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Fala de ministro da Defesa eleva tensão sobre interferência militar na eleição

Segundo o jornal ‘O Estado de S. Paulo’, general Braga Netto usou interlocutor político para ameaçar o presidente da Câmara, Arthur Lira, acerca das próximas eleições. Ministro nega a ameaça, mas reitera defesa do voto impresso

Walter Souza Braga Netto, ministro de Defensa de Brasil
Braga Netto nesta quinta-feira em cerimônia em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)
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Cristiano Carvalho, the representative of Davati Medical Supply attends a meeting of the Parliamentary Inquiry Committee (CPI) to investigate government actions and management during the coronavirus disease (COVID-19) pandemic, at the Federal Senate in Brasilia, Brazil July 15, 2021. REUTERS/Adriano Machado
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O ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, enviou recado ao presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), em que ameaça a realização das próximas eleições, segundo uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta quinta-feira. O ministro teria pedido para avisar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável. Lira, que é responsável por organizar a ordem de votações na Câmara dos Deputados, teria recebido a mensagem no último dia 8 por meio de interlocutores e avaliado a situação como “gravíssima”. A reportagem fomentou uma nova crise no entorno do Governo. Todos os envolvidos negaram as falas, mas a tensão e a desconfiança subiram em relação aos militares .

Após a publicação da reportagem, o general negou que tenha enviado o recado a Lira, mas reiterou a defesa do voto impresso. “O ministro da Defesa informa que não se comunica com os presidentes dos poderes, por meio de interlocutores”, afirmou Braga Netto, após discursar na cerimônia de inauguração de uma antena de satélite, no Ministério da Defesa. “Trata-se de mais uma desinformação que gera instabilidade entre os poderes da República em um momento que exige união nacional. O Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam sempre, e sempre atuarão, dentro dos limites previstos da Constituição”, afirmou. Na sequência, expôs sua posição sobre o voto impresso: “Todo cidadão deseja maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias. A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo Governo federal e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”. A nota na íntegra pode ser lida aqui.

Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, foi ao Twitter e publicou uma mensagem nas entrelinhas, sem confirmar e também sem negar o ocorrido. “A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”, escreveu. Num segundo post, disse que “as últimas decisões do Governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o país avançar”.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que já respondeu em outras ocasiões aos discursos do presidente colocando em xeque a credibilidade da urna eletrônica, foi à mesma rede social e colocou panos quentes. “Conversei com o Ministro da Defesa e com o Presidente da Câmara e ambos desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições. Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”, escreveu o ministro.

O recado de Braga Netto é mais uma subida no tom dessa crescente ameaça que Bolsonaro vem fazendo às eleições e à democracia. No mesmo dia em que o deputado Arthur Lira teria recebido o recado do general, 8 de julho, o presidente disse publicamente o mesmo que seu ministro. “Ou fazemos eleições limpas ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro a apoiadores no Palácio da Alvorada.

O presidente coloca em dúvida a lisura do processo eleitoral desde o pleito que o elegeu, sem nunca ter apresentado provas. Nos últimos meses, o tema tem sido insistentemente tratado em seus discursos, que tem reafirmado que as eleições precisam ser auditadas para que possam ocorrer. No dia 6 de maio, afirmou em uma live em suas redes sociais: “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada”, disse. “Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado”.

A escalada da ameaça à eleição é impulsionada por três fatores. O primeiro é a popularidade do Governo, que vem despencando nos últimos meses. A pesquisa mais recente do instituto Datafolha, realizada no início de julho, mostra que a rejeição a Bolsonaro bateu recorde de 51%. O segundo fator, e talvez o mais importante para que os militares passassem a somar forças à ameaça das eleições do ano que vem, é a CPI da Pandemia. À medida que as investigações avançam, a gestão malfadada da crise sanitária fica evidente, somada às fortes suspeitas de corrupção envolvendo a negociação de vacinas e à mal contada história da alta produção de cloroquina pelo Laboratório do Exército. O cerco da CPI vem se fechando não só em torno do presidente como também dos militares.

Por último, a PEC 135/2019, de autoria da deputada governista Bia Kicis (PSL-DF) e que estabelece o voto impresso, sofreu um revés na Câmara dos Deputados recentemente. Até o final de junho, o cenário que se desenhava era pela aprovação da PEC, que propõe que o voto da urna eletrônica seja também impresso e colocado em uma segunda urna, para ser auditado. Diante deste cenário, o judiciário intercedeu: os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes se reuniram com líderes de 11 partidos para conversar sobre a proposta. Após a conversa, os líderes substituíram, dentro da comissão especial que analisa PEC, os parlamentares favoráveis ao voto impresso,por deputados contrários à emenda. A dança das cadeiras promoveu ao menos 20 trocas dentro da comissão, que agora tem maioria contrária à aprovação da PEC. Os bolsonaristas agora buscam fomentar apoio popular à medida para pressionar os parlamentares.

Ainda assim, a proposta precisará correr contra o relógio para poder ser aprovada a tempo de ser implementada já no ano que vem. O texto, que deve ser apreciado na comissão logo após o recesso parlamentar, deverá ser aprovado até o início de outubro para que possa valer já para a próxima eleição. Depois da comissão, a PEC ainda precisará ser aprovada em dois turnos Câmara e dois turnos no Senado.

Enquanto isso, os olhos do Supremo estão voltados para as ameaças do Governo à democracia. No último dia 13, o presidente da Corte, ministro Luis Fux, convidou Bolsonaro para uma reunião para tratar da crise entre os dois poderes e cobrou “respeito às instituições e aos limites impostos pela Constituição Federal”. O encontro não esgotou o assunto e uma nova reunião com a presença dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) deverá ser marcada.

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