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Braga Netto mente sobre ditadura, enquanto diz que Forças Armadas respeitarão a Constituição

Chamado a se explicar sobre ameaças ao Congresso, ministro da Defesa afirmou que “se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui”. Ele negou, ainda, que tenha enviado mensagem para ameaçar eleições

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, chega à Câmara dos Deputados para prestar esclarecimento sobre ameaças, nesta terça-feira, 17 de agosto, em Brasília.
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, chega à Câmara dos Deputados para prestar esclarecimento sobre ameaças, nesta terça-feira, 17 de agosto, em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Felipe Betim

O ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, mentiu nesta terça-feira na Câmara dos Deputados ao dizer que não houve ditadura militar entre 1964 e 1985 no Brasil. “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui. Ditadura, como foi dito por outro deputado, é em outros países”, afirmou. A fala de Braga Netto foi feita durante uma sessão, para a qual foi convocado, em que prestava esclarecimentos sobre uma nota em tom ameaçador, assinada por ele e pelos comandantes das Forças Armadas para intimidar o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Pandemia. Deputados também o questionavam sobre uma notícia veiculada na imprensa que afirmava que ele usou um interlocutor político para avisar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não haveria eleições em 2022 caso o voto impresso fosse rejeitado —o que aconteceu na semana passada, quando a Câmara derrubou a proposta. “Reitero que não enviei ameaça alguma, não me comunico com presidente dos Poderes por intermédio de interlocutores”, afirmou nesta terça.

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A afirmação de que não houve ditadura militar tem sido repetida como mantra por militares das Forças Armadas. Até uma nota oficial do Ministério da Defesa deste ano afirmou que o golpe de 1964 deveria ser “celebrado” como um “movimento” que permitiu “pacificar o país”. Tudo isso é uma negação da História. A Comissão Nacional da Verdade listou 434 pessoas mortas e desaparecidas por ação direta da ditadura e apontou 377 nomes de pessoas que violaram os Direitos Humanos durante o período, recomendando a responsabilização criminal, civil e administrativa de 196 dessa lista que permanecem vivos. O relatório também afirma que mais de 8.000 indígenas morreram durante o período e que ditadura perseguiu 6.591 militares.

Entre os perseguidos pelo regime estão, por exemplo, os jornalistas Vladimir Herzog —assassinado em 1975—, Luiz Eduardo Merlino —assassinado em 1971— e o então deputado Rubens Paiva —desaparecido em 1971. Há relatos de tortura nos porões da ditadura, sobretudo após 1968, quando o regime publicou o Ato Institucional de número 5 (AI-5). O decreto institucionalizou a repressão política e o terror promovido pelo Estado, prevendo o fechamento do Congresso e a cassação de mandatos de parlamentares, a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão, entre outros pontos. Esses fatos foram ignorados por Braga Netto. “Houve um regime forte, isso eu concordo. Cometeram excessos dois lados, mas isso tem que ser analisado na época da história, de Guerra Fria e tudo mais, não pegar uma coisa do passado e trazer para o dia de hoje”, afirmou nesta terça-feira.

Essa negação também serve para justificar a presença dos militares no Governo. Eles não só ocupam ministérios, como também mais de 6.000 fardados estão espalhados entre diretorias, conselhos administrativos e gerências de empresas estatais, como Petrobras, Itaipu, Correios e Eletrobras, acumulando suas pensões de reservistas com seus salários.

Além disso, Bolsonaro foi incluído neste mês no inquérito das fake news do Supremo e, desde então, intensificou sua investida autoritária contra as instituições. Em entrevista, chegou a dizer que se veria obrigado a jogar “fora das quatro linhas da Constituição”. O presidente vem alimentando o discurso de que as Forças Armadas devem atuar como poder moderador, em mais uma leitura enviesada sobre os papéis atribuídos pelo artigo 142 da Constituição. A tese do “poder moderador” foi repetida pelo general da reserva Augusto Heleno nesta segunda-feira. Em entrevista à rádio Jovem Pan, o chefe do GSI opinava que o Judiciário, e não Bolsonaro, “tem colocado as coisas numa tensão ainda maior”. ”Mas não acredito numa intervenção no momento. Essa intervenção poderia acontecer num caso muito grave”, admitindo como possibilidade.

Nesta terça-feira, porém, Braga Netto tentou apaziguar os ânimos ao dizer que Bolsonaro atua dentro das “quatro linhas da Constituição”. Também amenizou a fala alimentada pelos bolsonaristas sobre o papel das Forças Armadas. “O País tem somente Três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que têm de estar harmônicos e independentes. A Força Armada trabalha com o que está em cima do artigo 142 [da Constituição]. É isso, sem especulações e sem ilações”, afirmou.

Sobre sua defesa do voto impresso e a suposta ameaça de que não haverá eleições, teve de ouvir do deputado Paulo Teixeira (PT), autor de uma notícia-crime contra Braga Netto, o seguinte recado: “Quem decide sobre voto impresso não é vossa excelência. Quem decide é o Congresso Nacional, e a vossa excelência caberá obedecer. E caso não obedeça, será preso.”

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