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Eduardo Cunha e outros réus tentam pegar carona nas estratégias de Lula contra a Lava Jato

Ex-deputado pediu suspeição de Sergio Moro com base nas mensagens vazadas do Telegram. Anulação de processos de Lula por Fachin também abre precedente para outros condenados no mesmo processo

Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, em foto de arquivo, 19 de maio de 2019.
Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, em foto de arquivo, 19 de maio de 2019.FERNANDO BIZERRA JR (EFE)

A defesa do ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) decidiu pegar carona na estratégia de Luiz Inácio Lula da Silva e entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja reconhecida a suspeição do então juiz Sergio Moro ao julgar seus processos. Os advogados de Cunha alegam que a troca de mensagens entre membros da força-tarefa e o ex-magistrado, apreendidas pela Operação Spoofing, mostra que “nunca houve um juiz imparcial” na Lava Jato. “O teor das conversas, desnudando a espúria relação entre procuradores e magistrado, já seria suficiente para demonstrar que o processamento e o julgamento da ação penal na origem não respeitaram o devido processo legal”, diz o documento apresentado pela defesa.

Cunha não é o primeiro a seguir os passos de Lula. Após os advogados do petista conseguirem acesso aos diálogos da força-tarefa, outros réus também apelaram ao STF. Foi o caso dos pedidos do ex-governador do Rio, Sergio Cabral; do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto e do ex-presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva. Por enquanto, o ministro Ricardo Lewandowski bloqueou as demandas fora do escopo da reclamação inicial do ex-presidente ―acesso à leniência da Odebrecht, bem como a mensagens do Telegram e documentos sobre as tratativas da Lava Jato com órgãos estrangeiros, relacionados ao processo do caso do Instituto Lula.

A decisão monocrática do ministro Edson Fachin, que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar Lula, também abre um precedente para que outros condenados no mesmo processo obtenham o benefício. Fachin anulou as condenações do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, e os andamentos dos processos da sede e doações do Instituto Lula, que voltam à primeira instância no Distrito Federal. Nesta sexta, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu que o ministro reconsiderasse a sua decisão, mas ele manteve as anulações das penas e enviou o caso para ser julgado no plenário do STF —ainda mão há data para isso acontecer. Só no caso do sítio, também foram condenados os empresários Marcelo e Emílio Odebrecht, Léo Pinheiro, da OAS, e Fernando Bittar, dono do sítio de Atibaia. O advogado Alberto Toron, que representa Bittar, defende que a declaração de incompetência vale para todo o processo. No caso da suspeição de Moro, no entanto, mesmo que o STF venha a declarar o juiz como parcial, “a decisão será caso a caso”. “Não é automático”, explica Toron.

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A defesa de Cunha teve acesso aos trechos das mensagens após Lewandowski levantar o sigilo dos autos da reclamação feita pela defesa do ex-presidente. Desde o começo de fevereiro, os advogados do petista vêm juntando ao processo diversas manifestações recheadas de denúncias que indicam a parcialidade de Moro, nem sempre relacionadas apenas a condução do processo de Lula.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados foi preso em 2016, após ser denunciado pelo Ministério Público Federal pelos crimes de corrupção passiva na aquisição da Petrobras de direitos de exploração de petróleo em Benin, na África, além de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, pela manutenção de valores em conta bancária da Suíça. Em 2017, foi condenado por Moro a 14 anos e seis meses de prisão, bem como a quatro anos e cinco meses de prisão preventiva, medida substituída pela restrição domiciliar. Cunha está em casa, de tornozeleira eletrônica.

O objetivo de Cunha é anular todos os atos praticados pelos ex-juiz e para isso se vale de trechos das mensagens que mostrariam suposto “conluio” entre Moro e os procuradores. A defesa alega, por exemplo, que o juiz discutia com o MPF uma denúncia mesmo quando o ex-presidente da Câmara tinha prerrogativa de foro privilegiado. “Aquela denúncia da família Cunha vem esta semana?”, indagou Moro a um procurador cinco meses antes da prisão do então deputado. Isso demonstra, segundo a defesa, que “a decretação da prisão já estava, há muito, acertada com o Ministério Público”.

Em outro trecho, Moro desaconselha a força-tarefa a realizar um acordo de delação premiada com Cunha. “Rumores de delação do Cunha... Espero que não procedam. (...) Agradeço se me manter [sic] informado. Sou contra, como sabe”, afirmou Moro. A defesa classifica o posicionamento do ex-juiz de “uma nefasta intervenção judicial em procedimento que sequer tem a participação da autoridade judicial”. “Moro foi responsável pela condução da investigação, recebeu a denúncia em desfavor do paciente, decretou a sua prisão preventiva (vigente até hoje), presidiu todos os atos da instrução processual e prolatou a sentença condenatória contra Eduardo Cunha”, afirma documento protocolado pela defesa.

Ironicamente, Lula não utilizou as mensagens para engrossar seu próprio pedido de suspeição de Moro, protocolado em novembro de 2018, e que começou a ser julgado em dezembro daquele ano, mas foi suspenso após pedido de vista (mais tempo para análise) feito pelo ministro Gilmar Mendes. À época o ex-presidente estava preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, após condenação em segunda instância no caso do triplex do Guarujá. A defesa de Lula afirma que, antes mesmo de a imprensa começar a publicar as matérias da Vaza Jato, com base na troca de mensagens da força-tarefa, já existiam fatos suficientes para provar a parcialidade de Moro. Dentre eles, a antecipação de decisões ao Ministério Público, a inversão de etapa da investigação e as sugestões de estratégias acusatórias aos integrantes da força-tarefa.

O julgamento do processo de suspeição de Moro, que voltou à pauta do Supremo na terça-feira passada (9), foi novamente paralisado por um pedido de vista do ministro Kássio Nunes Marques. O placar está momentaneamente congelado em dois votos contra a suspeição e dois a favor. Nunes deveria ser o desempate, mas a ministra Cármen Lúcia, que em 2018 votou contrária à suspeição, indicou que vai votar novamente.

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