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Brasil recebe metade das vacinas da Janssen previstas para junho enquanto quatro capitais suspendem vacinação

Ministro da Saúde tenta emplacar agenda positiva sobre o cronograma de imunização, mas falta de doses em capitais é balde água fria num momento em que a campanha ganhava ritmo no país

Marcelo Queiroga aplica uma dose da vacina na moradora Conceição Campos, em Paquetá, no último domingo (20). Moradora disse que preferia ter sido vacinada pela médica Margareth Dalcomo, da Fiocruz.
Marcelo Queiroga aplica uma dose da vacina na moradora Conceição Campos, em Paquetá, no último domingo (20). Moradora disse que preferia ter sido vacinada pela médica Margareth Dalcomo, da Fiocruz.ANDRE BORGES (AFP)

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O Brasil recebeu nesta terça-feira 1,5 milhão de doses de vacinas contra covid-19 da Janssen, metade do lote previsto para o mês de junho. As vacinas, que desembarcaram no aeroporto de Guarulhos (SP) no início da manhã, precisam ser usadas até agosto, quando expira o prazo de validade estendido do imunizante. A vacina da Janssen é a única com dose única aprovada pelo Brasil, o que impacta diretamente sobre o Plano Nacional de Imunização. A chegada, com atraso, das doses encomendadas pelo Governo federal acontece no mesmo dia em que a cidade de São Paulo e ao menos outras três capitais brasileiras ―Aracaju (SE), Campo Grande (MS) e Florianópolis (SC)― suspenderam temporariamente a aplicação das 1ª doses de vacinas por falta de medicamentos disponíveis.

Nas últimas semanas, o país parecia ter finalmente engrenado um ritmo de vacinação razoável ―e chegou a aplicar mais de duas milhões de doses em um único dia, na quinta-feira, 17 de junho. Entretanto, a semana começou com a informação de não havia vacinas disponíveis em mais da metade dos postos de saúde da capital paulista, que na mesma segunda anunciou a suspensão da vacinação na terça-feira e mudanças no cronograma do mês. A prefeitura disse que não recebeu do Estado vacinas suficientes, mas o Governo de João Doria (PSDB) atribuiu a escassez a atrasos nas entregas previstas pelo Ministério da Saúde. A pasta federal, por sua vez, negou ter descumprido prazos e disse que é responsabilidade das gestões estaduais a distribuição de medicamentos para os municípios.

A paralisação da vacinação em São Paulo e outras capitais, ainda que temporária, é um balde de água fria sobre o brasileiro, que vinha celebrando o adiantamento do calendário da imunização em algumas regiões. Na semana passada, Doria e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), chegaram a publicar em suas redes sociais provocações, em tom de brincadeira, sobre quem concluiria a vacinação da população adulta mais rapidamente. Entretanto, o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, observou que, quanto mais se avança no cronograma pelas faixas etárias, maior a demanda, pois maior a população alvo. “Com o alargamento da chamada pirâmide, ou seja, a gente passa a descer nas faixas etárias onde tem o maior contingente de pessoas, é fundamental que nesse momento o abastecimento seja mais regular e, no caso da cidade de são Paulo, seja cada vez maior”, disse em entrevista à GloboNews no início da manhã desta terça.

A previsão da Prefeitura de São Paulo é que, com o reabastecimento dos postos de saúde ―que deve receber 186.000 doses de Coronavac e 30.000 doses de vacinas da AstraZeneca ainda nesta terça― na quarta-feira, as pessoas com 49 anos possam ser imunizadas na cidade.

Não é a primeira vez que a vacinação é suspensa temporariamente em algumas capitais brasileiras. Nas semanas anteriores, foi suspensa a aplicação das primeiras doses nos postos de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. O Estado é o que está mais avançado, proporcionalmente, na imunização da população: 14,42% dos habitantes do MS receberam as duas doses de vacina ―em todo o país, o percentual de imunizados é de 11,52%, segundo as estimativas das secretarias estaduais de Saúde. A situação foi normalizada após o recebimento de novos repasses pelo Governo federal. Mas o secretário de São Paulo alerta que, diante do avanço do cronograma por faixa etária, sejam estabelecidos calendários mais “realistas”. “[É importante] que a gente tenha sempre um calendário que seja muito realista, que esteja adequado com a disponibilidade de vacina e com essa boa vontade da população que quer ser vacinada”, disse Aparecido. São Paulo prevê concluir até setembro a aplicação da primeira dose de vacinas em toda a população com mais de 18 anos.

Meta é vacinar toda a população adulta até dezembro

Atualmente, o Brasil tem em circulação três vacinas contra a covid-19 no SUS: a Coronavac (desenvolvida pela Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan); o imunizante da AstraZeneca/Oxford (produzida no Brasil pela Fiocruz) e a vacina da Pfizer. Todas requerem a aplicação de duas doses para que a pessoa alcance o índice de proteção prometida pelos laboratórios. A Janssen é a única vacina que garante imunização completa com apenas uma dose, mas sua chegada ao Brasil foi ―como tem sido toda a campanha de vacinação brasileira― envolta em apreensão e polêmica.

O lote que chega nesta semana venceria em 27 de junho. Entretanto, uma análise técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou que os imunizantes sejam utilizados até 8 de agosto ―sem prejuízo na eficácia―, segundo o parecer dos cientistas, desde que armazenados em temperatura de 2° a 8°C. O Governo ainda não informou quando deve chegar a segunda metade do lote prevista para este mês, que também corresponde a 1,5 milhão de doses de vacinas.

Já a vacina indiana Covaxin nem chegou ao Brasil e já é o centro de uma investigação sobre a suposta conduta irregular do Governo Bolsonaro na compra. Reportagem da Folha de S.Paulo publicada na semana passada apontava que um servidor do Ministério da Saúde relatou uma pressão atípica da pasta pela importação do imunizante. Já O Estado de S.Paulo revelou que a vacina foi comprada por um preço 1.000% maior que o anunciado pelo fabricante seis meses antes. O caso ―que já entrou no radar da CPI da Pandemia― é investigado pelo Ministério Público Federal. A pasta nega irregularidades na compra.

Em depoimento na segunda-feira à Comissão Temporária sobre a Covid-19 no Senado (um grupo de trabalho paralelo à CPI da Pandemia), o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) celebrou o recebimento das vacinas da Janssen e anunciou que todos os brasileiros maiores de 18 anos serão vacinados com uma dose de imunizantes até o final de setembro, e que esta população estará completamente protegida (com as duas aplicações ou, no caso da Janssen, com uma dose) ainda em 2021.

Para alcançar o objetivo de acelerar o PNI, o ministro disse se fiar em “630 milhões de doses de vacinas variadas adquiridas” pelo Governo federal. “É possível antever que tenhamos a população brasileira acima de 18 anos vacinada até o final do ano de 2021, o que consideramos dentro das condições de carência de vacina no mundo, uma meta bastante razoável e que faz jus à força e à tradição do nosso programa nacional de imunização”, afirmou Queiroga, numa tentativa de emplacar uma agenda positiva para a pasta, acuada pela CPI.

Os anúncios de Queiroga ocorrem dias após o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros (MDB-AL), anunciar que o ministro e outras 13 pessoas passaram à condição de investigadas pela comissão (até então ele era considerado uma testemunha), e no contexto de retomada das ruas por movimentos de oposição ao Governo Bolsonaro.

O plano vacinal do ministro é visto, entretanto, com algum ceticismo em função dos constantes atrasos nas entregas de imunizantes e insumos registrados este ano, que já obrigaram a Saúde a rever o planejamento das doses para o primeiro semestre ao menos três vezes nos últimos meses. Sobre Bolsonaro pesa ainda o fato de ter ignorado diversos e-mails referentes à aquisição de vacinas da Pfizer em 2020. Atualmente, com mais de cinco meses de campanha de vacinação em curso, apenas 11,52% da população brasileira (24,2 milhões de pessoas) foi imunizada com as duas doses.

O ministro não detalhou à Comissão o cronograma preciso de recebimento de doses para os meses de agosto e setembro: até o momento, o calendário oficial prevê a distribuir 41 milhões em julho, 60 milhões de doses em agosto, 60 milhões em setembro, totalizando 161 milhões. ”Ainda não divulgamos o calendário detalhado desses imunizantes nos outros meses porque ainda não temos confirmação dos laboratórios”, afirmou o secretário-executivo da pasta, Rodrigo Cruz, que também participou da audiência no Senado.

A afirmação de Queiroga sobre a cobertura vacinal de todos os adultos com uma dose até setembro coloca em pé de igualdade todos os Estados brasileiros, uma vez que até o momento apenas alguns haviam antecipado seu cronograma vacinal —principalmente a cidade do Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão, que já se preparam para avançar nas faixas etárias abaixo de 50 anos nos próximos dias. “Em relação à nossa campanha de vacinação, estamos muito seguros que ela vai caminhar com celeridade. Tanto é que os próprios Estados entre si, entre aspas, já travam uma certa disputa, no bom sentido, para verificar quem está vacinando mais. Observamos com satisfação que a campanha vem evoluindo”, disse o ministro.

Queiroga também traçou um panorama otimista para 2022, prevendo a autonomia da Fiocruz (responsável pela fabricação de parte das vacinas da AstraZeneca no país) na elaboração do imunizante. O ministro também abordou a questão de um possível reforço vacinal a ser aplicado no ano que vem, mas frisou que “ainda não temos as evidências científicas sobre isso”, e que estudos teriam que ser conduzidos.

Saia justa

No último domingo, 20 de junho, Marcelo Queiroga enfrentou uma saia justa na ilha de Paquetá (RJ). Após aplicar uma dose de vacina em uma moradora da ilha, Queiroga a questionou se ela estava feliz ao receber o imunizante. No que foi surpreendido. “Estou feliz pela vacina, mas não queria ter sido vacinada por você. Preferia ter sido vacinada por ela”, disse a escritora Conceição dos Campos, apontando para a médica Margareth Dalcomo, da Fiocruz. “A vacina é verdadeira, mas a mão que me aplicou não é. Essa sensação foi muito forte para mim. De estar recebendo uma vacina pela mão de um representante do Governo que não fala bem da vacina, que não defende a máscara, que não defende o distanciamento social”, complementou. O ministro ficou em silêncio.

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