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Escassez de vacinas contra covid-19 ameaça segunda dose de idosos em São Paulo

Em Franca, interior do Estado, idosos não conseguiram reforço do imunizante na data marcada e município afirma que Estado tem enviado lotes de vacinas insuficientes. Ministério da Saúde reduziu a quantidade prevista de vacinas para distribuição em março

Uma profissional de saúde se prepara para aplicar a vacina contra a covid-19 em São Paulo.
Uma profissional de saúde se prepara para aplicar a vacina contra a covid-19 em São Paulo.Andre Penner (AP)
Beatriz Jucá

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A escassez no estoque de vacinas contra a covid-19 tem dificultado o acesso de idosos à segunda dose da imunização em alguns municípios de São Paulo. Vera Marconi, de 87 anos, tomou a primeira dose em 12 de fevereiro na UBS (Unidade Básica de Saúde) da Estação, em Franca. Pela data marcada no cartão de vacinação, o reforço deveria ser aplicado 21 dias depois, em 5 de março, mas, na semana passada, ao ligar para a unidade de saúde, a aposentada foi informada de que não precisava sair de casa porque a vacina tinha acabado. Marconi procurou, então, outra UBS, no bairro Leporace, e mais uma vez foi informada que as doses estavam em falta e que não havia previsão de retomada da vacinação.

Franca resolveu suspender a aplicação da segunda dose em idosos com idade entre 85 e 89 anos na semana passada, mantendo o reforço do imunizante apenas em profissionais da saúde e em idosos com mais de 90 anos. Segundo a prefeitura, a restrição ocorreu porque “o Estado tem enviado lotes de vacinas insuficientes para o atendimento das demandas por faixas etárias no município”. O Estado, por sua vez, diz que tem atuado com agilidade na distribuição, mas o repasse de mais doses dependem da liberação de novos lotes pelo Ministério da Saúde. Os estudos apontam que a Coronavac, vacina que ela recebeu, tem eficácia garantida de 50%, em regime de duas doses com intervalo de 14 a 28 dias —por isso, o próprio Ministério da Saúde recomenda que Estados e municípios guardem doses suficientes para que não falte para os grupos cuja imunização já foi iniciada.

O município diz que diante da escassez de doses decidiu só abrir um novo grupo prioritário quando esgotar o atendimento do público alvo anterior e que idosos de 85 a 89 anos, grupo de Marconi, devem começar a receber a dose de reforço nesta quarta (10). A idosa, no entanto, ligou novamente para o posto de saúde nesta terça-feira e foi informada que a vacina ainda não chegou. Ela tem até a sexta-feira para receber o reforço dentro do prazo de 28 dias. O receio de atraso na segunda dose não acontece só em Franca. No início do mês, idosos da capital paulista também se queixaram de dificuldades para receber o reforço do imunizante no dia marcado, mas a prefeitura disse que eram casos pontuais e que o quantitativo necessário para a segunda dose havia, sim, sido reservado. Na ocasião, o secretário municipal da Saúde, Edson Aparecido, afirmou que “houve um problema em uma unidade de saúde”, mas pontuou que o Estado que antes fazia a distribuição da segunda dose em até 21 dias agora está fazendo em até 28 dias ―o prazo máximo para o reforço do imunizante.

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A campanha de vacinação no país tem sido marcada por desorganização e falta de padronização. Alguns gestores têm optado por usar todas as vacinas disponíveis, enquanto aguardam os novos lotes, cujas datas de envio ainda são incertas. Nesta semana, o Ministério da Saúde anunciou o repasse de mais 2,6 milhões de doses da Coronavac entregues pelo Instituto Butantan aos Estados, que por sua vez deverão distribui-las aos municípios.

A possibilidade de atraso na segunda dose é vista com preocupação pela biomédica Mellanie Fontes-Dutra, já que é preciso obedecer o regime estabelecido nas pesquisas para ter a proteção completa. “A gente não tem informação de eficácia da Coronavac com a dose de reforço depois de 28 dias”, aponta. A primeira dose já confere ao usuário alguma proteção, mas a pergunta sobre qual a eficácia de uma única dose não foi respondida pelos estudos desta vacina. Por isso, a pesquisadora defende que os gestores se atentem para o fornecimento do regime de doses completo, enquanto não temos dados indicando a proteção com apenas uma dose.

O coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 do Governo de São Paulo, João Gabbardo, tem defendido a aplicação de todas as doses disponíveis para tentar proteger um número maior de pessoas e reduzir a pressão no sistema de saúde. “É desperdício guardar vacina para a segunda dose, mesmo correndo o risco de certo atraso. Se atrasar uma ou duas semanas, não afetaria nada. Agora antecipar a vacina para o número maior de idosos, mostraria uma redução em internações e óbitos”, afirmou em entrevista à CNN. O Governo de São Paulo chegou a solicitar que essa sugestão fosse acatada pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI) e o próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou a prefeitos no dia 19 de fevereiro que mudaria a estratégia de vacinação. Mas uma nota técnica da pasta que comanda divulgada posteriormente seguiu indicando a necessidade de reservar a segunda dose diante de um cronograma ainda instável de entregas.

Fontes-Dutra afirma que vacinar mais pessoas neste momento de agravamento da pandemia ―na última semana, o país registrou recorde de mais de 10.000 mortes pela covid-19― é uma boa estratégia, juntamente da garantia da chegada de novas doses no intervalo correto por parte do Governo, aliado a medidas restritivas mais duras capazes de conter a transmissão do vírus. “Caso uma pessoa se infecte após o recebimento da primeira dose ―ou seja, sem ter o regime completo de doses―, ela pode ainda desenvolver a doença, mesmo que de forma mais leve, necessitar de atendimento hospitalar e ainda transmitir para outras pessoas. Essa transmissão pode ajudar o vírus a mutar”, explica. A biomédica acrescenta que é por isso que fala-se tanto para a adesão às medidas de enfrentamento, mesmo para aqueles que estão se vacinando.

A biomédica diz que, se os governantes estiverem dispostos a aumentar as restrições a ponto de barrar a transmissão, pode ser uma boa ideia. Mas na prática, o que o país tem visto são medidas restritivas que carecem de maior intensidade diante da gravidade da pandemia no país, com vários Estados batendo recordes de internação de pacientes com covid-19 e filas por leitos de UTI. “O lockdown tem ser bem implementado pra gente ver o retorno”, diz Fontes-Dutra. “É um risco imenso que o aumento da transmissão do vírus traz para nós, e a necessidade de cada vez mais acelerarmos a vacinação, garantirmos todo o regime de doses para cada pessoa que se vacina e, aliado a isso, aderir às medidas de enfrentamento e às restrições dos municípios e estados é urgente neste momento”, explica.

A conta de vacinas do Governo não fecha

Pressionado por governadores e prefeitos para comprar vacinas e acelerar a imunização no país no momento mais crítico da pandemia, o Governo Federal tem tentado correr atrás do prejuízo por ter demorado a comprar vacinas enquanto o mundo negociava com as farmacêuticas. Nos últimos dias, foram feitos vários anúncios de novas negociações com laboratórios e até de acordos de aquisição de milhões de doses antes mesmo da assinatura dos contratos. Mas, na prática, o Brasil enfrenta uma série de atrasos no cronograma de entrega até mesmo de vacinas já contratadas anteriormente.

Nesta segunda-feira, o ministro Pazuello mudou mais uma vez a previsão de doses para este mês. Se em fevereiro o general havia anunciado 46 milhões de doses para março e no último sábado sua pasta previu apenas 30 milhões de doses neste mês, agora o ministro fala em “25 milhões a 28 milhões” a serem recebidas até o dia 31. Segundo Pazuello, a redução ocorre por conta de atrasos na entrega de 8 milhões de doses da AstraZeneca (cuja segunda dose deve ser aplicada em um intervalo de até três meses) produzidas pelo laboratório indiano Serum, em razão do bloqueio de exportações pela Índia. O ministro diz trabalhar em um esforço diplomático para garantir a importação e voltou a defender a produção nacional.

“Então, é por isso que nós estamos falando de produção nacional, porque se nós não tivermos uma produção nacional como temos hoje no Butantan e na Fiocruz, nós não vamos ter condição de vacinar em massa o nosso país”, afirma Pazuello. A Fiocruz, que chegou a planejar a entrega de 15 milhões de doses neste mês, só deverá entregar 3,8 milhões de doses por conta do atraso na importação do IFA em janeiro e de uma falha técnica em um dos laboratórios. Mas anunciou o início da produção em escala nesta semana e afirmou que dialogará com a Anvisa para antecipar a entrega de doses. “Estamos produzindo 250.000 a 300.000 doses por dia. Antes do fim do mês, estaremos já produzindo cerca de 1 milhão de doses por dia”, afirmou o diretor da unidade Bio Manguinhos da Fiocruz, Maurício Zuma.

O presidente Bolsonaro se reuniu na última segunda (8) com representantes da Pfizer por videoconferência, após meses de críticas à farmacêutica, para conversar sobre um acordo de compra e pedir a antecipação de entrega de doses. Depois da reunião, porém, coube ao ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciar que foi fechado um acordo com a farmacêutica, que teria garantido a entrega de 14 milhões de doses entre maio e junho porque teria conseguido ampliar a capacidade de produção. O contrato, porém, ainda não foi assinado. “Nós temos que olhar pra frente. Temos que acabar com a narrativa de guerra, da destruição”, afirmou Guedes. Segundo a Folha de S. Paulo, no ano passado o Governo rejeitou um acordo para compra de 70 milhões de doses da Pfizer. Os argumentos foram as cláusulas consideradas “draconianas” pelo Governo especialmente no caso de questões ligadas a efeitos adversos serem julgadas em tribunais interacionais. Cláusula semelhante também estava no contrato com a Astrazeneca, a primeira grande aposta do Governo.

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