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Governo Bolsonaro enfraquece o INPE e retira do órgão divulgação sobre dados de queimadas

A partir desta terça-feira, informações sobre queimadas e incêndios florestais no Brasil serão monitorados e divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), subordinado ao Ministério da Agricultura

Chamas de uma queimada ilegal se alastram pela Amazônia, em agosto de 2020.
Chamas de uma queimada ilegal se alastram pela Amazônia, em agosto de 2020.CARL DE SOUZA (AFP)

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A partir desta terça-feira, os dados sobre queimadas e incêndios florestais no Brasil serão monitorados e divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), subordinado ao Ministério da Agricultura, e não mais pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), um órgão estritamente técnico, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. A medida, que o Governo Bolsonaro afirma que não afetará o trabalho do INPE, alarmou mais uma vez especialistas e pesquisadores, que veem na mudança uma forma de tentar controlar a informação e enfraquecer o órgão, que já foi atacado por Jair Bolsonaro. Os últimos dados divulgados pelo INPE mostram que a Amazônia teve o maior número de focos de queimadas dos últimos 14 anos para mês de junho, com 2.308 focos de calor.

O anúncio da mudança foi feito na segunda-feira, durante reunião com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com o diretor do Inmet, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira. O diretor afirmou que os dados sobre locais com maior probabilidade de ocorrência de queimadas serão divulgados pelo Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio, uma ferramenta criada, segundo Oliveira, para evitar problemas de integração de dados, uma vez que as informações meteorológicos vinham do Inmet. “É um problema que o Brasil enfrentava há décadas, na verdade, há mais de 40 anos, a pulverização na divulgação de dados sobre incêndio e meteorologia”, disse. Já o Ministério da Agricultura limitou-se a dizer, por meio de uma nota enviada à imprensa, que “a iniciativa se deu devido aos incêndios florestais e queimadas, que ocorrem normalmente de julho a setembro no Brasil central, ocasionando grande impacto ao meio ambiente, ao agronegócio e à economia brasileira”.

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(FILES) In this file photo taken on August 25, 2019 cattle graze with a burnt area in the background after a fire in the Amazon rainforest near Novo Progresso, Para state, Brazil. - A fifth of Brazil's soy and beef exports to the European Union (EU) come from illegally deforested land, according to an investigation - "The rotten apples of the Brazilian agribusiness" - published on July 16, 2020 by US magazine Science. (Photo by Joao Laet / AFP)
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Funcionários do INPE ouvidos pelo EL PAÍS, que preferiram não se identificar, afirmaram que souberam das mudanças pela imprensa e que o dia de trabalho foi de “confusão” nesta terça-feira. A emissão de alertas de incêndio e áreas propícias para fogo é um subproduto do Programa Queimadas que o INPE desenvolve há décadas, com a divulgação diária de dados técnicos que são utilizados para ações de combate e prevenção de incêndios. Um dos funcionários que conversou com a reportagem explica que o Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio seria apenas um novo produto do Inmet e que “o problema surgiu porque o anúncio deu a impressão de que o INPE e Censipam [Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia] descontinuarão seus serviços”.

De fato, o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) publicou nota no início da tarde desta terça-feira informando não ser verdadeira a informação de que INPE e Censipam deixarão de mostrar tais dados. O próprio texto —que não está assinado— diz que as informações de incêndios e queimadas serão divulgadas de forma unificada pelo Inmet e não mais por cada órgão. De acordo com a nota, o novo painel é “é complementar aos produtos já implementados pelas Instituições e serve para melhorar o monitoramento de queimadas”, com o objetivo de “juntar as informações sobre o risco de incêndio e divulgá-las de maneira conjunta e não mais como cada instituição, ou seja, todos os relatórios do Governo Federal serão divulgados em conjunto pelo Sistema Nacional de Meteorologia”.

O SNM também informa que enviará à Casa Civil nos próximos dias uma “minuta de regulamentação com o planejamento para a temporada de incêndios 2021”, na qual consta que os órgãos que o compõem enviarão boletins semanais com informações sobre a situação meteorológica, previsões e monitoramento de queimadas.

A explicação não acalmou os ânimos. “Bolsonaro fazendo jus ao título de governo do desmonte ambiental. Retirou do INPE a função de divulgar dados de queimadas. Na prática, o recado é: zero transparência, esvaziar órgão de monitoramento e sinalizar que apoia aqueles que praticam ações criminosas contra as florestas”, escreveu a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

O Governo de Jair Bolsonaro, tenta, desde 2019, mudar o sistema e a divulgação de dados sobre incêndios e desmatamento no país. Naquele mesmo ano, o físico Ricardo Galvão foi exonerado do cargo de diretor do INPE pelo presidente após defender a veracidade dos dados divulgados pelo órgão —duas semanas antes, Bolsonaro afirmou que as informações sobre a ação de criminosos na Amazônia publicadas pelo INPE eram “mentirosas”. Após a saída de Galvão, os dados têm continuado a mostrar um aumento sistemático mensal nos níveis de desmatamento, por exemplo, mas Bolsonaro continuou a afirmar que o ex-diretor, que estava no INPE desde 1970, estaria “a serviço de alguma ONG”.

Nesta terça-feira, Galvão disse ao Estado de S. Paulo que a mudança proposta na divulgação dos dados de queimadas é mais uma forma de tentar controlar as informações e ressaltou que “o trabalho feito pelo INPE nessa área é reconhecido mundialmente”. “O INPE não tinha essa questão de conflito de interesses. É um órgão da ciência e tecnologia. Seus dados sempre foram importantes e respeitados. Essa mudança claramente é para controlar a informação. É a única razão de fazer isso”, disse o ex-diretor do órgão.

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