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ONG internacional denuncia Bolsonaro em Haia por destruição da Amazônia

AllRise se baseia em estudo da Universidade de Oxford que estima que emissões atribuíveis ao Governo Bolsonaro causarão mais de 180.000 mortes por excesso de calor no planeta nos próximos 80 anos

Foto aérea de um pedaço da floresta Amazônica desmatada no estado de Rondônia, em 28 de setembro.
Foto aérea de um pedaço da floresta Amazônica desmatada no estado de Rondônia, em 28 de setembro.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Marina Rossi

O Planeta Vs. Bolsonaro. Assim advogados europeus intitularam uma manifestação apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), a corte de Haia, contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido). A peça, enviada nesta terça-feira à Corte, acusa o presidente de crimes contra a humanidade devido ao desmatamento induzido por seu Governo na Amazônia. Esta é a terceira vez que Bolsonaro é denunciado em Haia em decorrência da sua política de destruição da floresta.

A iniciativa é chefiada pela ONG austríaca AllRise, que afirma que o presidente está “conduzindo um ataque sistemático e generalizado à Amazônia, suas dependências e seus defensores, e que resultam não só na perseguição, assassinato e sofrimento desumano de milhões de pessoas na região, mas também no mundo inteiro”. Assim, o fundador da AllRise, Johannes Wesemann, diz que as ações de Bolsonaro têm impacto global. “Sendo o pulmão do planeta, a destruição do bioma amazônico afeta a todos nós. Apresentamos na nossa queixa evidências que mostram como as ações de Bolsonaro estão diretamente ligadas aos impactos negativos da mudança climática em todo o mundo,” explica ele. A entidade criou um site para difundir a campanha e chamar atenção para a causa.

A ação se apoia em um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Oxford que estima que as emissões de gases de efeito estufa em excesso atribuíveis ao Governo Bolsonaro poderão causar milhares de mortes por excesso de calor em todo o planeta neste século. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o desmatamento na floresta amazônica entre agosto de 2020 e julho de 2021 —meses em que se mede a temporada de desmatamento— foi o pior dos últimos dez anos. No período, a Amazônia Legal perdeu 10.476 quilômetros quadrados de floresta, uma área equivalente a nove vezes a cidade do Rio de Janeiro.

“Crime contra a humanidade”

Para que um crime seja julgado pelo Tribunal Penal Internacional em Haia, nos Países Baixos, é preciso que se prove a intenção de praticá-lo. “Crimes contra a humanidade pressupõem uma política para conduzir um ataque contra a população”, afirmou o advogado argentino Luís Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, em entrevista ao EL PAÍS no ano passado. “É preciso provar a intenção”, resumiu. Wesemann defende que crimes contra a natureza são crimes contra a humanidade.“ Jair Bolsonaro está fomentando a destruição em massa da Amazônia de olhos bem abertos e com conhecimento total das consequências. O ICC [o Tribunal Penal Internacional, na sigla em inglês] tem o claro dever de investigar os crimes ambientais de tamanha gravidade global”, afirmou o ativista.

Em 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) juntamente com a Comissão Arns, formada por ex-ministros de vários governos e intelectuais brasileiros para atuar em defesa dos direitos humanos, levaram a Haia indícios de crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas praticados por Bolsonaro. Mais tarde, em agosto deste ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) realizou nova denúncia que foi somada a essa primeira, impulsionada pela tipificação do ecocídio como um crime contra o conjunto da humanidade, mas sobretudo contra o planeta. Além dessa ação, há ainda uma outra contra Bolsonaro, assinada pelos líderes indígenas Raoni Metuktire e Almir Suruí, mas elaborada por um escritório de advocacia francês.

A AllRise afirma, no entanto, que embora essa seja a terceira denúncia contra o presidente brasileiro na Corte internacional, este será o primeiro caso a detalhar como será o impacto total das ações de fomento da crise climática de Bolsonaro sobre a saúde humana e a vida globalmente. “Estima-se que as emissões atribuíveis ao Governo Bolsonaro causarão mais de 180.000 mortes por excesso de calor em todo o planeta nos próximos 80 anos com base nos comprometimentos climáticos atuais”, afirma Wesemann. “Nossa iniciativa tem forte apoio brasileiro, mas não buscamos falar em nome de quaisquer comunidades brasileiras, nem afirmamos representá-las. Nosso caso busca dar uma dimensão internacional importante ao sofrimento delas. A Amazônia pertence a elas, mas todos nós precisamos dela.”

“Cultura de impunidade”

O estudo da Universidade de Oxford que dá sustentação para a ação aponta para as políticas realizadas por Bolsonaro e faz uma relação direta com graves consequências para todo o planeta. “O Governo Bolsonaro buscou remover, neutralizar e eviscerar sistematicamente as leis, agências e indivíduos que servem à proteção da floresta, suas dependências, seus dependentes e seus defensores, fomentando uma cultura de impunidade”, diz o texto. “Seu Governo atualmente está aprovando legislação que irá legalizar o desmatamento, que cortou o número de agentes fiscalizadores em 27% e reduziu as multas por corte ilegal de madeira em 42%”.

Outro ponto levantado pelo grupo é o que diz respeito aos incêndios na Amazônia. “Atribui-se aproximadamente 4.000 quilômetros quadrados da área total desmatada da Amazônia brasileira às ações realizadas somente pelo Governo Bolsonaro. Ele atuou sobre as taxas mensais de desmatamento, que chegaram à marca de 88%. Se continuar assim, as consequências serão profundas”, alerta a campanha.

As emissões de gases do efeito estufa advindas de queimadas e da pecuária em escala industrial na floresta são agora maiores que o total de emissões anuais da Itália ou da Espanha, segundo a AllRise, e estão levando a Amazônia em direção ao ponto de desequilíbrio para além do qual a floresta entraria em estado de seca. “Ondas de calor e incêndios florestais recentes que acontecem no Brasil, Sul da Europa, Noroeste Pacífico da América do Norte e Austrália, além das enchentes e outros eventos climáticos extremos recentes vistos na Alemanha, Estados Unidos e China são intensificados pela mudança climática e, portanto, pelo desmatamento da Amazônia”.

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