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Brasil dependente de auxílio emergencial privilegia aprovar independência do BC

Novo comando da Câmara acena a investidores com autonomia do Banco Central, mas Congresso ainda não aprovou o Orçamento de 2021, vácuo que pode paralisar a máquina pública. Bolsonaro promete volta de programa social da pandemia, mas seu Governo não tem plano para fazê-lo

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O novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, no início de fevereiro.ADRIANO MACHADO (Reuters)
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A União não tem Orçamento para este ano até agora, o que já afeta as UTIs para pacientes de covid-19 e, a partir de abril, pode paralisar a máquina publica federal caso a peça não seja aprovada. Milhões de cidadãos que dependiam do auxílio emergencial para manter suas famílias em meio ao desemprego na casa dos 14% estão há quase dois meses sem receber nenhum real. O Plano Nacional de Vacinação contra o novo coronavírus é cheio de lacunas e até hoje a maioria das pessoas não tem previsão nem data para ser vacinada, o que torna a retomada da economia capenga e incerta. Mesmo com esse cenário, era de dever cumprido a sensação entre os deputados federais que aprovaram a independência do Banco Central na noite de quarta-feira na Câmara em Brasília.

Descolados da realidade do país, os parlamentares passaram à frente das demandas citadas acima uma pauta tão antiga quanto sem urgência, apesar de bem-vinda, na opinião na maioria dos economistas ouvidos pelo EL PAÍS. Os deputados aprovaram, com 339 votos, o projeto de lei complementar que define a autonomia do Banco Central. A proposta estabelece mandatos fixos para o presidente e para os diretores da autarquia. A autonomia do Banco Central era discutida havia mais de 30 anos no Congresso e visa, em tese, blindar a gestão monetária dos Governos de turno, ainda que não os livre de outras influências, como a do próprio mercado, na visão de seus críticos.

De acordo com analistas econômicos, a inversão de prioridades aconteceu porque era a pauta mais fácil de ser aprovada neste momento ―e para tentar mandar um sinal aos investidores sem ter que mexer num vespeiro: discutir um plano fiscal para 2021 que contemple novas parcelas do auxílio emergencial sem fragilizar ainda mais as contas públicas.

Mas nem os operadores da Bolsa de São Paulo caíram completamente no truque da Câmara agora comandada por Arthur Lira (PP-AL). As ações caíram e o dólar subiu quando Jair Bolsonaro falou do assunto que mais preocupa. Nesta quinta-feira, durante visita à Base de Alcântara, no Maranhão, o presidente sinalizou que partir do mês que vem o auxílio emergencial voltará a ser pago por pelo menos mais três ou quatro meses, mas não deu detalhes nem disse de quanto vai ser.

Nem teria como Bolsonaro dizer, já que não há plano claro para isso. Também nesta quinta-feira, Lira cobrou uma “solução imediata” do Executivo para a renovação do programa social enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, rebatia: “Não vai faltar dinheiro para a saúde, mas teremos que cortar outros gastos e mostrar que somos sérios e responsáveis.” Na segunda, no entanto, Guedes disse que não era ele quem decidia sobre valor ou sobre a volta do auxílio. Fontes do Governo disseram na semana passada que eram estudadas mais três parcelas de 200 reais, valor que foi considerado pouco por parlamentares. Assim, a situação segue em impasse.

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“O Governo, com esses balões de ensaio, deixa o cenário mais turvo”, afirma Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Está faltando uma sinalização mais clara. Um dia fala-se em recriar a CPMF para bancar o auxílio, outro dia fala-se em cláusula de calamidade a ser colocada em um dos Projetos de Emenda Constitucional, então está faltando o Governo dizer ‘olha, o gasto vai ser esse, temos essas formas de financiar’. Existirão medidas compensatórias? Qual o impacto na dívida?”. Para o economista, o auxílio segue sendo indispensável até que se consiga vacinar 70% da população: “O auxilio é uma emergência justificável, mas você esbarra na questão fiscal. Como fazer?”

Salto afirma que a aprovação do Orçamento deve ser prioridade, já que vai começar a faltar dinheiro para gastos correntes e salários de algumas carreiras a partir de abril caso situação não seja resolvida. A comissão mista do Congresso que vai analisar o orçamento da União para 2021 foi criada nesta semana. Nesta quarta-feira, foram escolhidos a presidenta, deputada Flávia Arruda (PL-DF), e o relator, deputado Márcio Bittar (MDB-AC). A previsão é que o Orçamento seja aprovado ali até o final de março, quando segue para votação no plenário do Congresso. O Orçamento, enviado pelo Governo federal ao Congresso em agosto do ano passado, prevê um déficit primário de 233 bilhões de reais.

“Se não aprovarem logo vão poder usar apenas 1/12 do Orçamento do ano passado, mas já vai começar a faltar dinheiro para gastos correntes logo, logo. Então vão ter que correr com isso”, concorda André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton Investimentos. Sobre a aprovação da autonomia do Banco Central, Perfeito avalia que “não traz benefícios de curto prazo”. “É bom, mas não é o que importa neste momento, e vejo alguns problemas no texto aprovado, como a missão instituída ali do Banco Central buscar pelo emprego. Essa não é a missão dele, não sou favorável a isso”, diz.

Para Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, o orçamento da União deveria ter sido aprovado no final do ano passado, já com a previsão de gastos da pandemia como auxílio emergencial, compra de vacinas, ajuda a empresas e outras medidas que não estão na peça. “Agora, não vale discutir questões estruturais que nada adiantam a curto prazo na crise da pandemia, sendo que existem pautas emergenciais na mesa: o auxílio emergencial e as vacinas e outras medidas de enfrentamento à pandemia”, diz ele. “A Câmara devia se dedicar exclusivamente a isso. Esse vai e vem do Governo é muito ruim para a economia”, afirma. Para ele, a demora pode ter efeitos deletérios sobre a atividade econômica já em 2021, como vê-se com a retração do comércio neste início de ano.

Otimismo moderado nos operadores do mercado

Seja como for, os operadores do mercado dizem ver com bons olhos o novo comando do Congresso, mesmo que o comando anterior, com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, também se declarasse pró-reformas, apesar de nada ter caminhado. “Existem alguns sinais importantes de que essa nova cúpula do Congresso vai destravar a agenda econômica”, acredita José Marcio Camargo, economista da Genial Investimentos, apesar de a reputação do Centrão, grupo que dá a cartas no Parlamento agora, não ser exatamente liberal ou de cortes de gastos. “A partir de agora vai depender muito do Governo a capacidade de coordenar essa agenda. Temos que ver como o Executivo vai aproveitar essa boa maré no Parlamento.”

Para Perfeito, da Necton, as prioridades do Congresso na área econômica, resolvido o Orçamento, deveriam ser as reformas tributária e administrativa. “A discussão ainda é muito inicial, mas o mercado vê com bons olhos a chegada do Arthur Lira e do Rodrigo Pacheco. As expectativas são boas, mas as coisas têm que acontecer rápido”, afirma, referindo-se aos novos presidentes da Câmara e do Senado. “O problema do Brasil é falta de planejamento mais claro. Toda hora é ventilado algo diferente na área econômica por parte do Governo federal, e isso atrapalha bastante nosso trabalho.”

Camargo, da Genial Investimentos, concorda que questões relacionadas à pandemia são urgentes, mas discorda que a autonomia do Banco Central seja um projeto secundário. “É super importante. No longo prazo por que cria condições para que você faça uma política monetária desligada diretamente de questões políticas”, celebra. “No curto prazo, foi um sinal claro de que essa nova cúpula tem o objetivo de destravar a pauta de votação das reformas. Isso é muito importante.”

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