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Ameaças de Bolsonaro e Distritão de madrugada atropelam, um ano antes, eleições de 2022

Brasília ferve com a investida desenfreada do presidente contra o sistema eleitoral e a tentativa de parlamentares de mudar as regras do pleito sem qualquer discussão com a sociedade

Bolsonaro em cerimônia no último dia 2, em Brasília.
Bolsonaro em cerimônia no último dia 2, em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Carla Jiménez

As eleições de 2022 no Brasil estão apanhando um ano e três meses antes de acontecerem. Neste momento, Brasília ferve com a investida desenfreada do presidente Jair Bolsonaro que se empenha reiteradamente em desacreditar o sistema das urnas eletrônicas com uma campanha que acusa fraude usando argumentos mentirosos. Irritado por ter sido incluído pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito que investiga a máquina de fake news no país, chegou a sugerir que buscaria soluções fora da democracia para lidar com a pressão nesta quarta-feira. “Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”. Durante uma entrevista à rádio de viés governista Jovem Pan, o presidente voltou a investir contra o sistema eletrônico com argumentos enviesados para sugerir que as urnas em 2018 foram atacadas. Seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), emendou a narrativa com uma live sugerindo que havia fraude desde 1996, embora todas as suspeitas já tenham sido derrubadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há anos.

Além de Bolsonaro, o Congresso também decidiu aproveitar a instabilidade política do momento para impor uma mudança no modelo de votação que o Brasil conhece hoje — o sistema proporcional, onde parlamentares mais votados de um partido acabam elegendo outros, do mesmo grupo, que foram menos votados pelo eleitor —que seria substituído pelo chamado Distritão, alterando completamente a forma como o brasileiro iria votar em 2022. Pelo sistema, um município e Estado funcionam como um distrito eleitoral que elegerá apenas os que tiverem mais votos.

O proporcional abre espaço para a entrada dos chamados puxadores de voto, nomes mais fortes e até subcelebridades que se elegem com milhões de votos e acabam puxando outros parlamentares com votação mínima pelo chamado coeficiente eleitoral: soma de votos dos parlamentares eleitos e votos na legenda, dividido pelo número de vagas de cada partido. A fórmula abre espaço muitas vezes a fisiologistas ou negociadores de interesses corporativos, sem a menor empatia com projetos populares. A ideia de aperfeiçoar o modelo eleitoral é bem-vinda. Mas no Brasil de 2021, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) impôs um debate acelerado numa Comissão Especial que realizou uma sessão por volta das 23h de quarta-feira, 4, acompanhada no youtube por pouco mais de 600 brasileiros num país com 212 milhões de pessoas. Por falta de acordo entre os parlamentares, a comissão acabou adiando a votação para esta quinta-feira.

Embora o sistema atual seja imperfeito e questionável, o Distritão enfraquece partidos e reduz a participação de minorias, limitando a diversidade num Congresso que já é engessado. As mulheres, por exemplo, representam somente 15% dos parlamentares, e podem ter sua voz ainda mais restrita numa sociedade com mais de 50% de brasileiras. “Só quatro países no mundo adotam o Distritão. Nenhuma democracia madura adota esse modelo”, disse o deputado Henrique Santana (PT-RS). “Atenção eleitor, 70% dos votos serão jogados na lata do lixo na disputa para deputado federal”, completou.

Em meio a uma pandemia que exige todos os olhos dos governantes, e ainda sob uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado que investiga as responsabilidades do presidente da República na gestão sanitária que levou à morte de 550.000 pessoas, as manobras políticas para mudar o pleito passam despercebidas para a grande maioria dos eleitores. Ainda que lideranças na sociedade civil ensaiem reação às novas investidas. Se a CPI e o avanço da vacinação estimularam partidos de esquerda a levar seus eleitores para a rua, agora a elite e formadores de opinião decidiram tomar posição. Nesta quinta-feira, um manifesto de empresários, banqueiros e líderes religiosos, publicado nos principais jornais do país, faz defesa da democracia e das eleições em especial.

Tudo para amplificar a voz do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que reage como pode à campanha de difamação do presidente Bolsonaro. Na entrevista à Jovem Pan desta quarta, Bolsonaro, que já admitiu não ter provas contra as urnas eletrônicas, apresentou relatório da Polícia Federal que investigava o ataque hacker ao sistema do TSE, e sugeriu que seria fácil alterar o código fonte dos programas para favorecer um ou outro candidato. Mas Bolsonaro não explicou que o assunto foi amplamente divulgado pelo tribunal na ocasião e que o TSE já havia detalhado que não havia risco para os resultados de 2018 —num pleito vencido com ampla vantagem não só por Bolsonaro, como por todos os candidatos que atrelaram suas campanhas ao nome dele.

Em nota, o TSE esclareceu que não houve risco aos resultados do pleito, uma vez que os chamados códigos fonte passam por “sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu”, diz o tribunal. “Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado.”

Bolsonaro insiste em sua cruzada, num momento em que se vê acossado por uma queda de popularidade e um aumento na rejeição a seu nome. Ironicamente, tornando mais palatável ao eleitor a volta ao poder de seu maior rival, o ex-presidente Lula, como mostram as pesquisas de opinião mais recentes. O presidente brasileiro insiste na fórmula tentada sem sucesso pelo ex-presidente Donald Trump, que incentivou a invasão do Capitólio em 6 de janeiro. O método chegou a ser replicado pela candidata derrotada no Peru, Keiko Fujimori, que instigou seus seguidores a contestar o resultado das eleições vencidas no mês passado por Pedro Castillo —peruanos seguidores de Keiko também marcharam até o Palácio do Governo em Lima e chegaram a atacar carros de ministros.

Se perde o apoio popular, Bolsonaro mantém o apoio dos militares que estão no Governo, assim como o bloco dos deputados Centrão, que agora entra no Governo com a posse de Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro da Casa Civil. Nogueira e Arthur Lira, presidente da Câmara, são as principais lideranças desse grupo. A um ano e três meses da eleição, os brasileiros só têm certeza de uma coisa: as eleições de 2022 serão um campo de batalha interminável.

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