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Anvisa autoriza o uso emergencial das vacinas Coronavac e da AstraZeneca/Oxford contra a covid-19

Diretores da agência concluem por unanimidade que os imunizantes cumprem os requisitos básicos de segurança e eficácia e podem ser usados na campanha de vacinação contra o coronavírus

Anvisa aprova vacinas Coronavac Oxford
Sem máscaras de proteção, diretores da Anvisa aprovaram uso emergencial das vacinas de Oxford e Coronavac.Divulgação

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Caminho livre para a largada da vacinação contra a covid-19 no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou neste domingo a autorização para o uso emergencial da Coronovac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan (condicionada à assinatura de um termo de compromisso); e para 2 milhões de doses importadas da Índia do imunizante AstraZeneca/Oxford, que será produzido pela Fiocruz. A decisão da diretoria colegiada da agência, transmitida ao vivo, se deu por 5 votos a 0. Agora, o lançamento do plano nacional de imunização, recheado de dúvidas e obstáculos, a começar pelo próprio Governo Jair Bolsonaro, está previsto para o próximo dia 20 de janeiro. Promete ser o início do fim da pandemia de coronavírus no Brasil.

Aberta com 10 minutos de atraso, a reunião extraordinária da Diretoria Colegiada da Anvisa ocorreu sem o uso de máscaras de proteção, “uma vez que estamos protegidos pelo regramento de distanciamento social”, justificou Antonio Barra, diretor-presidente da agência reguladora. A transmissão ao vivo da reunião chegou a ter mais de 20.000 espectadores simultâneos no canal oficial da Anvisa no Youtube. “O inimigo é um só. Nossa melhor chance nessa guerra passa, necessariamente, pela mudança de comportamento social. Sem a qual, mesmo com vacinas, a vitória não será alcançada”, observou Barra em seu discurso de abertura.

Primeiro, três áreas técnicas da Anvisa deram aval à aprovação das vacinas. De acordo com o gerente geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, Gustavo Mendes, o panorama de “muita tensão pela falta de insumos necessários para o enfrentamento da doença” no Brasil, justifica a autorização para o início de aplicação do imunizante, condicionada ao “monitoramento e reavaliação periódica [dos dados de eficácia]. Olhar com cuidado, de maneira muito próxima, como vai ser o desempenho dessa vacina”. Embora tenha recomendado a aprovação, Mendes salientou que a Anvisa não conseguiu obter acesso a algumas informações sobre dados de ambas as vacinas.

No caso da Coronavac, as pendências se referem à lacuna de dados a respeito da eficácia em pessoas com comorbidades ou idosas, quantidade de pacientes sintomáticos que tiveram PCR negativo e de participantes do estudo que precisaram de atendimento em UTI. A relatora Meiruze Freitas ainda salientou um “ponto crítico” em relação ao imunizante. “Por quanto tempo perdura no organismo dos indivíduos a proteção conferida pela vacina?”, questionou. Em seu voto favorável à aprovação, ela condicionou a autorização do uso emergencial da Coronavac à assinatura de um termo em que o Butantan se compromete a reportar dados sobre a resposta imunológica da vacina. “Os benefícios conhecidos das vacinas superam seus riscos. Mas é preciso um monitoramento contínuo sobre efeitos adversos. Uma vacina só é eficaz se as pessoas estiverem dispostas a tomá-la. Vacinação contra covid-19 ajudará na proteção individual e coletiva”, disse a relatora.

O voto que estabeleceu maioria na avaliação da mesa veio do diretor Alex Machado Campos, ex-chefe de gabinete de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde, que aproveitou a ocasião para agradecer Mandetta por sua indicação ao cargo. “Não há espaço para negação da ciência nem para a politização das vacinas”, disse Campos. Da mesma forma, os diretores Romison Mota, Cristiane Rose Jourdan e Antonio Barra, presidente da agência, votaram a favor da aprovação dos imunizantes para uso emergencial e cravaram unanimidade na decisão. Ao longo das explicações técnicas, a Anvisa frisou que um dos motivos que embasaram as análises é a “ausência de alternativas terapêuticas” para enfrentamento à doença, contradizendo a tese de “tratamento precoce” —sem comprovação científica— defendida pelo Governo Bolsonaro.

Desafio agora é cumprir cronograma de vacinação

O país conta, a princípio, com 8 milhões de doses para iniciar o plano de imunização. Seis milhões são da Coronavac, importada pelo Butantan e requisitada de forma imediata pelo Ministério da Saúde na última sexta. As outras 2 milhões doses são do imunizante da Astrazeneca/Oxford e foram adquiridas pelo Governo brasileiro da fábrica da Serum Institute, na Índia. Porém, o Governo indiano barrou a exportação de vacinas produzidas em seu território. Um avião estava previsto para decolar do Brasil na sexta-feira, mas teve que adiar seu voo porque o chanceler Ernesto Araújo não conseguiu chegar a um acordo para a liberação da remessa.

Após o revés com o Governo indiano, o Ministério da Saúde, por meio de seu departamento de logística, mandou um ofício ao Butantan, ligado ao Governo de São Paulo, solicitando a entrega imediata de 6 milhões de doses da Coronavac. O Butantan, por sua vez, avisou que só vai disponibilizar o estoque se a pasta esclarecer quanto do contingente já ficará em São Paulo. Entretanto, no início da tarde deste domingo, o governador de São Paulo, João Doria, garantiu que enviará imediatamente o estoque reivindicado pelo Ministério.

Com a aprovação de uso emergencial dos imunizantes, o Governo brasileiro deverá começar a vacinar os chamados grupos prioritários. Em primeiro lugar estão os profissionais da saúde, por considerar que são as pessoas mais expostas ao vírus, idosos acima de 75 anos e a população indígena. Nas fases seguintes estão idosos das demais faixas etárias, pessoas com comorbidades, professores, trabalhadores de segurança e funcionários do sistema prisional —a população carcerária foi excluída.

As oito milhões de doses iniciais não são suficientes para imunizar todos os integrantes desse grupo prioritário. Tanto a Fiocruz como o Instituto Butantan devem produzir os imunizantes em território nacional, mas primeiro devem passar por outras etapas dentro da Anvisa. Entre elas, devem conseguir a autorização de uso permanente da vacina —a autorização que foi dada neste domingo é temporária de uso emergencial, em caráter experimental. Superadas essas etapas, o Butantan deve produzir 100 milhões de doses de seu imunizante e a Fiocruz outras 254 milhões de doses.

Havia dúvidas quanto a data exata do início da vacinação. Em entrevista coletiva, o ministro Eduardo Pazuello manteve o “dia D” para execução do plano em 20 de janeiro e disse que as vacinas começarão a ser distribuídas, de forma proporcional aos Estados, a partir das 7h desta segunda-feira, com apoio do Ministério da Defesa. De acordo com o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, a vacinação deve começar de forma simultânea em todas as capitais dos Estados ao mesmo tempo que os imunizantes vão sendo escoados para os demais municípios, uma operação logística complexa que envolve diferentes modais de transporte. Os Estados e municípios se consideram prontos para iniciar a vacinação a qualquer momento.

Além disso, Franco informou que o Brasil conta com 80 milhões de seringas espalhadas por Estados e municípios para iniciar a campanha de imunização. O Ministério também garante que se reuniu com a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), que se comprometeu a disponibilizar outras 30 milhões de seringas até o fim de janeiro. Além disso, houve a requisição administrativa de 60 milhões de seringas excedentes em estoques. A pasta também anunciou a redução da taxa de importação de seringas e a restrição de exportações.

O Governo orienta que os cidadãos atualizem, preferencialmente, o número do CPF ou do Cartão Nacional de Vacinação ou se cadastrem no aplicativo Conecte SUS Cidadão, de modo a facilitar a identificação no momento de vacinação e agilizar o fluxo de atendimento. Mas, na última quarta-feira, o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) divulgaram uma nota esclarecendo que o acesso à vacina não está condicionada ao cadastramento no aplicativo ou à apresentação do Cartão Nacional de Vacinação. “Se no momento da imunização contra a covid-19 o cidadão não esteja de posse de nenhuma identificação, o estabelecimento de saúde, em sua plataforma CadSus, poderá efetuar o devido cadastro e o processo de imunização ocorrerá normalmente. Ninguém que pertence ao público prioritário da campanha, definido naquele momento, deixará de ser vacinado”, destaca a nota.

O Plano Nacional de Imunização foi concebido em 1973 e, a partir dele, o Brasil conseguiu combater a meningite e o sarampo e erradicar doenças como pólio. É a partir dessas expertise de décadas que Estados e municípios estão se preparando para o início da vacinação contra a covid-19.

Obstáculos para a vacinação

A campanha agora esbarra no atraso do Ministério da Saúde em conceber um plano. Enquanto outros países começavam a se vacinar em dezembro, a pasta ainda não havia sequer apresentado um esboço. O Governo também foi pressionado pelos planos do governador de São Paulo, João Doria, de iniciar a imunização no Estado esta semana. No final, após meses menosprezando publicamente a Coronavac, acabou anunciando sua compra e distribuição no plano de imunização. O governador pretende se lançar candidato à Presidência em 2022 e é rival político de Bolsonaro. Ele posou ao lado da enfermeira Mônica Calazans, que havia recebido o placebo durante a fase de testes e, neste domingo, foi a primeira brasileira vacinada em território nacional após a aprovação da Anvisa. Pazuello diz que a aplicação em São Paulo “está em desacordo com a lei”.

O presidente vem apostando no “tratamento precoce” —e ineficaz, segundo a comunidade científica— contra a covid-19. Um exemplo disso ocorreu na última semana durante a visita de Pazuello a Manaus, onde lançou um aplicativo que prescreve hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina para pacientes —medicamentos não possuem eficácia comprovada contra a doença e foram rejeitados pela Organização Mundial da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Infectologia.

A campanha também esbarra nas dúvidas da população de se vacinar. Uma pesquisa Datafolha de dezembro mostrou que metade da população rejeita a Coronavac, pejorativamente chamada de “vacina chinesa”. Esse descrédito foi estimulado inclusive por Bolsonaro. O mandatário também disse em outras ocasiões que não será obrigatório se vacinar e diz que todos os imunizantes são “experimentais” e, portanto, arriscados. Na última terça, quando o Butantan anunciou a eficácia geral de seu imunizante, boa parte da tropa bolsonarista, incluindo os filhos do presidente, foram às redes sociais criticar Doria e fazer ilações sobre a vacina.

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