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Fachin abre caminho para salvar parte da Lava Jato e dá fôlego a Lula para sonhar com 2022

Decisão do ministro do STF vai reverberar nos próximos dias com possível análise de recurso da PGR contra a anulação das sentenças do ex-presidente. Justiça do DF ainda tem brecha para dar tramitação rápida dos processos do petista e trazer outro revés sobre seu status político

O ministro Luiz Edson Fachin, que anulou as condenação de Lula na Lava Jato.
O ministro Luiz Edson Fachin, que anulou as condenação de Lula na Lava Jato.ADRIANO MACHADO (REUTERS)
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A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de tornar nulas as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato, injetou adrenalina no Brasil nesta segunda, dia 8, quando o país só tem olhos para a pandemia de covid-19. A recuperação dos direitos políticos do ex-presidente mobilizou a esfera política, enquanto deixou frenéticos os grupos de Whatsapp de advogados e juristas que faziam cálculos em cima da decisão de Fachin. O consenso é que a determinação de ministro foi minuciosamente estudada, de modo a reorganizar forças no que diz respeito aos processos de Lula e a Lava Jato. A operação foi duramente atingida pelas mensagens entre a força-tarefa e o ex-juiz Sergio Moro que vieram à tona desde junho de 2020 ―primeiro com a Vaza Jato, depois com a Operação Spoofing— e, por consequência, a própria Corte Suprema que apoiou todos os lances da operação, seja no endosso de alguns julgamentos, seja pela falta de análise de alguns processos.

Nesta segunda, Fachin acatou monocraticamente um habeas corpus da defesa de Lula que pleiteia que a 3ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar os processos do ex-presidente Lula pois os crimes a ele atribuídos, como o caso do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, não estão diretamente relacionados à Petrobras. Por isso, seguem agora para a primeira instância no Distrito Federal. A defesa do petista já havia tentado cancelar os processos antes com a mesma argumentação, mas outros HCs haviam sido reiteradamente negados. “Não existe um professor de Direito no planeta que pode justificar por que o processo do Lula estava lá”, observa Maurício Dieter, professor de Direito Penal da USP, que estudou a fundo o processo do ex-presidente.

Dietter avalia que a decisão tardia deixa evidente a tentativa do ministro do STF de salvar outras investigações e processos da Lava Jato após o impacto das mensagens flagradas na Operação Spoofing, enquanto faz alguma justiça para devolver os direitos “a alguém que foi vítima de um processo injusto”. Para ele, a decisão de Fachin foi “uma explosão bombástica, mas seus efeitos ainda têm de ser modulados”, diz. “Não existe ciência exata no Direito. Veremos nos próximos dias os desdobramentos políticos e jurídicos desta decisão”, afirma.

O advogado Rafael Valin concorda. “É preciso ter em mente que o ministro é um grande apoiador da Lava Jato, ele sempre tomou inúmeras decisões que beneficiaram a operação e prejudicaram Lula e outros réus. E agora os procuradores e o Moro foram tão encurralados que o ministro chegou a este ponto de tomar esta decisão”, afirma. Na leitura do advogado, Fachin trabalha para “estancar a sangria” da Lava Jato, que colecionou uma série de derrotas nos últimos meses. “Nenhuma decisão é ingênua. A medida tomada pelo Fachin é correta, mas o timing é esse, procuradores e ex-juiz do caso tendo mensagens vazadas a cada dois dias com conversas que levantam a suspeita de irregularidades”.

O ex-presidente Lula, que não esconde seus desejo de refazer sua história política disputando uma eleição novamente no ano que vem, recebeu a notícia com cautela. A expectativa dele e de seus defensores é que o juiz que venha a assumir os seus processos na Vara do Distrito Federal valide a falta de competência de Moro para conduzir o inquérito contra ela. Fachin, porém, deixou uma porta aberta na decisão desta segunda ao declarar que “o juízo competente decidirá a convalidação dos atos instrutórios”, ou seja, a Justiça do DF terá de decidir se as investigações em curso, incluindo as que levaram às condenações de Lula, são válidas. Se assim for, o juiz que assumir os processos poderia levar as ações do ex-presidente para a segunda instância e anular novamente os direitos políticos.

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O jogo fica embolado, na opinião de juristas, porque não haveria tanto tempo hábil assim para cercear Lula novamente às vésperas das eleições de 2022. Além disso, alguns dos crimes imputados a Lula já estariam prescritos ou prestes a prescrever. Ou seja, o ex-presidente não poderia mais ser sentenciado por eles —e dificilmente um juiz aceitaria a denúncia ciente disso. A lei prevê a redução pela metade dos prazos de prescrição para pessoas com mais de 70 anos (o ex-presidente tem 75).

Assim, a acusação de lavagem de dinheiro na aquisição de um terreno para o Instituto Lula, por exemplo, prescreveu em dezembro de 2020, conforme cálculo do professor Marcelo Dieter. No caso do sítio em Atibaia, a prescrição dos crimes de corrupção que teriam ocorrido entre 2004 e 2014 será em 2022. As acusações de corrupção no caso do triplex também vencem em 2022, enquanto que o crime de lavagem de dinheiro ainda poderia ser julgado até 2024.

Árvore envenenada

Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas, que reúne centenas de advogados que questionam o processo de Lula, acredita que a decisão de Fachin traz à tona a teoria o da “árvore envenenada” no Direito para tratar de julgamento de Moro. “Se um ato está comprometido, todos estão comprometidos”, explica, e por isso as condenações de Lula seriam anuladas. Para ele, a pressão pelo julgamento do processo de suspeição do ex-juiz Sergio Moro — que corre no Supremo e está previsto para ser votado este ano — também contribuiu para a decisão de Fachin. O pedido de suspeição, solicitada pela defesa de Lula alegando parcialidade de Moro, poderia afetar todos os casos julgados pelo ex-juiz. “O ministro antecipa a discussão desse processo reconhecendo a nulidade, tentando desidratar um pouco a situação para proteger Moro e a própria biografia”, afirma Carvalho.

Em tese, o processo de suspeição do ex-juiz ficaria em segundo plano a partir da decisão do ministro. “A decisão do Fachin impede o reconhecimento da suspeição neste momento”, afirma o advogado Alberto Toron. “Com a anulação da sentença, isso não faz mais sentido”, diz. Essa alternativa, porém, não parece tão certa. O ministro Gilmar Mendes dá sinais de querer antecipar o julgamento de Moro, um clamor do mundo jurídico.

Efeito manada?

Outra reverberação da decisão desta segunda bate num potencial efeito manada. Com a anulação das condenações de Lula, abre-se um precedente para que outros condenados da Lava Jato também peçam a nulidade de seus processos. “Se pode ter desdobramentos para outros réus da Lava Jato? Sem dúvida nenhuma, a porteira está escancarada”, diz Arthur Rollo, advogado especialista em direito eleitoral. Alberto Toron, que advoga para o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, condenado a 11 anos de prisão por Moro, também acredita nesta tese. “Acho que a tendência é que outros advogados peçam anulação [dos processos de seus clientes]. Mas é preciso que seja visto caso a caso”, afirma. “No processo do Bendine havíamos arguido a incompetência do juiz e nosso pedido foi rejeitado. Agora à luz da nova decisão do Fachin vamos reavaliar”, diz.

A expectativa agora é de que o Ministério Público Federal recorra da anulação dos direitos de Lula, o que faria a matéria seja analisada pela Segunda Turma do STF ou pelo plenário. “O certo seria o plenário decidir, para que houvesse um entendimento da Corte como um todo. Mas nesse caso a competência é da Turma”, diz Rollo. “Lá a tendência é de que os demais ministros [Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Nunes Marques] referendem a decisão do colega”, afirma. Mendes e Lewandowski já se manifestaram abertamente contra o que consideravam abusos por parte de Sérgio Moro e dos procuradores de Curitiba, logo bastaria que mantivessem este entendimento para que a decisão desta segunda fosse mantida por maioria.

A dúvida é se o Supremo seria capaz de puxar para o colo deles uma decisão tão emblemática depois de anos de questionamento sobre a justiça aplicada no caso do ex-presidente. “Acho muito difícil que ele tenha uma condenação colegiada até o pleito [de 2022], ainda que os processos tramitem rápido e ele seja condenado novamente pela primeira instância no DF”, afirma Rollo. Ele aposta na falta de tempo hábil para sentenciar novamente o petista em duas instâncias antes das eleições, embora o histórico dos processos contra Lula aponta para outra direção: entre a sentença de Moro no caso do triplex do Guarujá e a condenação pela 8ª Turma do TRF-4 se passaram apenas seis meses. Logo a Justiça do Distrito Federal poderia, em tese, dar andamento célere ao caso. Mas muita água já rolou desde a condenação de Lula em 2018, e os passos do Judiciário já não são tão previsíveis como outrora.


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