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Lava Jato sai de cena sob um Brasil em silêncio

Força-tarefa do Paraná foi incorporada ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF. Alguns dos procuradores seguirão apurando casos até outubro

O procurador Deltan Dallagnol participa de uma coletiva de imprensa em março de 2020, em Curitiba.
O procurador Deltan Dallagnol participa de uma coletiva de imprensa em março de 2020, em Curitiba.RODOLFO BUHRER (Reuters)
Felipe Betim
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Acabou. A força-tarefa Operação Lava Jato do Paraná, criada para apurar as denúncias de corrupção na Petrobras e que ditou os rumos do país nos últimos sete anos, foi dissolvida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no dia 1º de fevereiro, passando a integrar o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal (MPF). O anúncio foi feito nesta quarta-feira. Acusada de parcialidade e de adesão ao bolsonarismo, a Lava Jato chega a um fim melancólico, sem pessoas ocupando as ruas ou batendo panelas em protesto. Aquele imenso apoio público, que funcionou como motor da operação, se dispersou. Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir qual será, agora, o legado da Lava Jato e como ela entrará para os livros de história.

A mudança acontece dias depois de o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski quebrar o sigilo de 50 páginas de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, em especial Deltan Dallagnol, chefe do grupo até setembro do ano passado. Essas mensagens trocadas pelo Telegram —interceptadas por um hacker, filtradas para a imprensa, apreendidas e periciadas pela Polícia Federal e finalmente autenticadas pelo ministro do STF, Ricardo Lewandowski— fazem parte do material que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva utiliza no processo que pede a suspeição de Moro e a anulação da condenação do petista no caso do triplex do Guarujá, pelo qual o ex-presidente Lula chegou a cumprir pena de prisão. Outras sentenças proferidas por Moro também poderão ser anuladas.

Contudo, a dissolução da Lava Jato já estava prevista desde 7 de dezembro do ano passado. Na ocasião, a PGR, comandada por Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, assinou a portaria que dissolvia a força-tarefa do Paraná e a integrava ao Gaeco, que até agora contava com cinco membros. Com o fim da operação, quatro ex-integrantes da Lava Jato foram transferidos para o grupo, que passa a ter nove membros com mandato até agosto de 2022. São eles Alessandro Oliveira, Roberson Pozzobon, Laura Tessler e Luciana Cardoso Bogo.

A partir de agora, somente cinco membros do Gaeco se dedicarão aos casos que estavam com a força-tarefa. Outros 10 procuradores que formavam parte da Lava Jato, mas que não foram transferidos para o Gaeco, “permanecem designados para atuação em casos específicos ou de forma eventual até 1º de outubro de 2021 e sem dedicação exclusiva ao caso, trabalhando a partir das lotações de origem”, explica o MPF do Paraná.

Os Gaecos, além de outros grupos de trabalho, são uma realidade nos Ministérios Públicos estaduais desde 2013 e se tornaram referências no combate ao crime organizado e outras áreas específicas. Aras, que vem entrando em atrito com a Lava Jato desde que assumiu a PGR, aposta nesse grupo para dar continuidade às investigações de casos de corrupção. Esse entendimento gerou atritos com os procuradores envolvidos na Lava Jato. Eles argumentam que o grupo não está devidamente estruturado para assumir as novas demandas e suas complexidades.

A Lava Jato diminuiu seu ritmo e foi se enfraquecendo desde a chegada de Bolsonaro ao poder. Quando o então juiz Sergio Moro deixou a magistratura e se tornou ministro da Justiça do mandatário de ultradireita, a operação —que já era acusada de parcialidade— teve sua imagem colada ao bolsonarismo. Contribuiu para essa percepção o fato de que os procuradores da força-tarefa deram declarações que sinalizam apoio ao atual Governo.

O auge do descrédito veio ainda em 2019, quando o portal The Intercept iniciou a série de reportagens da Vaza Jato e revelou, em parceria com outros veículos de imprensa, entre eles o EL PAÍS Brasil, mensagens de Telegram de Moro, Dallagnol e os demais procuradores da operação. Nelas, julgador e acusação articulavam em conjunto a operação e combinavam datas, procedimentos, convocação de testemunhas e ações políticas, sinalizando que os julgamentos não eram equidistantes nem justos.

Além disso, o próprio presidente Bolsonaro, acuado pelas investigações contra sua família e precisando do apoio dos políticos do chamado Centrão, minou as instituições de controle e ajudou a enfraquecer a operação. Seu indicado para a PGR, Augusto Aras, questionou em diversas ocasiões os procedimentos adotados pela força-tarefa e nunca escondeu sua intenção de dissolvê-la. A renúncia de oito procuradores da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, em setembro do ano passado, evidenciou essa queda de braço entre Aras e os integrantes da operação.

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Legado da Lava Jato

Na nota em que anuncia o fim da força-tarefa da Lava Jato, o MPF do Paraná listou o que considera ser o legado da operação. Até o fim de janeiro, explica o organismo, “foram 79 fases, 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva e 163 de temporária”, sendo “colhidos materiais e provas que embasaram 130 denúncias contra 533 acusados, gerando 278 condenações (sendo 174 nomes únicos) chegando a um total de 2.611 anos de pena”.

O MPF também menciona “38 ações civis públicas, incluindo ações de improbidade administrativa contra três partidos políticos (PSB, MDB e PP) e um termo de ajuste de conduta firmado”, além de “735 pedidos de cooperação internacional”. Ainda de acordo com o organismo, mais de 4,3 bilhões de reais já foram devolvidos “por meio de 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência, nos quais se ajustou a devolução de quase 15 bilhões de reais”. Do valor recuperado, três bilhões foram destinados à Petrobras e 416,5 milhões aos cofres da União.

”O legado da Força-Tarefa Lava Jato é inegável e louvável considerando os avanços que tivemos em discutir temas tão importantes e caros à sociedade brasileira”, afirmou Alessandro José de Oliveira, que comandava a força-tarefa e, agora, coordenará as investigações no Gaeco. “Porém, ainda há muito trabalho que, nos sendo permitido, oportunizará que a luta de combate à corrupção seja efetivamente revertida em prol da sociedade”, afirmou.

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