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CPI da Covid mira falta de vacinas e promoção de cloroquina para buscar a digital de Bolsonaro na crise sanitária

“Não será uma CPI abstrata, mas uma investigação que estará dentro da casa de cada brasileiro, pois todos conhecem alguém que morreu”, diz futuro presidente do colegiado, senador Omar Aziz. Ex-ministros devem ser convocados

Uma manifestação contra Bolsonaro no muro de uma unidade de saúde no Rio de Janeiro .
Uma manifestação contra Bolsonaro no muro de uma unidade de saúde no Rio de Janeiro .MAURO PIMENTEL (AFP)
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FILE PHOTO: Medical workers take care of patients in the emergency room of the Nossa Senhora da Conceicao hospital that is overcrowding because of the coronavirus outbreak, in Porto Alegre, Brazil, March 11, 2021.  REUTERS/Diego Vara/File Photo
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“O dia que eu passei e você quer que eu sorria?” A reação nesta semana do presidente Jair Bolsonaro a uma simpatizante que pedia uma foto sintetiza um dos piores momentos de seu Governo. O mau humor do mandatário se deve ao cerco que se fecha em seu entorno e revela um presidente desalentado, em vias de ter a sua digital encontrada nas principais falhas de gerenciamento no país da maior crise sanitária da humanidade. A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid deve começar seus trabalhos entre 22 e 29 de abril, e parlamentares trabalham para sejam convocados ex-ministros, funcionários técnicos da Saúde, e que se avaliem investigações já iniciadas no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério Público Federal (MPF). O objetivo é já avaliar a compra de vacinas e a promoção por parte do Governo federal de remédios sem eficácia para o tratamento da covid-19, como a cloroquina. Até este sábado, 371.678 pessoas já perderam a vida para o vírus no Brasil, e os contágios continuam em ascensão. Apesar disso, e mesmo sob a ameaça de ser responsabilizado pela tragédia, o presidente promoveu mais uma vez aglomerações neste final de semana, ao visitar Goianópolis (Goiás) no sábado, onde sem máscara cumprimentou pessoas e segurou um bebê.

Ainda que Bolsonaro tenha tentado dividir a responsabilidade da crise com governadores e prefeitos, conseguindo incluir os repasses feitos a Estados e municípios no escopo de investigação da CPI, os trabalhos da comissão instaurada no Senado para apurar as ações e a omissão do Governo durante a pandemia devem jogar holofotes a sua conduta neste um ano de calamidade. Mais do que fustigar e trazer à tona as falhas de Bolsonaro, os parlamentares —a maioria de oposição— arrastarão a imagem de um líder inepto até 2022, quando Bolsonaro pretende concorrer a uma nova eleição presidencial. As últimas pesquisas de popularidade e de intenções de votos não têm sido nada favoráveis ao presidente. Levantamento do PoderData publicada no último dia 14 mostra que ele perderia a disputa em segundo turno para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apto novamente a concorrer ao pleito após decisão do Supremo que anulou suas condenações em Curitiba, e para o apresentador Luciano Huck (sem partido). E estaria empatado com outros três concorrentes: Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (sem partido) e João Doria (PSDB).

O futuro presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), afirma que por mais que o cidadão brasileiro esteja acostumado a testemunhar esse tipo de investigação política, essa será diferente das outras dezenas que aconteceram desde a redemocratização, em 1988. “Essa não será uma CPI abstrata, na qual a pessoa olha para um político na TV e diz: ‘ah, são todos bandidos’. Essa CPI estará dentro da casa de cada brasileiro. Porque vamos tratar da morte de centenas de milhares de pessoas, não de crimes de corrupção. E todos os brasileiros conhecem alguém que morreu de coronavírus”.

Os 11 senadores titulares que compõem a CPI terão como missão delimitar onde o presidente acertou e onde errou durante a pandemia. Desde março de 2020, Bolsonaro ignorou praticamente todas as recomendações das autoridades de saúde do mundo: desestimulou o distanciamento social e o uso de máscaras de proteção facial, promoveu aglomerações como a deste sábado, incentivou o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento de covid-19, como cloroquina e ivermectina e negligenciou a compra de vacinas. Os parlamentares também investigarão se o Governo federal ignorou os alertas feitos no início do ano diante de um colapso sanitário de Manaus, quando dezenas de pessoas morreram porque as unidades de saúde onde elas estavam internadas não tinham cilindros de oxigênio.

Quem persegue o Bolsonaro é o próprio Bolsonaro.
Otto Alencar, senador

“O presidente acha que o estamos perseguindo e diz que ele não tem nada a esconder. Mas, quando ele se irrita com a abertura da CPI, é claro que ele veste a carapuça. Ou seja, quem persegue o Bolsonaro é o próprio Bolsonaro. Ele age contra si mesmo, sempre”, disse o senador Otto Alencar (PSD-BA), que presidirá a primeira sessão da comissão por ser o parlamentar mais velho. Nessa reunião, serão oficializados os nomes do presidente, vice e relator da CPI, papéis fundamentais para a condução da investigação, e que prometem ficar com oposicionistas.

Conforme os acordos que foram costurados ao longo da última semana, o MDB, que tem a maior bancada do Senado, ficará com a relatoria, responsável por produzir o relatório final sobre a investigação. O escolhido para esta função é Renan Calheiros (MDB-AL). O PSD, com a segunda maior bancada, ficaria com a presidência, com Aziz. E o vice-presidente será Randolfe Rodrigues (REDE-AP), que foi o autor do requerimento da comissão. Nos próximos dias, o Governo tentará alterar essa configuração. Aliados do presidente entenderam que a composição da cúpula da CPI ficou bastante desfavorável a ele e tentam convencer o PSD a indicar o bolsonarista Marcos Rogério (DEM-RR) para o cargo de relator. Mas dificilmente conseguirão. Cabe apenas ao presidente da CPI designar quem ocupará esta função. “Estamos fechados em um grupo de sete senadores. Temos a maioria e respeitamos a correlação de forças. Se os outros quiserem se somar a nós, serão bem-vindos. Mas não pretendo mudar nada”, disse Aziz.

Se a palavra dada por Aziz aos outros senadores não prevalecer e Bolsonaro conseguir fazê-lo mudar de opinião, marcará o rompimento de um acordo que poderá resultar em revides no plenário do Congresso Nacional, onde ainda devem tramitar temas de interesse do Governo, como o Orçamento Geral da União de 2021, que cortou boa parte das despesas dos ministérios e transferiu os recursos para emendas parlamentares e encurralou o Planalto, que tenta salvá-lo.

Hoje o presidente tem apenas quatro membros em sua tropa de choque na CPI. Além de Marcos Rogério, estariam na linha de defesa de Bolsonaro os senadores Ciro Nogueira (PP-AL), Jorginho Melo (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE). Como estratégia para obter mais apoio na CPI, Bolsonaro estuda entregar cargos de primeiro e segundo escalões na máquina federal aos outros membros considerados independentes da comissão. Os principais alvos seriam Omar Aziz e Eduardo Braga (MDB-AM). Otto Alencar, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renan Calheiros, os outros nesse campo, pendem mais para a oposição do que para o Governo. A CPI é complementada pelos opositores Randolfe e Humberto Costa (PT-CE).

Primeiros passos

Na CPI, os senadores deverão iniciar os trabalhos ouvindo especialistas da área de saúde para definir o que deveria ter sido feito como planejamento no combate à covid-19. “Queremos ouvir os melhores epidemiologistas, microbiologistas, sanitaristas. Eles terão de dar as primeiras respostas para a sabermos o porquê chegamos até aqui”, disse Randolfe.

Também deverão ser ouvidos servidores e ex-servidores do Ministério da Saúde. Na lista de requerimentos a serem apresentados estarão ainda os três ex-ministros da pasta, o general Eduardo Pazuello, o oncologista Nelson Teich e ortopedista e ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta, além de parte de seus antigos auxiliares. Não está descartada a convocação do atual ministro, Marcelo Queiroga, para falar qual era o cenário encontrado por ele quando assumiu o ministério em março e o que tem sido feito desde então. Outros dois ex-ministros intimamente ligados ao bolsonarismo também deverão ser convocados, segundo a Folha de S.Paulo: Ernesto Araújo (Relações Exteriores), para explicar as tratativas com outros países sobre a compra de vacinas, e Fernando Azevedo (Defesa), para falar sobre o aumento da produção de cloroquina pelo Exército.

“Os fatos irão se sobrepor. Agora, não dá para esperar que a gente passe a mão na cabeça de ninguém, mas também não espere que vamos crucificar A ou B, como se isso bastasse para acabar com a pandemia. Ela não será uma caça às bruxas”, diz Aziz. O senador afirma ainda que caso se encontrem irregularidades, punições serão sugeridas para os órgãos de controle e que os senadores pretendem também criar um protocolo para impedir que os próximos presidentes ajam da maneira que bem entenderem na condução de crises sanitárias. “Se nós definirmos em lei uma série de passos a se seguir, não vai adiantar presidente nenhum ser negacionista, porque a legislação mandará que ele siga um roteiro. Se escapar dele, pode ser punido”.

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Blindagem moral

Como uma tentativa de blindar o general Pazuello, o seu fiel aliado que seguiu todas as suas recomendações, Bolsonaro deverá lotá-lo no cargo secretário de Modernização do Estado, na Secretaria-Geral da Presidência da República. Na prática, será uma proteção moral, já que o cargo não tem nenhuma prerrogativa de foro especial. Pazuello esteve ao lado de Bolsonaro neste sábado, durante a visita a Goianópolis.

Paralelamente, enquanto ouvem as testemunhas, os parlamentares deverão requisitar informações aos órgãos que já estão investigando os deslizes do Governo. Há apurações no Tribunal de Contas da União sobre os gastos da Gestão Bolsonaro com cloroquina e sobre os repasses feitos a Estados e Municípios. Também existe uma investigação na Polícia Federal contra Pazuello e uma outra no Ministério Público Federal contra o mesmo general sobre a crise manauara. A interlocutores, Renan afirmou que essas apurações serão uma espécie de roteiro inicial de seus trabalhos.

Mais do que ver seu governo enfraquecido no ano eleitoral, o maior temor de Bolsonaro é o de ser destituído do cargo. Ele sabe que conforme a quantidade de provas levantadas pela CPI mais um pedido de impeachment pode ser apresentado contra ele. Por essa razão, voltou a dizer em uma de suas declarações públicas que nada o tirará do poder antes do fim do mandato. “Só Deus me tira da cadeira presidencial. E me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo no Brasil não vai se concretizar. Não vai mesmo! Não vai mesmo!”, esbravejou na sua transmissão ao vivo da última quinta-feira.

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