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Governo faz manobra de última hora contra CPI da Covid, que prepara arsenal contra Bolsonaro

Juiz impede que Renan Calheiros assuma relatoria da comissão, que começa nesta terça. Casa Civil pediu dados a 13 ministérios para defesa do Governo. Senadores fazem cálculos das vidas que seriam preservadas se compra de vacinas tivesse sido feita a tempo

Sem máscara, presidente Bolsonaro cumprimenta apoiadores em frente a batalhão do Exército, em Feira de Santana (BA).
Sem máscara, presidente Bolsonaro cumprimenta apoiadores em frente a batalhão do Exército, em Feira de Santana (BA).Alan Santos/PR
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A demonstrator shows his hand painted red as he holds a sign with text written in Portuguese that reads "Impeachment now. All lives matter," during a protest against Brazil's President Jair Bolsonaro and his response during the COVID-19 pandemic, outside the Planalto presidential palace, in Brasilia, Brazil, Sunday, Jan. 17, 2021. (AP Photo/Eraldo Peres)
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A temida CPI da Covid, promessa de desgaste para o Governo Bolsonaro, será oficialmente instalada no Senado nesta terça-feira, às 10h. Sem uma tropa de choque que possa defendê-lo na Casa, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) colocou seu bloco na rua para últimas manobras que atenuem o impacto da Comissão, um inimigo difícil de domar quando se tem a intenção de contar boas notícias sobre si mesmo de olho na reeleição de 2022. A CPI promete revisar ponto a ponto a falta de gestão da pandemia que levou o Brasil a se aproximar de 400.000 mortos por covid-19. O presidente, porém, obteve vitórias pontuais vindas do Judiciário e do Ministério Público Federal nesta segunda-feira. Um juiz impediu que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) assumisse a relatoria da comissão por entender que a indicação de uma pessoa que é investigada criminalmente poderia ferir a moralidade pública. No mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República denunciou o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), por suposto envolvimento em um esquema de corrupção na compra de respiradores para o enfrentamento da pandemia no Estado.

Na semana passada, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, já havia solicitado informações aos 26 Estados e ao Distrito Federal a respeito da aplicação de verbas que a União destinou para construção dos hospitais de campanha no ano passado. Esta fiscalização assim como a denúncia feita contra o governador Lima, dão força ao discurso de Bolsonaro que pretende retirar de si a responsabilidade pela gestão da pandemia atacando diretamente governadores e prefeitos.

Entre os senadores, a avaliação é que a decisão que barrou Calheiros será derrubada, já que ela incorreria em dois vícios, o de interferir em outro poder e o de considerar que o cargo de relator é ocupado por uma eleição, e não por designação do presidente da CPI. “É uma liminar cloroquina. É um tratamento precoce, sem eficácia comprovada e com efeitos colaterais gravíssimos”, disse senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), um dos opositores que estarão na linha de frente contra o presidente na comissão.

Na decisão, o juiz Charles Renaud Frazão de Morais, da 2ª vara cível do Distrito Federal, acatou o argumento da autora da ação, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP). Conforme o despacho, o impedimento para assumir a relatoria foi determinada até que o parlamentar apresente seus argumentos ao juiz. Na sequência, ele reanalisará a questão. Procurado, o senador emedebista, não se manifestou.

A ofensiva de Bolsonaro pelas vias judiciais dá o tom de preocupação do governo. Não é para menos. Sete dos 11 senadores titulares da comissão se articulam para chegar a alguns cálculos que possam mensurar os crimes do presidente. O principal deles: Quantas vidas seriam poupadas, caso ele não tivesse sabotado a compra de vacinas ainda em 2020? Esta será a tônica da primeira parte da CPI, que logo de partida terá cerca de 100 requerimentos a aprovar. Cada requerimento trata da convocação de ministros, de ex-ministros, de especialistas, da produção de provas, de envio de documentos por ministérios. Neste meio estão convocações e convites para os três ex-ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello), para o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e para o ex-comandante do Exército Edson Leal Pujol, além de pesquisadores que possam ajudar a desenhar o caminho que levaria à conclusão sobre a omissão ou não da União.

“A negligência do Governo precisa ser punida. Ele deixou de comprar 70 milhões de doses da Pfizer ainda no ano passado e travou as negociações com o Instituto Butantan o quanto pode, por questões ideológicas”, diz Ethel Maciel, doutora em epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo. Para ela, o Brasil estaria em outra situação, caso a vacinação tivesse se iniciado em larga escala há quatro meses. “Não teríamos chegado nesse pico de mortes”. Nesta segunda-feira, o país atingiu os 391.936 óbitos em decorrência da covid-19.

Um estudo realizado por pesquisadores de cinco universidades e publicado no fim de fevereiro na plataforma medRxvi concluiu que, caso a vacinação massiva tivesse começado logo, ao menos 110.000 vidas seriam poupadas até o fim de 2021. Com o aumento de casos das últimas semanas, um dos pesquisadores do grupo, o epidemiologista Eduardo Massad, da Fundação Getúlio Vargas, atualizou os números para ao menos 200.000 vidas. Na esfera política, interlocutores de três dos 7 senadores que farão oposição a Bolsonaro na comissão, disseram ao EL PAÍS, que o grupo quer buscar todos os estudos possíveis que tratem da quantidade de vidas que deixaram de ser preservadas para demonstrar o tamanho da responsabilidade do Governo no enfrentamento da pandemia.

Na visão do médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo, o presidente ainda deverá ser investigado por incentivar a população a entrar em contato com o vírus. “O Bolsonaro e o entorno dele compraram aquela versão de imunidade de rebanho. ‘O quanto antes pegar estará todo mundo imunizado. Foi um erro, que pode ter resultado em muitas mortes”, avaliou.

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Caminho das pedras

A postura do presidente só mudou, superficialmente, após o caos de Manaus no início do ano, que diante de uma segunda onda da covid-19 registrou diversas mortes por asfixia, já que houve desabastecimento de cilindros de oxigênio. Foi naquele momento em que o Governo decidiu investir mais em vacinas e abriu outras frentes de negociação. Já era tarde, contudo, pois quase nenhuma farmacêutica tinha imunizantes disponíveis porque a produção havia sido reservada aos países que negociaram previamente.

Em outra linha, os senadores ainda avaliarão a falta de incentivo do presidente para o cumprimento de medidas de distanciamento social e a tentativa de responsabilização de outras autoridades. “O que o Supremo Tribunal Federal decidiu até agora foi que o Governo Federal não pode atrapalhar Estados e Municípios no combate à pandemia. E os discursos do presidente vão exatamente nesse sentido. Ele não ajuda, só atrapalha”, disse Dourado.

Já esperando os ataques que virão da CPI, a Casa Civil disparou, na semana passada, um documento com 23 acusações a serem respondidas por 13 ministérios. A pasta quer unificar informações para evitar que o presidente seja acusado, por exemplo, de atuar a favor do genocídio de indígenas, de ter minimizado o impacto da pandemia, de ter sido negligente e desacreditado a vacina Coronavac (do Instituto Butantan), de ter promovido tratamento com drogas comprovadamente ineficazes contra a covid-19, de ter politizado a pandemia, entre outros tópicos. O documento da Casa Civil foi revelado pelo portal UOL.

A tentativa de defesa do Governo acabou dando munição aos seus opositores. Os questionamentos foram apontados pela oposição como um “roteiro a ser seguido”. Neste caminho das pedras, estaria a convocação do ex-ministro e general Eduardo Pazuello, a quem a Gestão Bolsonaro quer responsabilizar por parte dos erros. Na semana passada, o ex-secretário de Comunicação do Planalto, Fábio Wajngarten, concedeu uma entrevista à revista Veja, na qual ele tenta blindar o presidente das falhas na condução da pandemia e joga a responsabilidade no ex-ministro. Ainda assim, a estratégia é arriscada. “O Pazuello é um fusível fácil de queimar, mas se o apertarem, talvez ele solte alguma coisa”, avaliou.

O que pesa contra Bolsonaro é que ele próprio documenta quase tudo o que faz. Desde o anúncio em rede nacional de rádio e TV que demonstrou sua verve negacionista chamando a covid-19 de gripezinha, passando pela promoção da ineficaz cloroquina, até o vídeo que ele publicou em suas redes sociais no qual ele proíbe Pazuello de assinar a compra da Coronavac. Nesta ocasião, o então ministro da Saúde disse: “É simples assim, um manda e o outro obedece”.

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