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Acuado, Bolsonaro tenta enquadrar militares e faz investida na Câmara

Vice Mourão diz que Forças Armadas se pautarão pela legalidade, apesar de Ministério da Defesa comemorar golpe de 1964 pelo terceiro ano consecutivo. Deputado bolsonarista apresenta projeto para aumentar poderes do Planalto, com apoio das PMs

Bolsonaro com Fernando Azevedo ao fundo no dia 8 de maio de 2020.
Bolsonaro com Fernando Azevedo ao fundo no dia 8 de maio de 2020.Ueslei Marcelino (Reuters)
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Gravediggers lead the coffin of Jose Roberto Inacio, 63, who passed away due to the coronavirus disease (COVID-19), in Piratininga, Sao Paulo state, Brazil March 24, 2021. Picture taken March 24, 2021. REUTERS/Leonardo Benassatto NO RESALES. NO ARCHIVES
Brasil registra 3.780 óbitos em um dia e estaciona em um novo patamar de destruição na pandemia
Trumpista e antiglobalista, o embaixador Ernesto Araújo chegou ao topo da carreira diplomática sem nunca ter ocupado uma funçãoo de relevância no exterior. Até ser indicado para o ministério, ele ocupava um cargo de terceiro escalão no organograma do Itamaraty. Adquiriu a confiança de Bolsonaro por ter um blog em que se posiciona de maneira similar ao do presidente eleito. E por ter feito campanha para ele. Também foi indicado pelo escritor Olavo de Carvalho. Seu desafio será o de reduzir o impacto de falas polêmicas de Bolsonaro como a que a China compra o Brasil e não do Brasil. Caberá a ele também orientar o presidente na decisão de trocar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Novo chanceler terá que pensar pequeno e se concentrar na contenção de danos
Bolsonaro e o Comandante do Exército, Edson Pujol, durante cerimônia em Brasília no dia 17 de abril
Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica deixam o cargo após queda de ministro da Defesa

No dia em que o Brasil atingiu novo recorde de mortos por covid-19, com 3.780 óbitos nas últimas 24 horas, o Governo Jair Bolsonaro demonstrou mais uma vez que não está entre suas prioridades as estratégias para frear o avanço do coronavírus. O Palácio do Planalto dedicou seu tempo a amplificar a crise política-militar provocada pelo próprio presidente, com a demissão do ministro da Defesa, seguida da saída em protesto dos três comandantes das Forças Armadas, Marinha, Exército e Aeronáutica, algo inédito desde a redemocratização. Acuado pelo Congresso e de olho em sua base mais radical, o objetivo do presidente, ao longo de todo dia, foi enviar a mensagem de que estava enquadrando as forças militares, e não sendo um alvo de protesto do alto escalão castrense.

As especulações sobre um possível autogolpe, uma ruptura institucional ou a decretação de estado de sítio, ou de defesa, era tamanho, que precisou o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, vir a público para arrefecer os ânimos. “As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”, disse ao portal G1. Mourão apenas reforçou o que prega a Constituição Federal, mas que parece ser necessário ser dito a cada movimento radical feito pelo chefe do Executivo.

Foi nessa toada que o bolsonarismo insistiu em quatro estratégias diversionistas: 1. difundiu a informação de que Bolsonaro foi severo e demitiu os três comandantes militares, enquanto que, na realidade, foram eles quem entregaram seus cargos por discordarem da demissão do então ministro da defesa, Fernando Azevedo e Silva da Defesa; 2. costurou estratégias para furar a fila de promoção no Exército e encontrar um novo comandante; 3. usou um de seus fiéis aliados na Câmara dos Deputados, o major Vitor Hugo (PSL-GO), para tentar colocar em votação um projeto de lei que ampliasse os poderes do presidente durante a pandemia e pudesse impedir decretos estaduais de lockdowns. 4. Determinou, como tem feito desde que chegou ao poder, que seu novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, assinasse um expediente chamado “ordem do dia” a ser lido nos quartéis de todo o país nesta quarta-feira exaltando positivamente o golpe militar de 1964 ―o texto é sempre celebrado pela base do presidente, que defende abertamente a volta de um regime militar, em torno de 10% da população nas pesquisas.

Logo pela manhã, o ministro-general Braga Netto, comunicou aos comandantes das Forças, o general Edson Pujol (Exército), o almirante Ilques Barbosa (Marinha) e o tenente-brigadeiro do Ar Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica) que eles estavam demitidos por ordem do comandante-em-chefe, o presidente Bolsonaro. O trio já estava disposto a entregar os cargos em apoio ao ex-ministro Fernando Azevedo e Silva, que saiu enviando recado de que sempre preservadou “as Forças Armadas como instituições de Estado”, deixando antever uma pressão do Planalto do contrário. Ainda assim, a reunião entre eles foi tensa. Ilques Barbosa, que tem como marca a serenidade, exaltou-se reclamou que as mudanças interferem na imagem das forças e que Bolsonaro estava levando a política para dentro dos quartéis. Braga Netto, conhecido por ser pouco afeito a gentilezas, chegou a bater na mesa e gritou com os demais presentes na reunião, conforme dois relatos feitos à reportagem.

De pronto, o novo ministro mostra uma de suas principais características. “No meio militar há os que lideram, e os que mandam. O general Fernando era um líder. Não se pode dizer o mesmo do general Braga Netto”, afirmou o cientista político, Alexandre Fuccille, professor da Universidade Estadual Paulista e pesquisador na área de Defesa.

Essa movimentação nos comandos obrigará Bolsonaro a alterar a escala de promoções no Exército. Geralmente, é promovido comandante o oficial mais antigo. Mas a intenção do presidente é promover o quinto general com mais tempo de casa, o atual comandante da região Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes. Dessa maneira, entraria compulsoriamente na reserva remunerada os quatro generais mais antigos que Freire Gomes. Todos são muito ligados a Pujol, com quem Bolsonaro já estava rompido, ou ocuparam cargos de relevância em outros governos.

Assim, a escolha dos novos comandantes devem ser marcadas por suas posturas políticas do passado também, segundo um oficial relatou à reportagem. “O estrago que o Bolsonaro está fazendo com a hiperpolitização das Forças Armadas é tremendo. Elas deveriam deixar a política fora dos quartéis, mas não é isso que ocorre”, avaliou o pesquisador Fuccille.

Há a possibilidade de o novo comandante ser anunciado nesta quarta-feira, dia 31 de março, quando mais dois generais serão promovidos, dentro do esperado pela carreira, e os quartéis comemorarão o golpe militar. “As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”, diz trecho da ordem do dia assinada por Braga Netto em uma mais tentativa de reescrever a história brasileira negando que tenha havido um rompimento da ordem institucional. Por fim, o ministro ainda anota: “O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”. A intenção do Governo de celebrar o golpe é tão marcada que o Planalto fez a Advocacia-Geral da União entrar na Justiça para garantir o direito dos militares e outras instituições de celebrar a chegada de 21 anos de ditadura, algo inimaginável nos vizinhos latino-americanos que também estiveram sob regimes militares.

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Câmara e PMs

Enquanto isso, do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso Nacional, o major Vitor Hugo, líder do PSL na Câmara, tentou, em vão, que fosse colocado em votação um projeto de lei que trata do “estado de mobilização nacional”. A medida era mais uma tentativa de agitação do mundo político aventando a possibilidade de dar ao presidente durante a pandemia os mesmos poderes que ele teria no país caso houvesse um ataque bélico por uma nação estrangeira. É uma espécie de versão light do estado de defesa, algo que precede o estado de sítio, quando as liberdades individuais e políticas são restritas, com um acréscimo estratégico: colocaria sob o comando do presidente as polícias militares estaduais, agentes armados e sob comando formal dos governadores que bolsonaristas querem cooptar. Por isso, a manobra foi vista por opositores e pela maioria dos líderes partidários como uma tentativa de golpe de Bolsonaro. Não foi sequer levado à votação do plenário.

O texto apresentado por Vitor Hugo estabelece que, nesse caso, o chefe do Executivo poderá tomar medidas que incluem a intervenção nos fatores de produção públicos e privados; a requisição e a ocupação de bens e serviços; e a convocação de civis e militares para ações determinadas pelo Governo Federal ―além de colocar sob o comando do presidente as polícias militares estaduais, um grupo cultivado pelos bolsonaristas. “Essa lei dá margem para que o presidente possa avançar em qualquer processo de golpe de Estado”, afirmou o líder do Cidadania, Alex Manente.

Além de barrar mais essa tentativa autoritária, tanto a Câmara quanto o Senado votarão requerimentos de oitivas do novo ministro Braga Netto, de seu antecessor, Fernando Azevedo, e dos três comandantes militares demitidos nesta terça-feira. Já há pedidos tramitando nas duas Casas. O mais avançado, que deve ser votado nesta quarta-feira, é um que está na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara e trata apenas do novo ministro.

Na noite desta terça-feira, já frustrada a investida no Congresso, Bolsonaro seguiu enviando recados a sua base e pregando contra o isolamento social para conter a pandemia. Disse estar de mãos atadas para reverter das restrições. “Eu jogo dentro da Constituição. Há algum tempo algumas autoridades não estão jogando nos limites da Constituição”, disse a um canal bolsonarista no YouTube.

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