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Como melhorar a inclusão econômica e social dos venezuelanos no Brasil

Um novo estudo do Banco Mundial e da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) revela que os adultos venezuelanos têm 64% menos probabilidade de trabalhar no setor formal; e as crianças, 53% menos probabilidade de frequentar a escola

Familia de migrantes venezolanos en Brasil
Família de migrantes venezuelanos no Brasil.acnur

Técnica audiovisual de uma emissora venezuelana de televisão local, Carolina* fugiu para o Brasil com o marido e a filha em busca de comida, trabalho e educação. Desde que chegou ao país, tem se dedicado a aprender português, a confeccionar e vender peças de artesanato, como bonecas, para ganhar a vida.

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Ela é o exemplo perfeito do que os venezuelanos deslocados enfrentam para se adaptar à vida em outros países.

Desde 2015, cerca de 5,6 milhões de venezuelanos deixaram suas casas devido ao agravamento da crise econômica e social no país. Desse total, estima-se que 260.000 vivam atualmente no Brasil. Um novo estudo do Banco Mundial e da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) analisou o acesso dessa população à educação, proteção social e mercado de trabalho no Brasil. Os resultados mostram uma realidade chocante: embora tenham o mesmo nível de escolaridade que os brasileiros, os adultos venezuelanos têm 64% menos chances de trabalhar em empregos formais, e as crianças, 53% menos chances de ir à escola.

“Analisamos vários dados administrativos e censitários de 2017 a 2020 para explorar se os refugiados e migrantes venezuelanos enfrentam acesso diferenciado à educação, ao mercado de trabalho formal e a programas de proteção social. Nosso objetivo é ajudar os formuladores de políticas e agências de desenvolvimento e humanitárias a melhorar o desenho dos programas existentes para fornecer maior inclusão econômica e social para os venezuelanos em sua comunidade anfitriã”, disse Pablo Acosta, o líder do programa no Banco Mundial e coautor do relatório Integração de refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil, em parceria com a especialista em proteção social Rovane Battaglin Schwengber, a World Bank Young Fellow Mrittika Shamsuddin e os economistas do ACNUR Jedediah Fix e Nikolas Pirani.

A população deslocada venezuelana no Brasil equivale a 18% da parcela total do 1,3 milhão de refugiados e migrantes do país. Além dos 46.923 venezuelanos reconhecidos como refugiados, há 96.556 requerentes de asilo, segundo os dados mais recentes do CONARE e da Polícia Federal. Somando esses dois números, há 156.300 refugiados e requerentes de asilo da Venezuela, enquanto 145.462 têm autorização de residência.

O Brasil oferece acesso universal à educação, saúde e proteção social, independentemente da situação legal. No entanto, muitos refugiados e migrantes venezuelanos ainda enfrentam barreiras para se inscrever no sistema público de educação, em programas de proteção social e no mercado de trabalho formal. De acordo com o relatório, apenas 10% da população venezuelana em idade produtiva no Brasil consegue acessar o mercado de trabalho formal.

A realidade é ainda mais difícil para as mulheres. “Em média, as venezuelanas têm 75% menos probabilidade de ter um emprego no setor formal, em comparação com as brasileiras, e os venezuelanos têm 65% menos probabilidade do que os brasileiros de conseguir um emprego formal.” compara Mrittika Shamsuddin.

“A integração no exterior é um processo de longo prazo que requer uma abordagem holística e multissetorial para ser eficaz, principalmente quando se trata de refugiados”, destaca o economista do ACNUR e coautor do relatório Nikolas Pirani. “É por isso que a ACNUR une os talentos e capacidades dessas pessoas com as demandas do setor privado, garantindo uma situação vantajosa para ambos os refugiados e as comunidades anfitriãs”, acrescenta.

Naturalmente, a pandemia também causou sua parcela de impacto dramático no já desafiador cenário de subsistência de refugiados e migrantes. A análise dos dados de 2021 infere que quem está fora do mercado de trabalho tem acesso ao Bolsa Família como forma de sobreviver e se estabelecer no Brasil. No entanto, o estudo mostra que os venezuelanos têm 30% menos chances de serem inscritos no programa em comparação aos brasileiros. “Dos beneficiários do Bolsa Família, 42% possuem ensino médio e 15% ensino superior, ante 19% dos brasileiros com ensino médio e 1% com ensino superior”, revela Rovane Schwengber.

Quanto à educação, 42% das crianças venezuelanas estão matriculadas na escola. Mas mesmo quando participam, passam por rebaixamento de notas e restrições de capacidade, tornando mais difícil fazer parte de capital humano produtivo e tornar as gerações futuras autossuficientes. “Eles são mais propensos a frequentar escolas superlotadas do que seus colegas da comunidade anfitriã e mais propensos a fazer trabalhos inferiores caracterizados pela temporalidade, salários mais baixos e mais horas trabalhadas”, diz Schwengber.

Impacto econômico

Principal porta de entrada dos venezuelanos no Brasil, o estado de Roraima experimentou relevante crescimento econômico durante o período de intensificação do fluxo venezuelano, de 2016 a 2017, segundo o estudo A economia de Roraima e o fluxo venezuelano: evidências e subsídios para políticas públicas, realizado pelo ACNUR e Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Roraima teve um crescimento significativo na produção de bens agrícolas, incluindo castanha do Brasil e alguns itens da pecuária, um sinal de que a integração é tão boa para o migrante quanto para o país anfitrião. O afluxo de refugiados e migrantes venezuelanos ao Brasil é uma crise humanitária e um desafio de desenvolvimento, mas também uma excelente oportunidade de desenvolvimento social e econômico”, atesta Pirani.

Para reduzir o impacto na infraestrutura de Roraima, e também considerando mais oportunidades de absorção social e econômica em todo o país, um dos pilares da resposta federal à emergência, a Operação Acolhida é a realocação voluntária de venezuelanos para outras cidades brasileiras.

“Em março, o programa completou três anos e atingiu a marca de 50 mil beneficiários. Apesar da covid-19, as realocações não pararam no ano passado. Desde o início da pandemia, mais de 1.000 venezuelanos foram realocados com segurança a cada mês. No total, 675 municípios receberam refugiados e migrantes, aumentando as oportunidades de integração em todo o país “, conta Pirani.

Uma dessas beneficiárias é Ismênia Elena Beria, enfermeira de 48 anos que atualmente mora na capital, Brasília. Ela veio ao Brasil no início de 2018 em busca de tratamento para o câncer de tireoide, deixando o marido, os filhos e a carreira de enfermagem para trás. Depois de morar no abrigo provisório em Roraima por quase um ano e meio, seu tratamento foi concluído com sucesso, assim como a oportunidade de ser realocada.

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“Na Venezuela eu não era rica, mas tinha um bom emprego, tinha uma casa, tudo”, diz ela. Agora, ela trabalha em uma franquia de uma rede de fast-food do Distrito Federal. Longe da família desde que chegou, aguarda a abertura da fronteira para trazê-los para o Brasil.

Em um esforço para ajudar a melhorar a integração, os autores apresentaram as principais conclusões do relatório em uma reunião com a Casa Civil do Governo Federal do Brasil, que coordena as iniciativas governamentais em relação aos refugiados e migrantes, e representantes de todas as organizações e entidades envolvidas no programa. “Estamos preparando agora um novo estudo para analisar o programa de integração e identificar quais são os principais entraves que impedem essa população de entrar no mercado de trabalho brasileiro. Esperamos que nossas recomendações possam ajudar os venezuelanos a encontrar um lar no Brasil”, diz Acosta.

O relatório faz parte do programa “Construindo as Evidências sobre Deslocamento Forçado: Uma Parceria com Múltiplas Partes Interessadas’', financiado pela ajuda do Reino Unido do Foreign, Commonwealth, and Development Office (FCDO) do Reino Unido. É administrado pelo Grupo do Banco Mundial (WBG) e foi estabelecido em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

* O nome foi alterado para proteger a privacidade da entrevistada

Juliana Braga é assessora de relações exteriores do Banco Mundial no Brasil

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