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Rio Grande do Sul vive maior salto de mortes em meio século, metade por covid-19

Estado teve inversão de bônus demográfico no mês de março, com 15.802 mortes e 11.971 nascimentos. Embora com ligeiro recuo nos casos e óbitos, hospitais continuam lotados

Enfermeira ajuda fazer uma video chamada entre um paciente com covid-19 e um parente na cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
Enfermeira ajuda fazer uma video chamada entre um paciente com covid-19 e um parente na cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.Daniel Marenco (EFE)


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Até onde os dados disponíveis alcançam chegar, não houve na história do Rio Grande do Sul um mês como março de 2021. Nele, enquanto nasceram 11.971 pessoas, foram registradas 15.802 mortes. “É a primeira em mais de 50 anos que um mês registra número de óbitos maior que de nascimentos”, assegura o diretor do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do Estado, Pedro Zuanazzi. A covid-19 foi responsável por 48% das mortes no mês, 7.651 ―um número quatro vezes maior do que o registrado em fevereiro, quando a doença levou embora 1.943pessoas. Antes do pico de março, o mês com maior volume de óbitos relacionados ao coronavírus havia sido dezembro, quando 2.091 pessoas perderam a vida para a pandemia. Ao longo do mês passado, o Rio Grande do Sul viu o caos se instalar no sistema de saúde, com UTIs lotadas, emergências de hospitais de portas fechadas, doentes com necessidade de respiradores sendo atendidos de forma improvisada em cadeiras.

Agora, a situação parece ligeiramente melhor ―e o governo do Estado, que já vinha afrouxando restrições mesmo quando as taxas de ocupação de hospitais e o volume de mortes batiam recordes, deverá liberar atividades todos os dias da semana. É um pedido do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), um ferrenho defensor da manutenção de negócios abertos que, em uma live, deixou escapar a frase “contribua com a sua vida para que a gente salve a economia do município de Porto Alegre”.

De fato, no painel de acompanhamento da covid-19 no Rio Grande do Sul, os gráficos de casos confirmados e mortes apresentam tendência de queda, embora muito próximos de 100%. A taxa de ocupação de leitos SUS em UTI voltou foi a 90,8% no final desta quinta-feira. Até mesmo o quadro na saúde privada ―onde esse dado chegou a 130%― parece haver um arrefecimento, embora ainda faltem vagas para pacientes graves em hospitais particulares (atualmente a ocupação é de 108,5%). Por isso, o diretor de auditoria do SUS no Rio Grande do Sul, Bruno Naundorf, acredita que o excesso de mortes verificado em março não deverá se repetir em abril. “36% de todos os óbitos por covid-19 que tivemos desde o início da pandemia ocorreram em março. Se somarmos as mortes de novembro a fevereiro, não chega ao patamar do mês passado. Foi excepcional”, calcula Naundorf. Ele sugere que o fato de a nova cepa ter coincidido com o veraneio, e em um momento em que a vacinação ainda não tinha engrenado no Estado, possam ter sido os ingredientes fatais do período.

Apesar do otimismo em relação à covid-19, há outro número que preocupa. Excluindo do cálculo geral as mortes provocadas pelo coronavírus, o Rio Grande do Sul teve 8201 óbitos no mês passado ―o que representa uma diferença de 1500 registros, para cima, em relação aos meses de março em 2020 (quando houve apenas quatro mortes por coronavírus) e de 2019, antes da doença existir. “Este dado corrobora a nossa impressão no dia a dia da clínica médica de que há mais gente morrendo de outras causas por falta de atendimento básico e vagas no sistema de saúde”, alerta Ricardo Heinzelmann, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

Ele cita os hábitos ruins adquiridos durante a pandemia em que a ordem foi o isolamento social. “Há um aumento de peso na população, com menos atividade física e mais alimentação porque o nível de ansiedade é um dado já amplamente percebido. Para um diabético, por exemplo, isso piora o risco de infarto ou lesão”, explica. O mesmo vale para hipertensos, que somam 25% da população. “Muitas pessoas adiaram exames de rotina para depois, com medo do coronavírus. Até mesmo a ida ao consultório médico reduziu muito, então possivelmente temos muitos casos de agravamento dessa condição de saúde que não estamos monitorando, tratando, medicando”, conclui.

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