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Ministro do STF inclui Bolsonaro no inquérito das ‘fake news’, em terceira investigação contra o presidente

Alexandre de Moraes aceita notícia-crime enviada pelo TSE após presidente apresentar informações mentirosas sobre o voto eletrônico. Mandatário reage com nova alegação contra o tribunal e insinua resposta antidemocrática: “Antídoto não está dentro das quatro linhas da Constituição”

O presidente Jair Bolsonaro retira máscara durante cerimônia de posse de Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro da Casa Civil, nesta quarta.
O presidente Jair Bolsonaro retira máscara durante cerimônia de posse de Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro da Casa Civil, nesta quarta.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Daniela Mercier
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Brazil's President Jair Bolsonaro attends a ceremony at the Ministry of Citizenship, in Brasilia, Brazil, Monday, Aug. 2, 2021. Bolsonaro once again mentioned in his speech the existence of fraud in the Brazilian electoral system. The electoral court has rebuffed his claims as baseless, saying the system is trustworthy and there are several means of checking results. (AP Photo/Eraldo Peres)
TSE abre inquérito e inclui Bolsonaro em investigação no STF por ataques mentirosos às urnas eletrônicas
Supporters of Brazilian President Jair Bolsonaro take part in a protest calling for a printed vote, in Paulista Avenue, Sao Paulo, Brazil, August 1, 2021. REUTERS/Amanda Perobelli
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu o presidente Jair Bolsonaro na lista de investigados no inquérito das fake news por alegações sem fundamento contra o sistema de voto eletrônico no Brasil e ameaças à realização das eleições de 2022. Moraes, que é relator da investigação, aceitou a notícia-crime apresentada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, e aprovada por unanimidade pela corte eleitoral na sessão da última segunda-feira. Essa se torna, assim, a terceira apuração no âmbito do STF contra o presidente, consolidando o conflito entre o Executivo e o Judiciário no país. Em resposta, Bolsonaro declarou que o inquérito não tem “qualquer embasamento jurídico” e insinuou reação antidemocrática: “Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”.

Bolsonaro já é alvo de um inquérito que apura a suspeita de interferência política no comando da Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em abril do ano passado. Além disso, o mandatário é investigado por determinação da corte sob suspeita de prevaricação —um crime contra a administração pública, que ocorre quando um agente público deixa de cumprir seu dever por interesse pessoal— nas negociações sobre a compra da vacina indiana Covaxin. Segundo relatado na CPI da Pandemia pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, servidor do Ministério da Saúde, Bolsonaro foi informado de pressão atípica para aprovar a compra do imunizante contra a covid-19, e o inquérito apura se o mandatário tomou providências no caso —após o depoimento dos irmãos Miranda à CPI, o contrato com a fabricante da vacina foi cancelado.

A notícia-crime aceita nesta quarta-feira é uma das duas frentes de apuração abertas pelo TSE após a realização de uma live nas redes sociais em que o presidente repetiu suspeitas baseadas em vídeos da internet, já desmentidas por diversos órgãos, para apontar a existência de fraude na apuração dos votos nas eleições de 2014, vencidas pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) contra o atual deputado Aécio Neves (PSDB). No pronunciamento, Bolsonaro fez ataques ao ministro Barroso e afirmou, admitindo não ter provas do que relatava, que o presidente do tribunal eleitoral “interfere” para que não haja transparência nas eleições. “Por que o Presidente do TSE quer manter a suspeição sobre as eleições? Quem ele é? Por que ele continua interferindo por aí? Com que poder? Não quero acusá-lo de nada, mas algo de muito esquisito acontece”, declarou Bolsonaro durante a transmissão no último dia 29.

O inquérito das fake news foi aberto em 2019 por determinação do então presidente do STF Dias Toffoli, para apurar a disseminação de notícias falsas, denunciações caluniosas e ameaças contra os ministros da corte. Para Moraes, a live “se revelou como mais uma das ocasiões em que o mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições”, em especial o STF e o TSE, “imputando aos seus ministros a intenção de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato” e “sustentando, sem quaisquer indícios, que o voto eletrônico é fraudado e não auditável”.

“Nesse contexto, não há dúvidas de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do poder judiciário, o Estado de direito e a democracia”, declarou Moraes em sua decisão.

Moraes também cita possíveis crimes que serão investigados com base nas declarações de Bolsonaro: calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa e denunciação caluniosa, previstos no Código Penal, e outros delitos definidos na Lei de Segurança Nacional e no Código Eleitoral.

Ao acolher a notícia-crime apresentada por Barroso, o relator determinou a convocação como testemunha do ministro da Justiça, Anderson Torres, e de outras quatro pessoas que participaram da transmissão. Entre elas está Eduardo Gomes da Silva, coronel reformado de Artilharia do Exército que foi apresentado por Bolsonaro como “analista de inteligência” que alertou sobre os indícios, já descartados, de fraude. Moraes também pede a transcrição oficial, pela Polícia Federal, do vídeo da live.

Em outra frente de investigação, também aprovada por unanimidade na segunda-feira, o TSE decidiu abrir um inquérito administrativo contra o presidente para investigar suspeita de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, abuso do poder político ou uso indevido dos meios de comunicação social, uso da máquina administrativa e propaganda eleitoral antecipada.

A ofensiva do judiciário ocorre na semana em que uma comissão especial da Câmara deve votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019. O texto estabelece a implantação de um tipo de urna eletrônica que permita a impressão do registro do voto —ou seja, uma cédula em papel que seria depositada em uma urna para eventual conferência pelo eleitor. O TSE afirma que a medida pode tornar a votação vulnerável a compra de votos e fraude na contagem. Além disso, a ideia parte de uma premissa errônea de que o voto eletrônico não seria “auditável” —na verdade, o sistema passa por diversos estágios de checagem, e após cada votação é impresso um boletim de urna, que ajuda na comprovação da credibilidade e da transparência do aparelho.

A discussão da versão do relator, o deputado governista Filipe Barros (PSL-PR), deve ocorrer nesta quinta-feira, 5. A autora da proposta é a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No domingo, defensores do voto impresso saíram às ruas e receberam endosso de Bolsonaro, que voltou a ameaçar a realização das eleições caso a proposta não seja aprovada. “Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição”, disse. “Nós mais que exigimos, podem ter certeza, juntos porque vocês são de fato meu Exército —o nosso Exército— que a vontade popular seja expressada na contagem pública dos votos”, afirmou em videochamada aos manifestantes, segundo reportado pela Folha de S.Paulo.

Bolsonaro reage

Nesta quarta-feira, Bolsonaro atacou a inclusão de seu nome no inquérito das fake news. “Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”, declarou à rádio Jovem Pan.

Ao lado do deputado Filipe Barros, ele dobrou a aposta contra o sistema eleitoral e afirmou que TSE perdeu informações sobre a invasão de um hacker no sistema do tribunal, invasão que demonstraria a alegada vulnerabilidade do sistema. Bolsonaro e Barros se baseiam em um inquérito da PF sobre a violação do sistema do TSE em 2018, numa ação que poderia alterar a programação das urnas eletrônicas. Os detalhes sobre a invasão, que teria ocorrido ao longo de seis meses, foram apagados, alegaram os dois, com base na investigação policial.

Durante entrevista ao programa Pingos nos Is, Barros lê um trecho do inquérito da PF no qual o TSE justifica por que não pode fornecer mais dados aos investigadores: “Devido a manutenções para solucionar travamentos no firewall do TSE, a equipe da Global IP, uma empresa terceirizada, realizou reinstalação do serviço de gerência, não tendo o devido cuidado de não prejudicar os logs armazenados. Assim, informamos que o TSE não possui dados adicionais para repassar à Polícia Federal”.

“O TSE apagando as pegadas daquele que invadiu o TSE. Isso é um crime!”, disse Bolsonaro ao comentar o relatório, que ele prometeu divulgar em suas redes sociais. “Está comprovado pelo próprio TSE que ela [a urna] é penetrável”, declarou o presidente, que também criticou Alexandre do Moraes por abrir o inquérito das fake news. “Ele abre o inquérito, não é adequado abrir isso: ele investiga, ele pune e ele prende”, disse durante a entrevista.

Em julho, ex-procuradores-gerais eleitorais divulgaram nota em defesa do sistema eletrônico. “Em todas as eleições brasileiras sob o sistema de urnas eletrônicas jamais houve o mais mínimo indício comprovado de fraude. Tivesse havido, o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral teriam atuado prontamente, coerentes com a sua história de enfrentamento de qualquer ameaça à lisura dos pleitos”, declararam.

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