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China troca insumos para vacinas por aceno de liberdade para Huawei no leilão do 5G no Brasil

Sem opção para imunizar a população contra o coronavírus, órfão de Trump e por sobrevivência no cenário internacional, Bolsonaro muda o tom contra chineses

O presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, em Brasília.
O presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, em Brasília.UESLEI MARCELINO (Reuters)
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Brazil's Health Minister Eduardo Pazuello and India's ambassador Suresh Reddy prepare to receive two million doses of AstraZeneca/Oxford vaccines against the coronavirus disease (COVID-19) from India at Sao Paulo International Airport in Guarulhos, Brazil January 22, 2021. REUTERS/Amanda Perobelli
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Demostrators take part in a protest against Brazil's President Jair Bolsonaro and his handling of the coronavirus disease (COVID-19) outbreak in Brasilia, Brazil January 24, 2021. REUTERS/Adriano Machado
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BRA103. BRASÍLIA (BRASIL), 07/09/2020. El diputado e hijo del presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (d), participa hoy lunes, en una ceremonia en el Palacio de la Alvorada, en la ciudad de Brasilia. Bolsonaro encabezó este lunes un sencillo acto por el Día de la Independencia, que fue menos rimbombante que otros años debido a la pandemia de COVID-19, que ya ha causado cerca de 127.000 muertes en el país. EFE/ Joédson Alves
Na briga entre Eduardo Bolsonaro e a China, Planalto deveria temer destino da Austrália

Em troca de a China acelerar os procedimentos para a liberação dos insumos para a produção da vacina contra a covid-19, o Governo Jair Bolsonaro sinalizou que não deve impor restrições à empresa chinesa Huawei no leilão da frequência de internet 5G previsto para ocorrer neste ano e que pode atrair cerca de 180 bilhões de reais. Esse foi um dos detalhes da negociação feita entre os dois países na última semana conforme informações de três pessoas que participaram das conversas e falaram com a reportagem sob a condição de não terem seus nomes publicados. Não há um acordo formal nesse sentido, mas diálogos para que a companhia que fornece equipamentos para internet não sofra sanções, como pressionava para que ocorresse o Governo Donald Trump, aliado preferencial do Planalto.

Com a chegada de Joe Biden à presidência nos Estados Unidos no último dia 20 e a dependência dos insumos farmacêuticos chineses, o cenário mudou. O Brasil se viu obrigado a ser mais pragmático, como dizem alguns especialistas, e superar barreiras ideológicas em nome da sobrevivência. No meio diplomático a conversa é de que Bolsonaro ficou órfão, após a derrota de Trump e foi obrigado a mudar sua conduta. Ainda que não esteja claro, para estes interlocutores, quanto tempo esse novo posicionamento durará.

Na última segunda-feira, uma bandeira branca foi erguida pelo Brasil, após meses de episódios de hostilidades, protagonizados pelo próprio presidente, ministros e seus filhos. Bolsonaro agradeceu a “sensibilidade do Governo chinês” sobre os insumos da vacina. Foi uma espécie de mudança de rumo. “O ato foi um súbito reconhecimento por parte do Governo de que precisa manter as pontes com os países”, afirmou o ex-embaixador em Pequim Marcos Caramuru de Paiva, que é sócio e gestor da Kemu Consultoria. Para ele, há uma interdependência nas relações internacionais e governante nenhum pode romper pontes por questões supostamente ideológicas. “Se fosse para se relacionar apenas com governantes de extrema direita, o Brasil se relacionaria com muitos poucos países hoje”, diz Caramuru.

Para o cientista político e sócio da consultoria Dharma, Creomar de Souza, mais do que pragmatismo, pesou no Governo brasileiro o “instinto de sobrevivência”. “É pragmático quando você toma uma decisão antes da crise acontecer e você busca o caminho mais confiável para a resolução da crise. O que acontece agora é a reação diante de uma ofensiva que vinha sofrendo”, afirma.

A mudança de rumo por parte do presidente, na avaliação de Souza, demorou para ocorrer. “A realidade é um muro intransponível. Bolsonaro tentou durante muito tempo construir uma lógica enfrentando a realidade e a realidade agora bateu na porta. O tom agressivo com relação à China começou a cobrar um preço, que é bem alto”, avalia o especialista. A análise é semelhante a feita pelo presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento e ex-diretor do Banco dos BRICS, Sergio Gusmão Suchodolski. “A mudança de tom representa a realidade das coisas”, diz ele, ressaltando uma série de investimentos que os chineses têm no Brasil.

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Cerca de 31% dos investimentos estrangeiros no Brasil vêm da China. Além disso, o país asiático é, desde o ano de 2009, o maior parceiro comercial brasileiro. No ano passado, os dois países comercializaram 101,7 bilhões de dólares (550,5 bilhões de reais), sendo que houve um superávit em favor do Brasil de 33,6 bilhões de dólares (181,9 bilhões de reais).

Quando se tenta prever cenários futuros também paira a sombra da Austrália. Desde o início da pandemia, o país da Oceania tem confrontado os chineses. O primeiro-ministro Scott Morrison impor sanções à Huawei e sugeriu uma investigação internacional para saber a origem do novo coronavírus. A intenção de fundo era mostrar que haveria um interesse comercial por parte dos chineses na disseminação do vírus. A retaliação foi pesada. Os chineses barraram a importação de carne de cinco frigoríficos locais, impuseram taxas de até 212% ao vinho, de 80% em grãos e cevadas, além de limitarem a compra de carvão e outros minérios, ameaçando a quebrar a indústria desse setor australiana. “A China tem simpatia pelo Brasil e pelos brasileiros. Agora, não quer dizer que ela ia ficar levando tapa o tempo todo sem reagir. Com a Austrália foi isso que aconteceu”, afirma o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Andrew Tang.

Na visão dele, o arrefecimento nos discursos por parte de Bolsonaro ajudará em um jogo que a China insiste nos últimos anos, o de ganha-ganha. “A China não manda seus fuzileiros para lugar nenhum. Ela manda seus empresários e executivos para fazer comércio com todo mundo. Hoje, ela depende do Brasil e o Brasil dela”, diz.

Passo a passo

Conforme técnicos consultados pela reportagem, antes da pandemia de coronavírus, a liberação dos insumos de saúde para exportação na China levava até 15 dias. O prazo dobrou porque aumentou a demanda e os três órgãos responsáveis para a liberação dos produtos ―a aduana e os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia chineses― estão sobrecarregados. Após as negociações dos últimos dias, que também envolveu representantes do Governo de São Paulo, o prazo se reduziu para 20 dias. A expectativa é que até o dia 3 de fevereiro sejam entregues ao Instituto Butantan 5.400 litros de insumos que podem produzir 8,6 milhões de doses da Coronavac.

A mudança de tom de Bolsonaro teve a influência de dois negociadores-chave, os ministros Tereza Cristina (Agricultura) e Fábio Faria (Comunicações). Ela é uma antiga aliada do Governo chinês desde os tempos em que foi secretária de Produção e Turismo em Mato Grosso do Sul, no início dos anos 2000. “Ela tem ótima abertura com a China”, diz Tang. Já Faria foi o responsável por mostrar a abertura ao diálogo na área do 5G. O chanceler Ernesto Araújo, conforme pessoas que participaram das conversas, marcou presença. Ele não é bem-quisto entre os chineses, já que em outras ocasiões culpou a China pelo “comunavírus” e é próximo de Eduardo Bolsonaro, o deputado federal e filho de Bolsonaro que incentiva a milícia virtual contra os chineses.

Quem esperava sentar nessa mesa de negociação, mas tem sido cada vez mais posto de lado por Bolsonaro é o vice-presidente Hamilton Mourão. No princípio do Governo ele exercia um papel de chanceler paralelo, recebendo semanalmente representantes de embaixadas estrangeiras. Agora, excluído do dia a dia do Governo e admitindo que pouco dialoga com o presidente, ele decidiu rifar o chanceler, um indicado pelo guru da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Disse que Ernesto Araújo deve ser um dos demitidos por Bolsonaro em eventual reforma ministerial logo após a eleição das presidências da Câmara e do Senado.

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