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Fim do STF e “democracy, yes”. As contradições do ato pró-Bolsonaro na Paulista

Em clima de festa e desagravo ao presidente, ato do 7 de Setembro na capital toma a avenida Paulista, mas deixa de fora a vida real da maioria dos brasileiros: desemprego, crise econômica e alta de preços

PAULISTA
Lela Beltrão
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BRA01. RÍO DE JANEIRO (BRASIL), 01/09/2021.- El presidente de Brasil, Jair Bolsonaro, conversa con el ministro de Defensa, general Braga Netto (d), hoy durante la ceremonia de entrega de la Medalla al Mérito Deportivo Militar en Río de Janeiro (Brasil). EFE/ André Coelho
Bolsonaro faz discurso messiânico diante de Esplanada cheia e ameaça enquadrar o Supremo
Brazilian President Jair Bolsonaro arrives for a flag raising ceremony at Alvorada Palace presidential residence on Independence Day in Brasilia, Brazil, Tuesday, Sept. 7, 2021. (AP Photo/Eraldo Peres)
O momento mais perigoso de nossa curta vida democrática
Brazilian President Jair Bolsonaro talks to supporters outside Planalto presidential palace in Brasilia, Brazil, Monday, Sept. 6, 2021. (AP Photo/Eraldo Peres)
Brasil teme ‘efeito contágio’ nos atos do 7 de Setembro após ameaças de morte contra ministro do STF

“Nós estamos aqui defendendo a liberdade!”, gritava do alto do carro de som um apoiador do presidente Jair Bolsonaro na tarde desta terça-feira, na avenida Paulista, em São Paulo. Na lateral do caminhão, uma grande faixa dizia “We the people authorize, Bolsonaro” (Nós o povo autorizamos, Bolsonaro), uma referência ao apoio de parte da população para que o presidente lance mão da medidas autoritárias para governar. Esta contradição entre pedidos de liberdade de um lado e intervenção militar do outro deu o tom do protesto massivo realizado neste 7 de Setembro na capital paulista, que teve como principal alvo o Supremo Tribunal Federal (STF) —em especial o ministro Alexandre de Moraes.

A multidão predominantemente branca vestida de verde e amarelo ocupou ao menos 11 quarteirões do principal cartão postal de São Paulo para demonstrar apoio ao mandatário. Não era um espaço para debate de ideias. A mínima contestação de alguma informação gerava um forte rechaço. “Contra quais comunistas vocês estão lutando?”, perguntou a repórter do EL PAÍS a um manifestante. “Se você não sabe, tem que voltar para a escola de jornalismo”, respondeu Vitor de Souza, 52 anos, animado com o número de participantes, maior até do que a época em que frequentava as passeatas dos caras pintadas, contra o Governo Collor.

O hino nacional, repetido à exaustão, vez ou outra dava lugar a alguma música do cantor sertanejo Sérgio Reis, alvo de uma ação da Polícia Federal após defender atos antidemocráticos. Ele é um dos apoiadores radicais do presidente que tiveram sua “liberdade” cerceada, segundo simpatizantes: “Estamos com você, Serjão!”, gritavam os manifestantes ao ouvir a versão do cantor de Menino da Porteira. O clima era de festa. Patriota vestido de xerife norte-americano, monarquistas pela República. Anticomunistas em apoio à causa LGBTI+. Liberais contra a ditadura do STF. Religiosos pela criação da grande nação cristã do Brasil para todo mundo. Nacionalista defendendo que “our flag will never be red” (nossa bandeira jamais será vermelha). Não faltaram também os armamentistas em prol de sua própria paz.

Em comum, a fé incondicional no “mito” criado por Bolsonaro, por quem estavam dispostos a abrir mão dos valores que balizaram a construção do Brasil democrático nos últimos 30 anos. Vibraram até quando ele gritou: “Digo aos canalhas, eu nunca serei preso!”, expondo um temor diante das suspeitas de corrupção que estão chegando a ele pela CPI da Pandemia, e pelas investigações sobre o esquema de rachadinha de membros da sua família. “Está na primeira linha da Constituição: todo o poder emana do povo. E se o povo pedir uma intervenção militar, isso não será um problema”, explica Marco Júnior, 32 anos, que defende “intervenção militar com Bolsonaro no poder”. O motivo de sua insatisfação com a democracia: os comunistas, a sexualização das crianças e a falta de liberdade religiosa.

Nas faixas, cartazes e palavras de ordem gritados na Paulista não havia espaço para a crise econômica, desemprego ou o aumento no preço dos alimentos e do gás de cozinha, que tanto incomodam a população brasileira. “Nada disso é culpa do Bolsonaro, é culpa dos governadores”, afirmou o soldador Adriano Prestes, 36, que veio para a capital em uma caravana de cinco ônibus que partiu de Sorocaba, no interior paulista, na manhã desta terça-feira. “Se os governadores não tivessem fechado o comércio e as fábricas, as coisas não estariam assim”, diz, emulando um discurso já clássico do presidente, ao se eximir de responsabilidade. Sua esposa, Juliane Monteiro Vieira, 34, é motorista de aplicativo. Eles dizem ter pago 35 reais cada por um lugar no fretado que lhes trouxe para o ato, e fazem questão de frisar: “Aqui não tem sanduíche de mortadela não”. A afirmação é uma referência pejorativa ao suposto lanche pago pelos movimentos sociais de esquerda aos seus militantes para comparecer a protestos.

Nas ruas do entorno da avenida Paulista, dezenas de ônibus fretados estacionados davam a dimensão da logística envolvida no ato desta terça-feira. Caravanas vindas do interior do Estado e também de unidades federativas vizinhas, como Paraná e Mato Grosso do Sul, trouxeram milhares de pessoas para a capital, e ajudaram a fazer do protesto um dos maiores em apoio ao presidente desde que ele tomou posse, em 2019. Chamou a atenção na Paulista uma série de cartazes e banners repetidos e padronizados, impressos em vinil ou plástico duro, sinal de que, para além das cartolinas escritas à mão, com caneta, alguém investiu boa soma de dinheiro em material gráfico que foi distribuído aos manifestantes. Vários deles falavam em “intervenção constitucional no STF”, uma frase que remete ao discurso feito por Bolsonaro durante a manhã desta terça, em Brasília, quando o mandatário disse que poderia acionar o Conselho da República, órgão que em tese teria autonomia para declarar “intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio”, de acordo com o texto da lei.

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Se não fosse a multidão vestida de verde e amarelo, um desavisado poderia ter a impressão de estar em outro país. “Democracy yes, communism no” (Democracia sim, comunismo não) , “Alexandre de Moraes, you are fired!” (Alexandre de Moraes, você está demitido!) e “Printed and auditable vote now!” (voto impresso e auditável agora!) eram algumas das dezenas de frases escritas em inglês que se multiplicavam em cartazes e banners no ato desta terça. Uma ou outra trazia ainda os dizeres “Wir Brasilianer wollen Freiheit [Nós brasileiros queremos liberdade]”, escritos em alemão.

As mensagens em outras línguas mostram a preocupação que os organizadores do protesto têm com relação à imagem do país —e do presidente— lá fora, em meio à crescente apreensão global com a deterioração da democracia brasileira. “Um gringo que se informa pela mídia brasileira não tem acesso à verdade dos fatos”, afirmou Henrique Ferreira Deltoni, 38, que levava um pequeno cartaz onde se lia “STF Yes, Luiz Fux No” (STF sim, Luiz Fux [presidente do Supremo] não). Havia até um alerta: “the international midia lies” (a imprensa internacional mente).

Claudinei Aparecido Raimundo, 47, da reserva do Exército: "Eu apoio o fim do STF"
Claudinei Aparecido Raimundo, 47, da reserva do Exército: "Eu apoio o fim do STF"

Vestido com boina e coturno pretos e farda verde oliva com a palavra “Veterano” escrita em um patch colado na altura do peito, Claudinei Aparecido Raimundo, 47, observava a multidão verde e amarela que lotava a avenida Paulista. Cabo da reserva do Exército, ele liderava um grupo de homens com roupas camufladas que posava para fotos com os manifestantes. “Todos os poderes têm seu limite. Inclusive o Supremo. Eu sou favorável ao fim do STF, sim”, afirmou. Raimundo também defendeu o direito de policiais e militares da ativa participarem de atos políticos como este, do dia 7 de Setembro. “O direito à manifestação é um direito garantido e sagrado”, disse.

Havia o temor de que policiais da ativa fossem ao ato para manifestar apoio ao presidente, o que não ocorreu: de fato, havia um enorme efetivo da PM no local, todos trabalhando. De acordo com o Governo de São Paulo, 4.000 policiais atuaram na segurança na Paulista e no vale do Anhangabaú, onde ocorreu um protesto contra o presidente.

Nem mesmo a sensação térmica superior aos 30 graus e o sol a pino foram capazes de aplacar os ânimos dos participantes, muitos dos quais vieram do interior de São Paulo e de outros Estados, como Mato Grosso e Paraná. Crianças e suas famílias, dividiam o espaço com grupos de amigos e muitos idosos. As máscaras não eram traje obrigatório, mesmo com o avanço da variante delta do coronavírus, mas elas estavam presentes.

Por vezes, ouvia-se a defesa da democracia de um dos seis carros de som que ocupavam a Paulista. Mas sempre uma defesa condicional: “Vocês estão aqui para prender jornalista?”, perguntou um bolsonarista no carro de som. O público respondeu em coro: “Não”. Ele retrucou: “Mas alguns merecem”. Os manifestantes pareciam encantados com o número de participantes. “Não esperava tanta gente”, um bolsonarista afirmou ao puxar conversa. “Você é da imprensa, seja bem-vinda”. Outros, porém, alertavam: “cuidado aí, comunista”. Os alertas foram mais frequentes que os problemas. Um rapaz que decidiu atravessar a manifestação com uma camiseta do ex-bolsonarista Mamãe Falei ouviu provocações. “É um suicida”, disse uma mulher, que estava acompanhada de sua família. “Queria ver se um bolsonarista fosse com sua camiseta numa manifestação petista”, afirmou.

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