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Bolsonaro turbina nova crise militar e põe ministro Braga Netto à prova

Neófito no cargo, ministro da Defesa lida com pressão interna para punir o general Pazuello, que decidiu desafiar regras ao ir a evento com presidente. “Se com Bolsonaro os militares conseguiram voltar ao poder de uma forma inimaginável, por outro lado ele é incontrolável”

Bolsonaro e Braga Netto
Bolsonaro e Braga NettoADRIANO MACHADO (Reuters)
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No cargo há menos de dois meses, o ministro da Defesa, general da reserva Walter Braga Netto, terá uma semana decisiva e desconfortável à frente da pasta. Seu comandante-em-chefe, Jair Bolsonaro, estica a corda mais uma vez para testar até que ponto os militares, e em especial o Exército, estão dispostos a se acomodar à nova ordem do Planalto, que lhes deu poder como nunca desde a redemocratização. A crise da vez, gestada por Bolsonaro, é em torno do general três estrelas e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O presidente ultradireitista levou seu ex-ministro a tiracolo em um evento público no Rio de Janeiro há uma semana. De acordo com o regramento do próprio Exército e das Forças Armadas, Pazuello não poderia ter participado de evento político e por isso agora responde a um procedimento disciplinar aberto por seus pares.

O Exército já vinha fazendo vista grossa a respeito de seu próprio arcabouço legal, já que aceitou que um general da ativa seguisse com esse status enquanto ocupava um cargo público, como foi o caso de Pazuello. Mas o imbróglio agora faz parte de outra ordem. A avaliação é que o novo ministro da Defesa e o novo comandante do Exército, Paulo Sergio Nogueira, estão sendo testados pelo Planalto. Bolsonaro já deixou claro, até publicamente, que não deseja ver Pazuello punido, enunciando sua teoria de que não protagonizou um evento político no Rio com o general, apesar dos discursos na ocasião. É a mesma defesa que um desafiante Pazuello apresentou ao Exército. Assim, Bolsonaro deixou a Braga Netto (e também a Nogueira) apenas duas escolhas: desafiar o chefe ou reduzir sua estatura diante dos subordinados ―se a punição a Pazuello for branda demais ou nem vier.

A situação põe à prova Braga Netto. Até integrar o Governo Bolsonaro como ministro-chefe da Casa Civil, o general da reserva era visto como politicamente discreto, no máximo avesso à imprensa, mesmo ocupando posições de destaque deste as presidências de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), ainda como oficial da ativa. Em 2013, sob Dilma, foi responsável pela segurança dos Jogos Olímpicos em 2016, missão considerada pela mídia e Governo um sucesso. Nesse meio tempo, foi um dos comandantes da controversa ocupação feita pelas Forças Armadas no Complexo da Maré, em 2014 e 2015. Com essa experiência e já comandante militar do Leste, foi escolhido por Temer como interventor do Rio de Janeiro. Em comum nesses últimos nove anos a serviço de três presidentes, nunca se furtou a fazer serviços pesados para nenhum deles.

Eduardo Pazuello y Jair Bolsonaro
Pazuello e Bolsonaro no ato no Rio.Antonio Lacerda (EFE)

A entrada na Casa Civil do Governo Bolsonaro, já no segundo ano da administração, mostra que ele não era a primeira opção do presidente. Foi uma decisão tomada pelo núcleo duro dos generais bolsonaristas lotados no Palácio do Planalto e hoje composto pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, o atual ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, e o ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, também lotado no GSI. A avaliação dos generais bolsonaristas, segundo um dos próprios, era a de que Braga Netto trazia algo que faltava a todos ali: experiência administrativa na máquina pública, adquirida nos dois governos anteriores.

Além de, em tese, saber tocar a administração federal, Braga Netto deixou o serviço ativo no ano passado como um dos comandantes mais respeitados do Exército, de acordo com pelo menos três oficiais ouvidos pelo EL PAÍS. Com Bolsonaro, sua primeira missão foi tentar coordenar o caótico combate do Governo federal à pandemia de covid-19 ―mas não foi bem sucedido. Calouro de Villas Bôas e Heleno na Cavalaria do Exército, sempre contou com a confiança dos dois. Rapidamente conquistou espaço no núcleo decisório do Governo e também a estima do próprio presidente, o que, no entanto, não o blindou de seus problemas atuais.

Um posto desconfortável

No começo de abril, Bolsonaro despachou Braga Netto para a Defesa. Foi para substituir o general da reserva Fernando de Azevedo e Silva, defenestrado da pasta, entre outros motivos, por não ser considerado alinhado o suficiente pelo presidente. A demissão dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica após a troca de ministro ―a maior crise em décadas na caserna― evidenciou que as altas patentes, sobretudo o alto comando do Exército, não estavam satisfeitas com o rumo do Governo e para os danos de imagem que essa associação lhes causa. Muito menos com os discursos flertando com o golpismo, quando Bolsonaro fala do “meu Exército” e empenha o nome dos militares em nome de suas bandeiras. Ou seja, Braga Netto já chegava em situação incômoda.

Sua própria indicação para o cargo foi vista como uma quebra grave e hierarquia. Por isso, para não jogar ainda mais combustível na crise, Bolsonaro e o novo ministro decidiram respeitar critérios de antiguidade para o novo comando das forças, na avaliação de um general da reserva que não faz parte do Governo e também preferiu não ser identificado na reportagem. Os escolhidos foram o já citado general Paulo Sérgio de Oliveira, um entusiasta do combate à pandemia, o terceiro mais antigo do Exército na lista de militares com quatro estrelas e na ativa; o almirante Almir Garnier, o segundo mais antigo na Marinha; e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, o primeiro da lista. Se com essa manobra a ideia de presidente era amarrar ainda mais as Forças Armadas ao seu projeto de poder, com um homem de mais ascendência sobre os subordinados, a princípio, deu errado.

“Poucos generais aceitariam o cargo nessas condições com Braga Netto fez. Mostra que ele é um fiel escudeiro do Bolsonaro como o Heleno e o Ramos”, pontua o professor João Roberto Martins, estudioso dos militares brasileiros. No cargo, o novo ministro vem cumprindo o script esperado pelo Planalto. Comparece a extensa agenda pública ao lado de Bolsonaro. Participa de idas a feiras de rua e manifestações. No começo de maio, e antes da crise Pazuello, lá estava o novo ministro da Defesa participando de um passeio de moto com o presidente, que aglomerou cerca de mil motoqueiros durante uma volta por Brasília. Sem máscara, como de costume. No final de abril, na posse do novo comandante do Exército, Braga Netto disse que era “preciso respeitar o projeto escolhido pela maioria”, sobre a eleição de Bolsonaro. Em seu primeiro ato à frente da Defesa, elaborou, assim como os anteriores nomeados por Bolsonaro, uma ordem do dia, para ser lida nos quartéis, em que diz que o golpe militar de 1964 faz parte da “trajetória histórica” do Brasil e que os acontecimentos de 31 de março daquele ano devem ser “compreendidos e celebrados”.

Ele saiu do Exército na condição de um dos maiores líderes da geração recente”, afirma um pesquisador das Forças Armadas brasileiras que é próximo de alguns generais citados nessa reportagem e acha melhor não ser identificado na reportagem para não se indispor com eles. “O movimento do Bolsonaro com essa mudança foi claramente colocar um cara com grande ascendência sobre as tropas e que ao mesmo tempo fosse completamente alinhado com o projeto do núcleo duro de generais do Planalto”, diz. Para pesquisador, independentemente do aparente insucesso da manobra de enquadrar as Forças Armadas em um primeiro momento, não há dúvidas de que Bolsonaro vai continuar tentando esse alinhamento. “A corda vai continuar sendo esticada não pelo Braga Netto, que é um cumpridor de ordem e missão exemplar, mas pelo presidente, que vai usar ele para isso”, disse o especialista ao EL PAÍS, no começo do mês.

Não demorou muito para a corda ser esticada. O novo teste desenhado pelo Planalto para Braga Netto e os militares veio justamente por meio de Pazuello, que pode ter um desfecho nos próximos dias. Para o professor João Roberto Martins, o que está em jogo é a manutenção e a ampliação do poder que os militares conseguiram desde o Governo de Michel Temer, que voltou a nomear um general para o cargo de ministro da Defesa, algo que não acontecia desde 1998. “Bolsonaro é muito problemático para os militares. Se com o atual presidente conseguiram voltar ao poder de uma forma inimaginável poucos anos antes, por outro lado ele é incontrolável”, afirma.

A reportagem solicitou uma entrevista com Braga Netto, mas o pedido ainda encontra-se em análise no Ministério da Defesa.

Indicação de filha de Braga Netto a posto na ANS foi cancelada

No âmbito pessoal, há pouca informação pública sobre o general. No ano passado, chamou a atenção da imprensa a indicação de sua filha, Isabela Oassé de Moraes Ancora Braga Netto, que recebeu o aval da Casa Civil comandada pelo próprio pai na época para ocupar um cargo técnico na área de credenciamento de planos de saúde com salário de R$ 13.074 na Agência Nacional de Saúde (ANS). Como o cargo é de livre nomeação, não é necessária a realização de concurso público, mas Isabela é formada em comunicação e nunca desempenhou função parecida. Depois da repercussão do caso, ela não aceitou o emprego. Seu irmão, oficial da Marinha, foi assassinado ao tentar evitar um assalto em 1984.

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