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Em alta tensão, CPI desenha estratégia do Governo Bolsonaro que banalizou a morte na pandemia

Depoimentos até agora corroboram para a aposta da imunidade de rebanho sem vacinas, mesmo sob o alto custo de vidas perdidas. Governistas tentam virar a chave da comissão e empurrar foco aos governadores, mas oposição contorna estratégia. Pazuello e Queiroga falarão de novo

CPI da Pandemia convoca governadores e volta a convocar ex-ministro Eduardo Pazuello e ministro Marcelo Queiroga para depor.
CPI da Pandemia convoca governadores e volta a convocar ex-ministro Eduardo Pazuello e ministro Marcelo Queiroga para depor.Edison Rodrigues (Agência Senado)
Beatriz Jucá

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O clima mudou na CPI da Pandemia e ganhou ares de maior tensão com o encerramento da primeira fase de depoimentos, quando foram ouvidos os principais responsáveis administrativos no Governo Bolsonaro pela condução de ações na crise sanitária. Os depoimentos à CPI desenham, até agora, uma estratégia que banalizou a morte no Brasil durante a pandemia ao sinalizar que o Governo teria, de fato, apostado na tese de imunidade de rebanho sem vacinas mesmo sob o alto custo de vidas perdidas. Enquanto senadores governistas tentam virar a chave da comissão e empurrar possíveis desgastes em direção aos governadores, a oposição contorna a estratégia com o critério de convocar apenas quem foi alvo de operações da Polícia Federal. Nove governadores serão ouvidos, a maioria deles aliados ou ex-aliados bolsonaristas. O impasse sobre a questão elevou a temperatura entre os senadores e ensejou até um pedido de convocação do próprio presidente Jair Bolsonaro para depor ―um requerimento ainda não avaliado pelo colegiado e repleto de questionamentos jurídicos se o Legislativo pode de fato obrigar o chefe do Executivo a depor.

Em minoria na CPI e empunhando a difícil tarefa de defender ações controversas do Governo para tentar blindar Bolsonaro, a chamada tropa de choque do presidente não conseguiu evitar uma reconvocação do ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e do atual titular da pasta, Marcelo Queiroga. Agora, a oposição deverá trabalhar com as contradições nas ações do Governo e nos depoimentos, além de focar na suposta omissão federal frente ao colapso de Manaus e na existência de um “ministério paralelo da Saúde”. A primeira fase da CPI ouviu principalmente ex-ministros da Saúde e testemunhas que atuaram na gestão da pandemia ou na negociação de vacinas contra a covid-19. Em geral, os depoentes sinalizam que o Governo foi omisso na compra de imunizantes, a única porta de saída da crise sanitária, e incentivou deliberadamente o uso da cloroquina mesmo quando a ciência já apontava sua ineficácia contra a covid-19. Voltada para a atuação errática do presidente na crise, esta etapa culminou em um forte desgaste do presidente, mas poderá nas próximas semanas ter uma guinada na direção com a convocação de governadores.

Em sua segunda ida à CPI, o ministro Marcelo Queiroga, que garantiu ter autonomia para comandar a Saúde no primeiro depoimento diante dos senadores, deverá explicar a saída da infectologista Luana Araújo, que permaneceu apenas dez dias no comando da recém-criada Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19. Enquanto sua reconvocação era aprovada por senadores, Queiroga sinalizava a deputados que ela havia sido barrada pelo Planalto. Segundo ele, Araújo ainda não havia sido nomeada e os cargos de confiança precisam de “validação técnica e política”. “A doutora Luana Araújo é uma pessoa qualificada, que tem condições técnicas para exercer qualquer função pública. E nós encaminhamos para as instâncias do governo”, afirmou Queiroga, sobre a médica que já se posicionou publicamente contra a cloroquina. Os senadores também convocaram a infectologista para depor. Nos primeiros dias de depoimentos da CPI, os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich afirmaram sofrer pressões do presidente por um protocolo do medicamento.

Bate-boca e troca de acusações

Por enquanto, ainda não há datas para os novos depoimentos aprovados nem detalhes se serão feitas acareações para contrapor as afirmações divergentes. Os senadores governistas conseguiram convocar nove governadores cujos testemunhos devem ser usados para tentar empurrar o foco da CPI aos Estados. Entre eles, há opositores, mas majoritariamente aliados de Bolsonaro ―ao menos sete já apoiaram o presidente em algum momento. Desde o início dos trabalhos da comissão, governistas tentam colocar a fiscalização de recursos federais pelos gestores locais no centro da comissão. A estratégia de ampliar o escopo da investigação foi defendida pelo próprio presidente antes da instalação da CPI, em um áudio vazado com o senador Jorge Kajuru no qual pede para ele “fazer do limão uma limonada”, incluindo prefeitos e governadores.

Um embate em torno da convocação de gestores locais, porém, desvelou atritos entre os integrantes da CPI e a falta de coesão dentro do chamado G7 ―o grupo de parlamentares titulares da comissão não alinhados ao Governo. A temperatura do colegiado subiu vertiginosamente na tumultuada sessão desta quarta, aberta exclusivamente para votar requerimentos. Uma reunião secreta de mais de uma hora chegou a ser feita para tentar acordo entre os parlamentares, mas os próprios integrantes do G7 demonstraram divergências. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) fez questão de dizer que não havia concordado com a convocação de governadores, enquanto o presidente Omar Aziz defendia repetidas vezes que havia um acordo feito momentos antes. “Não é da competência do Senado Federal fazê-lo”, bradou Calheiros.

Também contrário à convocação articulada por governistas, Randolfe Rodrigues requereu o depoimento de Bolsonaro e ouviu do senador Marcos Rogério (DEM-RO) que seu pedido era uma “piada”. “Vale para um e não vale para outro?”, questionou Rodrigues. Instalou-se então uma série de bate-boca entre os senadores. Até mesmo Aziz subiu o tom, diferente do que vinha adotando até então, quando foi indagado pelo senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE) se os prefeitos de capitais realmente não seriam ouvidos ―no acordo feito na reunião secreta, eles teriam sido retirados por ora. Irritado, Aziz chamou o de “oportunista”. “Toda a sociedade brasileira que tem inteligência sabe que Vossa Excelência está aqui com um único objetivo: é que a gente não investigue por que a gente não comprou vacina. E Vossa Excelência, que não entende patavina de saúde, quer impor a cloroquina na cabeça da população”, disparou, enquanto colegas lhe pediam calma.

Se o clima de tensão persistir, será um divisor de águas nos trabalhos da CPI daqui para frente. Por um lado, os governistas deverão usar governadores para tentar retirar os holofotes de Bolsonaro e conter os danos da CPI. Por outro, a oposição abre uma nova porta para aprofundar a investigação da tese do “ministério da Saúde paralelo” no Governo. Foi convocado, por exemplo, o ex-assessor da Presidência da República Arthur Weintraub, que disse em uma live com o deputado Eduardo Bolsonaro ter sido incumbido pelo presidente pesquisar sobre o uso da cloroquina ―ele teria sido responsável por articular o grupo de médicos em defesa do “tratamento precoce”. O empresário Carlos Wizard, um defensor do medicamento sem eficácia que assessorou Pazuello voluntariamente por cerca de um mês, também será ouvido pelos senadores. Foram convocados ainda o assessor da Presidência da República Filipe Martins, bastante próximo do presidente, e o publicitário e braço-direito de Pazuello, Markinhos Show.

Outro tema que deverá prevalecer nas próximas semanas é a investigação sobre a responsabilidade pelo colapso de oxigênio de Manaus. O governador do Amazonas, Wilson Lima ―um aliado do presidente―, e o diretor da empresa fornecedora de oxigênio White Martins, Paulo Baraúna, também foram convocados pelos senadores. Também estão entre os governadores convocados Helder Barbalho (PA), Ibaneis Rocha (DF), Mauro Carlesse (TO), Carlos Moisés (SC), Marcos Rocha (RO), Wellington Dias (PI), Waldez Góes (AP) e Antonio Denarium (RR). Já os requerimentos para convocação e quebra de sigilo do filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro, e o do próprio presidente não chegaram a ser apreciados pelos senadores.

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