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Mobilização de PMs para ato pró-Bolsonaro em 7 de setembro eleva receios de motim eleitoral em 2022

Coronéis da corporação convocam veteranos a “combater o comunismo” e “ajudar” o presidente. “Uma hipótese bastante possível é a intervenção de policiais em locais de votação”, alerta especialista

Polícia Militar de São Paulo durante um protesto em 2015.
Polícia Militar de São Paulo durante um protesto em 2015.Rovena Rosa/ Agência Brasil

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O próximo feriado de 7 de setembro pode deixar sequelas com as quais a democracia brasileira terá de lidar na próxima eleição presidencial. Policiais militares se somaram abertamente nos últimos dias às críticas ao voto eletrônico no Brasil e a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal feitas por Jair Bolsonaro, em uma escalada do discurso autoritário manifestado por parte das forças policiais desde a chegada do presidente ao poder. Nos últimos dois anos, especialistas em segurança pública e cientistas políticos vêm alertando sobre as alas mais radicais da Polícia Militar (PM). Agora, com convocatórias sendo feitas publicamente nas redes sociais e em grupos fechados da categoria para que policiais participem dos atos pró-Bolsonaro na próxima data cívica, esses mesmos especialistas enxergam “claros sinais de perigo” para o ano que vem. Um cenário especialmente preocupante diante da intenção desenhada por Bolsonaro de contestar o resultado das eleições de 2022.

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Desde que Bolsonaro começou a levantar dúvidas, sem qualquer prova, sobre a lisura das urnas eletrônicas no país, há um crescente temor de que o Brasil viva um episódio similar à invasão do Capitólio nos Estados Unidos, quando seguidores de Trump, incitados pelo discurso de suposta fraude eleitoral feito por ele após a derrota para Joe Biden, invadiram a sede do Congresso americano. Lá, a polícia metropolitana teve um papel fundamental em mitigar a confusão. Guaracy Mingardi, ex-investigador e cientista político que estuda há mais de duas décadas as polícias e a segurança pública no Brasil, teme a disseminação de violência anterior e imediatamente posterior ao pleito eleitoral de 2022. “É algo pode acontecer principalmente em algumas regiões dominadas pela milícia, como no Rio de Janeiro”, alerta.

“Uma hipótese bastante possível é a intervenção de policiais em locais de votação, alegando denúncias de fraude, balbúrdia, e eles próprios providenciando tumultos para fechar as sessões e inviabilizar o processo eleitoral”, avalia Luiz Eduardo Soares, antropólogo especialista em segurança pública. Soares afirma que há uma “comunhão de valores” entre Bolsonaro e alguns membros da PM: “O presidente está numa escalada de abusos e ameaças, afrontando diariamente a Constituição e, assim, seus aliados também o fazem. Há um conjunto já de violações sucessivas e sistemáticas que vai se expandindo.” Uma delas foi a participação do general e ex-ministro da Eduardo Pazuello em um ato político ao lado do presidente em maio. O Exército decidiu não puni-lo, apesar do flagrante desrespeito às normas da instituição, e especialistas já alertavam que isso poderia abrir precedentes para uma “anarquia” nas forças.

Na segunda-feira, Bolsonaro voltou a esbravejar contra o Supremo Tribunal Federal (STF), depois de pedir, na sexta-feira (20/08) o impeachment de Alexandre de Moraes, ministro da corte, e de prometer fazer o mesmo com Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No mesmo dia, João Doria, governador de São Paulo, suspendeu do cargo o coronel da Polícia Militar Aleksander Lacerda, que, na última semana, publicou nas redes sociais ataques aos ministros do STF e convocatórias de apoio a Bolsonaro no ato cívico de 7 de setembro, também em desrespeito às normas da instituição, que proíbem que policiais da ativa se manifestem politicamente. No sábado, o coronel da reserva da PM paulista Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, atual diretor da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), convocou milhares de policiais para a mobilização bolsonarista. Num vídeo em que aparece vestindo a camisa das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a unidade de elite da PM paulista que ele próprio comandou, Mello Araújo convoca os veteranos a “combater o comunismo” e clama por “ajuda” de parte dos militares ao presidente. “Nós, a Polícia Militar, a Força Pública, nós devemos nos unir.No dia 7 de setembro, todos os veteranos devem estar presentes na Avenida Paulista”, afirmou.

Para Mingardi, a situação é inédita. “Historicamente, as greves e outras mobilizações da PM são por questões salariais e melhorias trabalhistas. Mesmo o motim no Ceará [ocorrido em fevereiro do ano passado], apesar de ter sido insuflado por um político local, foi motivado por reajuste salarial. Agora estamos diante de manifestações estritamente políticas, e isso é muito complicado.” Mingardi se refere ao movimento grevista de policiais militares cearenses ―cuja escalada de tensão chegou ao ápice quando o senador Cid Gomes foi atingido por dois tiros enquanto tentava entrar, dirigindo uma retroescavadeira, numa área militar ocupada por pessoas encapuzadas na cidade de Sobral.

Em março deste ano, policiais militares baianos protestaram contra o comando da corporação, insuflados por bolsonaristas, após o soldado Wesley Góes ser morto por membros do Bope depois de sofrer um surto psicótico e disparar seu fuzil contra os agentes, em Salvador. Logo após o soldado ser atingido pelos tiros que o mataram, o deputado estadual Soldado Prisco (PSC), que liderou motins policiais no passado, conclamava, em vídeo publicado nas redes sociais, os militares a paralisarem as atividades, em solidariedade ao colega de farda.

Mais recentemente, em 29 de julho, PMs do Recife agiram por conta própria contra manifestantes de um protesto contra Bolsonaro, e duas pessoas que sequer participavam dos atos perderam parte da visão ao serem atingidas por balas de borracha. Depois do sucedido, o comandante-geral da corporação pediu exoneração e outros dois oficiais foram afastados, assim como os cinco agentes envolvidos na ação. Em 31 de julho, um policial goiano parou um professor petista que exibia em seu carro uma faixa com os dizeres “Bolsonaro genocida”, responsabilizando o presidente pelas mortes por covid-19, e usou a Lei de Segurança Nacional (criada na ditadura militar e revogada pelo Congresso no início de agosto) para justificar a prisão do docente. O militar foi afastado das ruas para responder processo interno.

“Essa manifestação política atual, feita abertamente por parte de alguns policiais, traz à tona o que já existia, que são as chantagens às quais a PM submete os governadores, que não comandam a corporação nem podem agir com os agentes como desejam”, avalia Luiz Eduardo Soares. O temor da insubordinação dos policiais se acentua ao ter em vista que, em 2022, muitos governadores deixarão os cargos na mão de seus vices, via de regra com menos experiência e influência para lidar com os agentes militares, para se lançar à campanha política. Guaracy Mingardi é enfático: “Por isso essas autoridades têm que se mexer agora. É preciso punir urgentemente aqueles que deixem de cumprir seu papel. É preciso fazer com que as corregedorias das Polícias Militares ajam nesses casos.”

Em uma reunião no início desta semana com outros 24 governadores de Estado e do Distrito Federal, Doria afirmou que o setor de inteligência da Polícia Civil de São Paulo indica um claro crescimento dos movimentos autoritários na Polícia Militar para emparedar “prefeitos e governadores que defendem a democracia” . “Isso que está acontecendo em São Paulo pode acontecer em seus Estados. Fiquem atentos”, alertou ele.

Mingardi explica que os policiais militares sozinhos “não conseguem dar um golpe no Brasil”, já que teriam que contar com o apoio das Forças Armadas. Mas a postura de integrantes das Forças Armadas também tem levantado preocupações. Notícia publicada pela imprensa no mês passado afirmava que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, enviou nos bastidores um recado ao presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP-AL), ameaçando a realização das próximas eleições se não houvesse voto impresso e auditável— o que Braga Netto depois negou ter feito, ao ser chamado a prestar esclarecimentos no Congresso. Em nota divulgada em 23 de agosto, após a decisão de Doria de afastar Lacerda, a Associação dos Militares Estaduais do Brasil, entidade que representa militares estaduais e do Distrito Federal, afirmou que as “polícias militares não podem ser empregadas de forma disfuncional por nenhum governador” e que “configura crime seu desvio da função constitucional ou emprego político”. Citando suas atribuições constitucionais, afirmou ainda que, no caso de uma ruptura institucional, as polícias militares serão automaticamente convocadas para atuar como força auxiliar e reserva do Exército.

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