente é um ponto fundamental. No Amazonas, ainda mais que no Mato Grosso, os recursos destinados pelo estado são ínfimos. É uma das últimas secretarias em termos de recursos financeiros, e é uma pasta que controla um território florestal imenso”, observa Renato Nardello, líder do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Banco Mundial no Brasil, que concedeu entrevista exclusiva ao ((o))eco que vai ao ar nesta terça (26).

Apesar de celebrar as iniciativas dos governadores, Kuczach acredita que eles terão de fazer muito mais se quiserem ocupar o vácuo deixado pelo Ministério do Meio Ambiente sob o governo de Jair Bolsonaro. “Eles sabem que está nas suas mãos, e têm um potencial enorme. Mas só ficar no potencial não resolve, tem que mostrar resultados na prática”, conclui.

*Esta reportagem foi originalmente publicada em ((o))eco.

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