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Governo Bolsonaro
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Juliana Paes puxou o gatilho

O vídeo da atriz que criticava a polarização “doentia” acabou generalizando a esquerda com o termo “delírios comunistas” e se tornou o primeiro de uma série de postagens com posicionamento de influenciadores de altíssimo engajamento nas redes sociais

Juliana Paes na postagem que desencadeou a polêmica, no Instagram.
Juliana Paes na postagem que desencadeou a polêmica, no Instagram.Reprodução/Instagram
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A cobrança para que influenciadores digitais assumam seus posicionamentos políticos está cada vez maior. Alguns se manifestam de forma espontânea, outros se sentem intimidados e o fazem. Na semana passada, o cantor Djavan se declarou abertamente contra Bolsonaro. Na anterior, impulsionados pela marca de meio milhão de mortes pela covid-19, a atriz Paolla Oliveira, a apresentadora Ana Maria Braga, os ex-BBBs Lucas Penteado, Juliette e Gil do Vigor e até mesmo a cantora Ivete Sangalo, que havia conseguido a façanha de não declarar seu voto nas eleições de 2018, foi obrigada a sair do armário de colocar-se abertamente contra o atual Governo. Neste sábado, foi a vez de a atriz Leandra Leal viralizar ao falar contra o presidente no programa Altas Horas, da rede Globo. “Tem uma autocrítica que a sociedade tem que fazer agora. Como a gente deixou Bolsonaro ser eleito presidente?”, perguntou, lembrando que ele já destilava ódio, homofobia e fake news. “Não foi uma escolha difícil”, completou.

No entanto, foi a postagem da atriz Juliana Paes em seu Instagram no início de junho que causou a maior comoção dentre os posicionamentos de famosos na internet. O vídeo, um registro de 5 minutos e 18 segundos, intitulado “Carta a uma colega…” teve mais de 11,7 milhões de visualizações e 388.000 comentários, só na conta de Paes. Nele, a global, com olhos marejados e voz levemente embargada, se posicionava politicamente e desabafava sobre a pressão que tem sofrido para fazer isso.

O caso ilustra de maneira emblemática o potencial de viralização das redes sociais, em que virtualmente qualquer post pode alcançar milhões de pessoas. Ele também mostra a importância do posicionamento político e a capacidade cada vez maior que influenciadores têm tido em pautar debate público. Em sete dias, o nome Juliana Paes teve 315.000 menções no Twitter, mais do que a CPI da Covid naquela mesma semana.

Os conteúdos capazes de provocar esse efeito viral são aqueles que mexem com nossas emoções, ou, para usar um termo em voga, acionam gatilhos. Ao sugerir uma simetria entre dois polos políticos e usar a expressão “delírios comunistas”, a atriz puxou o gatilho que desencadeou uma enxurrada de críticas. Como observou o Despolarize, projeto que busca promover ações que estimulem diálogo entre quem tem posições diferentes, ao generalizar o polo à esquerda como “comunista”, Paes desqualificou e demonizou um dos lados, aumentando a sensação de ameaça e, consequentemente, contribuindo para a polarização que ela própria chama de “doentia, estúpida, que só faz a gente adoecer como povo”.

Uma leitura diagonal dos quase 400.000 comentários do Instagram da atriz mostra um certo balanço entre mensagens de apoio e críticas. Natural, já que a maior parte da comunidade que já a seguia nutre admiração e carinho por ela. No Twitter, porém, plataforma mais conhecida por ser uma arena pública de debate, sem o viés dos seguidores da atriz, a polêmica postagem de Paes foi amplamente desfavorável a ela.

A pedido desta coluna, a consultoria Arquimedes, especializada em análises políticas nas redes sociais, coletou uma amostra de 260.000 tuítes no período de 3 a 10 de junho. Segundo a Arquimedes, quase 84% das manifestações reprovaram a publicação de Paes.

Foram atores de fora da política, mas com posicionamentos progressistas, que tiveram maior alcance ao comentar a postagem de Paes. A publicação de maior destaque nessa rede foi a da atriz Maria Bopp, que interpreta nas redes a personagem fútil “blogueirinha do fim do mundo”, que disse que Juliana Paes teve um “delírio isentista” e reproduziu o comentário de outro ator, Ícaro Silva, sobre a postagem. A atriz Clarice Falcão, com uma tirada bem humorada, disse que o post tinha um valor histórico imensurável e iria recorrer aos comentários da referida postagem para “saber quem é bolsominion”. Também teve grande repercussão.

Dois grupos saíram em defesa de Juliana Paes. Com 3,88% das publicações, o primeiro é formado basicamente por integrantes do MBL, como Arthur do Val (Mamãe Falei) e Renan dos Santos. Mas o maior agrupamento de apoio à atriz foi formado por influenciadores bolsonaristas, com 12,38% das menções, que defendeu a “liberdade de expressão” de Juliana Paes, tendo como principal publicador um dos maiores influenciadores do bolsonarismo hoje, o jornalista Alexandre Garcia. O perfil Patriotas (sem relação com o partido), também ferrenhamente bolsonarista, publicou que a atriz “furou a bolha” e deixou globais irritados.

O vídeo de Juliana Paes pode ser lido de diversas formas. Há ali um desabafo compreensível a respeito da pressão para que uma atriz sem histórico de participação política se posicione. Nem toda celebridade quer expor a sua posição política e essa opção individual deve ser respeitada.

Ocorre que, no fim das contas, Juliana Paes se posicionou, abrindo o caminho para que suas opiniões se tornassem objeto do debate público. E o fez, parece, de uma forma um tanto impulsiva, em que, talvez, a mensagem geral que quisesse passar tenha ficado obscurecida tanto pela atual polarização do debate, como pelo caráter genérico e simplista de algumas frases. Como dito acima, foi uma intervenção que, provavelmente, não conseguiu qualificar (pelo menos não para todos) o desejo por menos polarização.

Quando se posicionou, o que Juliana Paes parece ter defendido é o que se tem chamado de uma “terceira via”, ou seja, uma opção política que não seja representada nem por Bolsonaro nem por Lula. É uma opção política legítima, desde que venha acompanhada da defesa expressa da democracia. Juliana Paes também citou outras pautas de seu interesse, de forma a apresentar os valores políticos que gostaria de ver promovidos.

Apesar de os comentários das redes sociais não serem, em geral, um ambiente propício para o debate político ponderado, este caso reforça a impressão de que influenciadores e celebridades, principalmente aqueles que não costumam participar do debate político, devem ser cuidadosos quando se posicionam, de forma a pesar as palavras usadas e evitar “gatilhos”, aumentando as chances de que a mensagem em si seja esvaziada.

Fato é que o desabafo de Paes parou a internet. E ficam as perguntas: estamos prontos para que celebridades e influenciadores pautem o debate político? Eles estão preparados para assumirem este papel? Nas palavras da própria Juliana Paes: “é muita responsabilidade influenciar sobre tudo sem saber os fatos”. E tampouco acrescentaria ao debate público.

Clara Becker é fundadora do site Redes Cordiais, uma iniciativa que alia educação digital e combate às notícias falsas e discursos de ódio nas redes sociais.

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