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Pazuello atordoa CPI com mentiras para blindar Bolsonaro, mas enfrenta novo ‘round’ nesta quinta

Ex-ministro diz que não recebia ordens do presidente, contradiz ações de seu ministério ao negar a recomendação da cloroquina e se complica ao justificar morosidade na compra de vacinas. Renan propõe contratação de empresa de checagem para confrontar depoimentos em tempo real

General Eduardo Pazuello, em depoimento à CPI da Pandemia no Senado.
General Eduardo Pazuello, em depoimento à CPI da Pandemia no Senado.Edilson Rodrigues (Agência Senado)
Beatriz Jucá

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O controverso e mais esperado depoimento da CPI da Pandemia não acabou. O ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello protagonizou um dos testemunhos mais tensos até agora. Bem treinado, abraçou contradições e mentiras sem constrangimento, se contrapôs a ações da própria pasta que comandou e atuou forte para blindar o presidente Jair Bolsonaro. A despeito das declarações dos dois médicos que o antecederam no Ministério da Saúde, Pazuello garantiu que tinha autonomia. Negou que o presidente tenha lhe desautorizado a comprar qualquer vacina, mesmo com o repertório público que inclui de declarações de Bolsonaro a uma nota do seu então número 2, Élcio Franco. Mudou a data em que teria tomado ciência da crise de oxigênio em Manaus e afirmou ter agido rapidamente. Creditou a demora para a aquisição de vacinas a supostos impedimentos jurídicos, cláusulas “leoninas” e preços elevados, mas não soube explicar porque não agiu para garantir segurança jurídica rumo à única porta de saída da crise. Insistiu que nunca recomendou cloroquina à revelia de protocolos e aplicativos criados na sua gestão. No fim da tarde, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, atuou para amainar a temperatura convocando uma sessão regular na Casa, e, então, Pazuello passou mal, e a sessão foi suspensa. O general voltará nesta quinta aos questionamentos dos senadores, que têm o desafio de contrastar suas contradições.

“O presidente nunca me deu ordens diretas para nada”, afirmou Pazuello. Enganou-se quem esperou silêncio do general, salvaguardado por um habeas corpus que conseguiu no Supremo Tribunal Federal para não se autoincriminar. Ele respondeu à maioria das perguntas, embora arredio em parte delas. Chegou a reclamar de uma suposta tentativa de indução de respostas ao relator Renan Calheiros e sugeriu um novo tom aos senadores. “Gostaria que perguntas simplórias não fossem feitas. Perguntem com profundidade”, bradou. E ouviu do presidente da comissão, senador Omar Aziz, que não cabia a ele definir a linha das indagações. O general parecia seguro e bem treinado. Várias vezes o filho do presidente, Flavio Bolsonaro, interferiu nas inquirições em seu favor. Ele não integra a CPI, mas acompanhava a sessão e chegou a bater boca com colegas. Com cerca de quatro horas usadas apenas para as perguntas do relator, esta foi das sessões mais tumultuadas até agora.

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Demora para negociar vacinas

O general ofereceu respostas longas que irritaram parlamentares em vários momentos, algumas mentiras e contradições. Creditou a dificuldade em fechar acordos de compra de vacinas como a da Pfizer a pareceres de órgãos de controle como o Tribunal de Contas, a Advocacia Geral e a Controladoria Geral da União. Acabou desmentido ao vivo pelo TCU, que enviou uma mensagem ao relator Renan Calheiros negando ter desaconselhado a aquisição. Pazuello pediu desculpas e disse ter confundido com a AGU e a CGU, mas ouviu do senador Eduardo Braga que estes órgãos tampouco haviam emitido impeditivos.

O general respondeu sobre sua célebre frase de que “um manda e outro obedece”, que citou ao lado de Bolsonaro. Justificou a senadores que era “apenas um jargão militar, uma posição de internet” e que na verdade nunca recebeu ordens de Bolsonaro para cancelar acordo de compra de vacinas com o Butantan ― que à época o presidente recusava e chamava de “vacina chinesa do Doria”, em referência à sua disputa política com o governador paulista. “As posições do presidente nas redes sociais, no Twitter, aquilo ali é a figura política dele. Dali eu não extraio ordens”, afirmou Pazuello, numa clara tentativa de descolar o discurso do presidente de suas ações administrativas.

Pazuello também se contrapôs ao depoimento do presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, que afirmou à CPI na semana passada que o Governo ignorou ao menos cinco propostas de vacinas contra a covid-19. “Não houve decisão de não responder à Pfizer”, afirmou Pazuello. Ele também rebateu o ex-secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, e disse que ele não tinha todos os dados ao analisar que faltou “competência” do ministério nas negociações. Segundo Pazuello, o Brasil optou pela cota mínima de vacinas do consórcio global Covax Facility pelos riscos e porque cada dose custava 40 dólares. O país poderia ter pedido imunizantes para até 50% de sua população, mas aderiu a apenas 10%. “Quem responde aos órgãos de controle não pode achar que o preço é irrelevante.”

O estímulo à cloroquina

Os senadores também o questionaram várias vezes sobre o protocolo da cloroquina. Pazuello negou pressões e disse ter publicado uma nota técnica para minimizar riscos, já que àquela época o Conselho Federal de Medicina havia emitido uma recomendação para a autonomia dos médicos em prescrever os medicamentos e um estudo apoiado pelo ministério indicava riscos a pacientes graves. “Precisávamos dar um freio de arrumação para não deixar as pessoas caminharem para outro lado”, justificou. O general ainda afirmou nunca ter recomendado a cloroquina, ignorando o aplicativo da pasta que sugeria o chamado kit covid até para bebês e os inúmeros vídeos nos quais acompanhou Bolsonaro na defesa do “tratamento precoce”. Segundo ele, a plataforma TrateCov era um protótipo que não chegou a entrar em operação. No entanto, ao menos 300 médicos de Manaus chegaram a ser habilitados para usá-la, e até a assessoria da pasta divulgou o lançamento da ferramenta.

Segundo o general, a ferramenta foi uma sugestão da secretária de Gestão do Trabalho e Educação da pasta, a médica Mayra Pinheiro. Não foi a única vez que transferiu responsabilidades à subordinada. Conhecida como “capitã cloroquina”, ela chegou a oficiar a Secretaria da Saúde de Manaus para visitar postos de saúde e defender o “tratamento precoce” nas vésperas do colapso de oxigênio. No documento, considerou “inadmissível” o não uso dos fármacos ante a crise. A médica será ouvida por senadores na terça (24).

Crise de Manaus

O general também mudou a data em que teria tomado ciência sobre o desabastecimento de oxigênio em Manaus. Disse só ter sido alertado no dia 10 de janeiro, quatro dias antes do colapso que levou dezenas de pessoas a morrerem asfixiadas ante a falta do insumo. Mas o próprio pedido da Procuradoria Geral da República para a investigação de uma suposta omissão de Pazuello aponta que a empresa White Martins havia informado sobre a iminente falta do insumo no dia 8 de janeiro. Esta mesma informação já havia sido dada pelo general à imprensa. O ex-ministro responde na Justiça por improbidade administrativa por suposta omissão no socorro a Manaus e também é investigado em um inquérito criminal.

O general gaguejou ao tentar explicar a elevada taxa de mortes por covid-19 no Brasil, um dos epicentros globais da doença. Empunhou a versão de que divide responsabilidade das ações com Estados e municípios, inclusive na distribuição da cloroquina. “O ministro não decide sozinho nada do SUS.” Colocou a letalidade na conta de problemas estruturais, das novas variantes do coronavírus e se enrolou falando até na falta de alinhamento médico no país. Insistiu que o uso de máscara e o distanciamento social eram as orientações de seu ministério e que apoiou medidas restritivas por governadores e prefeitos. Pazuello foi várias vezes fotografado sem máscara e em aglomerações.

“O senhor já mentiu demais. Eu não tenho nem tempo para elencar todas elas”, reclamou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). “O que se espera de todos os senadores amanhã é uma sequência de arguições objetivas que sistematize mentiras, contradições e autoincriminações de hoje, confrontando depoente a provas que circularam largamente”, provoca a jurista Deisy Ventura, uma das autoras da pesquisa que aponta que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”. Ela lembra que a capacidade de arguição depende do estudo de provas. Nesta quarta, os senadores pouco avançaram neste sentido. Deixaram o ex-ministro à vontade para construir sua narrativa, com poucas réplicas e tréplicas. O relator Renan Calheiros, que chegou a fazer perguntas de internautas na CPI, agora considera até uma checagem de fatos durante o depoimento. Fica para esta quinta o desafio de inquirir com substância o general.

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